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Episódio Geisy nega avanços sociais, condenando a minissaia

 A tentativa de expulsão da aluna Geisy Arruda da Uniban de São Bernardo, divulgada no fim de semana pela instituição educacional e revogada nesta segunda-feira pelo reitor Heitor Pinto Filho (depois da repercussão mundial negativa), coloca à prova todas as conquistas femininas perseguidas e conquistadas desde sempre e até agora. E vai contra o rumo da história, seja social seja da moda. 

por Rosângela Espinossi
especial para o Terra

A quarentona minissaia é tendência atualíssima. Os últimos desfiles nas principais capitais mundiais – leia-se Nova York, Londres, Milão e Paris – trouxeram vestidos e saias curtos, curtíssimos. 

O vestido usado por Geisy, resgatado da moda dos anos 1980, com a barra mais apertada, como um cós canelado, e manga que promove um certo drapeado afunilando no punho, pode não traduzir o máximo da elegância. E, sim era curto, bem curto. A tentativa de expulsão, com a justificativa de que foi "constatada atitude provocativa da aluna, que buscou chamar a atenção para si por conta de gestos e modos de se expressar", é negar toda uma história construída com lutas e mais lutas.

Ok, houve o "arrependimento" da escola, mas o estrago já estava feito. Uma universidade expressar essa opinião é muito grave. Se a moça tivesse sido estuprada a culpa, então, era dela e não do estuprador? Ele teria sido seduzido pelas suas lindas pernas e não teria culpa de nada? Geisy não estava num templo religioso, em que algumas regras pedem para ser cumpridas. E quem tem um pouco de memória, até mesmo os alunos enfurecidos que queriam "estuprá-la", podem recorrer aos álbuns de família dos casamentos ocorridos nos anos 1960 e 1970. Com certeza, eles vão encontrar lá vestidos até mais curtos que o de Geizy, usados nas igrejas, por pessoas de várias idades. Há cerca de 45 anos, quando a minissaia entrou definitivamente na moda para alcançar as faixas até mais conservadoras da sociedade de então, viu-se que o poder dos jovens tinha chegado para ficar.

Se antes, os mais velhos ditavam moda, nos anos 1960, a exposição das pernas com sua principal modelo – Twiggy – traduziu um ar jovial às necessidades sociais. Eram os jovens que assumiam definitivamente as mudanças da sociedade, seja pelos movimentos estudantis, como o Maio de 68 francês, seja pelos festivais de música, à la Woodstock , regado a LSD, heroína, cocaína e uma liberdade sexual jamais vista. As pílulas anticoncepcionais começaram a ser usadas livremente. As mulheres tinham liberdade de mostrar o corpo, assim como os homens. O visual andrógino vingava no mundo musical. Certos ou errados, eles imprimiam uma nova forma de encarar o mundo.

Poder

Mais de quatro décadas depois, o poder do vestido curto mantém-se inalterado. Não fosse assim, a coleção Giorgio Armani para o verão 2010, apresentada em Milão setembro último, não teria sido, de cabo a rabo, com peças curtas, sim, muito curtas. Até mesmo os looks de festa, com brilhos e paetês. É porém, temerário pensar que peças assim causem reações tão contrárias e conservadoras em vários níveis.

A atual liberdade de exibição do corpo mostrada nas passarelas – junto com os curtos, a estação pede ainda transparências, decotes, fendas e até mesmo a lingerie como peças-chave – gerou severos comentários de críticas de moda, como a respeitada e temida inglesa Suzy Menkes, do Herald Tribune. Ela escreveu que os desfiles de Milão mostram peças ideais para serem usadas nas festas promovidas pelo primeiro-ministro Silvio Berlusconi, envolvido em escândalos sexuais com garotas até menores de idade. No lado oposto do Atlântico, por conta de um vestido curto, os alunos da Uniban deram um verdadeiro espetáculo medieval, transmitido com o que é de mais moderno deste terceiro milênio: vídeos por celulares e internet.

Estamos no fim da primeira década do século XXI. Não mais na Idade Média, em que as mulheres tidas como bruxas eram queimadas na fogueira da Inquisição. Mas vivemos numa sociedade em que o homem, infelizmente, ainda tem medo de que a mulher expresse sua sensualidade e sexualidade sem que eles tenham o domínio dessa atitude, sendo atingidos no seu orgulho de macho. Sim, muitos homens, infelizmente, ainda temem o poder sexual da mulher. É o sexo feminino que procria, que tem o direito de escolher quem vai ser o pai de seus filhos e de engravidar de quem quiser, com um simples chamado sedutor.

Algumas religiões, que se apropriaram e mudaram há séculos os rituais tidos como pagãos, em que a força feminina não era colocada em julgamento, mas tida como sagrada, também têm sua culpa. Assim como as mães que criam os filhos homens com o viés machista. Assim como os homens que querem as mulheres em casa para cozinhar e lavar. O pior é que mesmo alunas mulheres condenaram a roupa de Geisy, traçando um paralelo com os comentários de Menkes. Se nossos jovens – e alguns formadores de opinião – pensam assim, o que será das gerações futuras?

Será que teremos de chegar ao extremo de queimar sutiãs de novo e usar ombreiras monstruosas para provar que a mulher pode ser responsável pela roupa que escolhe para ir e vir e pelo seu destino. Geisy optou por usar aquele vestido. E daí? Democracia e gosto pessoal não se discutem. Mas podemos sim refletir sobre o episódio da turba maluca, da tentativa de expulsão e das nossas liberdades. Que o legado de Andrés Courrèges e Mary Quant, responsáveis cada um a seu jeito pela minissaia, não tenha sido em vão. E que as conquistas femininas, e por conseqüência, sociais, não sejam jogadas no lixo do reacionarismo e do conservadorismo mais profundo.