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Célio Turino conta histórias de um Brasil silenciado e escondido

“Brasileiro, radical, utópico e comunista”. Assim o secretário de Cidadania Cultural do MinC, Célio Turino, se descreve na orelha do livro “Ponto de Cultura. O Brasil de baixo para cima”, que ele lança nesta quarta (11), em São Paulo. Nesta entrevista ao Vermelho, Turino fala do livro, do programa que idealizou e coordena e de sua experiência pessoal em relação aos pontos de cultura. Para ele, “antes, a cultura servia mais para hierarquizar que para libertar”.

Mais que um registro institucional, “Ponto de Cultura. O Brasil de baixo para cima” é um relato pessoal, uma espécie de diário de viagem, que termina por revelar a trajetória e o papel do programa Pontos de Cultura. Turino afirma que, com a publicação, quis contar histórias de “gente do povo, que faz política sem que isso leve o nome de política, uma política do bem comum, do se dar para outra, da comunhão e do respeito”.

“Ponto de Cultura. O Brasil de baixo para cima”, publicado pela Editora Anita Garibaldi, será lançado nesta quarta (11), às 19h, no Espaço Itaú Cultural (Avenida Paulista, 149 – São Paulo). Veja abaixo a entrevista:

O livro "Ponto de Cultura. O Brasil de Baixo para Cima" é um olhar do criador do programa sobre sua obra. Qual o balanço que o senhor faz dos pontos de cultura?

Sinto que o trabalho frutificou – hoje são mais de 2000 Pontos de Cultura em todo o Brasil – e ganhou reconhecimento, sobretudo por seu alicerce conceitual, colocando o povo como protagonista de sua própria cultura (o que parece óbvio, mas não era assim que as políticas culturais eram formuladas. A cultura servia muito mais para hierarquizar que para libertar). A ideia é investir nas pessoas, na potência humana (e não na carência ou vulnerabilidade), fortalecendo a autonomia e fomentando o empoderamento social.

O senhor costuma dizer que o programa colocou o povo como protagonista. O que isso significa enquanto política pública? E qual o resultado disto para as comunidades e grupos envolvidos?

É a construção de uma nova legitimidade social e cultural, daí o subtítulo do livro "O Brasil de baixo para cima". É um outro Brasil que vai brotando e que vai florescer como nunca se viu.

Como os Pontos de Cultura podem ajudar – ou já estão ajudando – na formação da cidadania e na ampliação da consciência política?

Essa foi minha maior preocupação ao escrever o livro, relatar as histórias das pessoas comuns (ou pessoas extraordinárias, como diz Eric Hobsbawn), gente do povo, que faz política sem que isso leve o nome de política, uma política do bem comum, do se dar para outra, da comunhão e do respeito. No livro, intercalo capítulos teóricos/conceituais com pequenas histórias, pois acredito que são essas que mudam o mundo, pois, para além das estruturam, tocam valores humanos, por isso são mais profundas.

Me parece que a publicação não é apenas um registro e, sim, um relato pessoal. O que os Pontos de Cultura significaram para o homem Célio Turino?

Exatamente. Também me redescobri nesta aventura, e escancaro ao leitor este processo. Quando da minha apresentação, fiz um pequeno texto, que está na orelha do livro: "Quem sou" – sou brasileiro, radical, utópico e comunista. É assim que passo a me apresentar e lá desenvolvo os motivos.

Em todo esse tempo acompanhando o programa, o que mais marcou o senhor? Tem alguma história que se destaca?

São muitas histórias de um Brasil silenciado e escondido, há um capítulo em que explico o que é ponto de cultura a partir de um único ponto, a ACARTES, do Pirambu (maior conjunto de favelas de Fortaleza). Aqui vai o final do capítulo:

"Aonde chegar? Não importa, quando a linha do horizonte (ou tomada de consciência, ou transcendência) é alcançada, vamos além. Foi o que descobri em mais uma visita ao Pirambu.
Nova surpresa.

A casinha continuava amarela (com nova pintura) e recebendo as pessoas com galeria de arte, biblioteca, no quintal o teatro, agora com equipamentos de som e luz, acima o estúdio e a oficina de maquinaria, a Fábrica de Sonhos. Acima destes, uma escada circular pré-moldada em concreto, bem simples e estreita.

Eduardo Galeano, autor de 'As veias abertas da América Latina', faz uma analogia entre horizonte e utopia nestes tempos de pragmatismo e insensatez. A utopia, assim como a linha do horizonte, está sempre à frente, caminhamos alguns passos e o horizonte se desloca à frente, caminhamos novamente e mais adiante o horizonte se apresenta. "Para que serve o horizonte, então?", pergunta. Para isso mesmo, para que nos coloquemos em movimento, o horizonte/utopia serve para caminhar.

Subi a Escada.

Alguns degraus e um quarto (simples) para hospedar oficineiros e colaboradores.
Mais um lance de escada.

Subo e chego a um mirante coberto, pequeno, mas suficiente para instalar uma rede, deitar-se à sombra e sentir a antes escondida brisa do mar. Em minhas visitas anteriores não havia percebido que o Pirambu tem vista para o mar e que dali se pode avistar o horizonte."

Como surgiu a iniciativa de escrever o livro?

Fui escrevendo como uma necessidade, como relatos de viagem e como forma de fazer uma reflexão para mim mesmo. O livro foi escrito ao longo de 4 anos, praticamente em hotéis e aviões.

Qual a origem da sua ligação com a cultura?

Nós somos cultura. Mais especificamente, iniciei minha ação no final da adolescência, como operador de uma impressora Off-Set na secretaria Municipal de Cultura em Campinas, muito cineclube em bairros e favelas, trabalho em museus, até que cheguei a secretário de cultura na cidade (1990/92), em 2003 escrevi 'Na trilha de Macunaíma – ócio e trabalho na cidade', publicado pela editora SENAC-2005, em 2004 foi convidado por Gilberto Gil para ocupar o cargo de Secretário de Programas e Projetos Culturais, no ministério da Cultura, com a função de desenvolver um programa de descentralização e acesso à cultura, daí nasceram os Pontos de Cultura.