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"Telebrás no PNBL é a garantia da universalização da banda larga"

A Telefónica & congêneres inauguraram uma sede para o seu cartel. Localiza-se no Ministério das Comunicações. Há mais de uma semana, os executivos das teles não saem de lá. Entre uma reunião e outra com o ministro Hélio Costa, expedem declarações sobre como pretendem “universalizar” a Internet via banda larga. Depois de 10 anos, só agora, quando o governo prepara o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL), perceberam que o assunto existe. Aí, bateu o desespero.

Por Carlos Lopes

De vez em quando sai cada coisa impagável – como aquele executivo que, egresso da sala do ministro, declarou que “a idéia é usar não só o backbone, o backhaul e os acessos das empresas, mas também a infraestrutura de fibra óptica do governo” (Tele.Síntese, 21/10/2009). Tradução: as teles monopolizariam o sistema nervoso central da Internet (backbones), o sistema nervoso periférico (backhauls), o acesso ao usuário e, para isso, usariam a rede de 30 mil km de fibras óticas do governo.

Esse é o “plano alternativo” ao PNBL que as teles estão elaborando com o ministro Hélio Costa. Só faltou a isenção de impostos, o dinheiro do BNDES e a liberação para as teles dos bilhões do Fust (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações). Também, o executivo não pode lembrar de tudo…

É forçoso reconhecer que toda a discussão sobre quem vai efetuar a “última milha” (a ligação da sede do município, onde chegará a rede pública, até a casa do cidadão) – se vão ser empresas privadas não monopolistas, como propõe o PNBL, ou se essa “última milha” será entregue ao monopólio das teles – é, na verdade, perfunctória. O que os monopólios da telefonia querem não é só a “última milha”.

Monopólios privados que são, querem ficar com tudo – “backbones”, “backhauls”, acessos, e, inclusive, com a rede pública. Em suma, querem explorar o usuário sem que haja nenhum limite – o que é a morte de qualquer projeto de universalização da Internet.

Na verdade, só há uma forma de garantir não somente a universalização, mas, inclusive, a participação das empresas privadas não-monopolistas na “última milha”: o gerenciamento do sistema pela Telebrás. Por isso, a carga das teles é contra a Telebrás. Esse gerenciamento pela Telebrás não acabaria com o cartel das teles. Ainda teriam um vasto território até para abusar do cidadão. Mas a Telebrás seria um limite a esse cartel – e empresas monopolistas só aceitam isso quando são enquadradas pela sociedade.

O problema básico pode ser sucintamente resumido: em tudo o que se refere à universalização, vale dizer, à democratização das telecomunicações, o monopólio das teles revelou-se um fracasso retumbante, até porque monopólio privado é o antônimo de democracia.

O mapa que publicamos nesta página foi elaborado pelo site Teleco, com informações das teles: as suas “áreas atrativas” para explorar a banda larga são muito menos que metade do território brasileiro. Nessas áreas vivem 58% da população – logo, 42% da população estão excluídas, de antemão, da banda larga das teles.

Segundo um documento recente da associação das teles, a Telebrasil, existem no país apenas 10 milhões de usuários da banda larga (cf., “O Desempenho do Setor de Telecomunicações no Brasil – Séries Temporais”, setembro, 2009). Isso, se confiarmos nesses dados, pois, quanto aos telefones fixos, costumam contar linhas instaladas (mesmo se não vão a lugar algum) como se fossem telefones.

No entanto, em 2008, o faturamento da Telefónica, Embratel, Oi, Vivo, TIM, Brasil Telecom e Claro foi mais da metade do faturamento das 200 maiores empresas de tecnologia instaladas no país. Elas faturaram US$ 58,1 bilhões de dólares, enquanto a soma do faturamento das 200 maiores foi US$ 110 bilhões. A “Exame”, normalmente dedicada a incensar qualquer monopólio privado, comenta sobre o resultado das teles, num ano em que a economia foi pesadamente afetada no último trimestre: “o volume do faturamento delas é monstruoso”.

Quanto ao lucro, o maior de todos entre essas 200 maiores empresas foi o da Telefónica: mais de US$ 1 bilhão. Muito interessante é o comentário do diretor-executivo de negócios da Telefônica, Fabio Bruggioni: “Nosso ponto fraco foi a qualidade de serviço” (cf. Info Exame, agosto 2009, págs. 66-79). E isso com esse lucro e mais R$ 2 bilhões do BNDES.

Como a desvalorização em relação ao real tende a diminuir os números quando consideramos valores em dólar, fornecemos aqui a receita operacional bruta em reais que as teles declararam: R$ 178,1 bilhões. Sem contar qualquer receita advinda de operações especulativo-financeiras (cf. Telebrasil, doc. cit). Nesse documento, não conseguimos números sobre lucros – em compensação, há uma vasta lamentação sobre os impostos que as teles são obrigadas a pagar…

Não é por falta de dinheiro que as teles não universalizaram a banda larga. Aliás, as teles estrangeiras aumentaram suas remessas de lucros em 91% em 2008 em relação ao ano anterior (US$ 881 milhões contra US$ 461 milhões – e estamos nos referindo somente às remessas de lucros declaradas). Em nenhum outro setor, as multinacionais aumentaram tanto a remessa de lucros – o conjunto delas aumentou-as em 55%; os bancos, em 69,4% (dados do BC).

Esses resultados “monstruosos” somente puderam ser obtidos através de um monopólio feroz, que não investe nem quando recebe dinheiro do BNDES. A campanha das teles contra a Telebrás – e, portanto, contra a universalização da banda larga – é apenas a campanha para que não haja qualquer limite a esse monopólio. Porém, mantê-lo sem limites é manter a banda larga concentrada numa faixa estreitíssima da população, a preços de platina por um serviço de pardieiro.

Um dos aspectos mais repugnantes – e, por que não dizer, mais canalhas – do lobby das teles contra a Telebrás é a pressão sobre o seu presidente, Jorge da Motta da Silva.

No mesmo dia em que o engenheiro Rogério Santanna, secretário de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento, apresentou ao presidente Lula, na presença do ministro Hélio Costa, as linhas gerais do PNBL, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que deveria fiscalizar a Bolsa, emitiu uma advertência ao presidente da Telebrás por não ter sido “diligente” (sic) em relação à notícia de que a empresa não seria a administradora no Plano Nacional de Banda Larga.

A notícia era uma declaração do ministro Hélio Costa. A CVM queria que Motta da Silva confirmasse a “veracidade” da declaração de Costa. O presidente da Telebrás respondeu que a pergunta deveria ser dirigida ao ministro.

Por isso, a CVM advertiu-o, porque caberia ao presidente da Telebrás “tomar providências para apurar e esclarecer sobre as notícias e não mandar a CVM perguntar a outros”. Seria engraçado, porque é muito ridículo, se não fosse a mesma CVM que acobertou, como demonstrou o jornalista Paulo Henrique Amorim, o escroque Daniel Dantas, beneficiário da privatização das teles.

Uma semana depois, diante das acusações de que sua opinião sobre o PNBL estaria alterando (para cima!) o preço das ações da Telebrás, o engenheiro Rogério Santanna preferiu renunciar ao seu cargo no Conselho de Administração da empresa. Queriam que um membro do Conselho da Telebrás tivesse opiniões que fizessem a empresa fechar. Só assim não seria “manipulação”…

No último dia 19, entre uma reunião e outra com as teles, o ministro Hélio Costa convocou o presidente da Telebrás ao seu gabinete. Motta da Silva, ao sair, reafirmou a nota que havia publicado dias antes: disse que desconhecia planos para a reativação da empresa, mas que “o acesso à banda larga, pelos seus custos e dificuldades operacionais para assistir às populações menos favorecidas, que vivem em regiões distantes dos grandes centros urbanos brasileiros, passou a ser um grande desafio”.

Esse desafio consiste, precisamente, em limitar o monopólio das teles para que haja universalização da Internet via banda larga. O que exige que a Telebrás seja a administradora do sistema.