Sem categoria

França provoca indignação ao apoiar autocratas africanos

Nicolas Sarkozy, o atual presidente francês, prometeu promover uma mudança nas relações com a África há três anos. Mas, em vez disso, o país parece estar retornando a um padrão histórico, aceitando ditadores do passado devido a interesses como aqueles em uma mina de urânio no Níger, no petróleo do Gabão ou em um porto de águas profundas em Camarões.

Um garçom, reagindo aos mosquitos que incomodavam um freguês em uma noite recente de muito calor aqui, afirmou agressivamente: "Não são mosquitos; são cidadãos franceses!".

A 3.200 quilômetros de distância, em uma outra capital africana, Libreville, no Gabão, uma multidão gritava, "Estamos fartos dos franceses! Vamos expulsá-los! Vamos matá-los!", depois que a população soube neste outono que a autocracia que domina o país continuaria no poder.

Este não é um bom momento para que um indivíduo seja francês na África francófona, a não ser para aqueles que são autoridades graduadas de Paris em visita privada ao palácio de um ditador. À medida que a democracia cambaleia em vários países da região, a França, de forma discreta e frequente, apoia os antigos e futuros autocratas.

Durante todo o verão, enquanto figuras oposicionistas africanas protestavam e fugiam, os homens do poder visitavam tranquilamente Paris, ou recebiam visitas de autoridades francesas em seus países.

Nicolas Sarkozy, o atual presidente francês, prometeu promover uma mudança nas relações com a África há três anos. Mas, em vez disso, o país parece estar retornando a um padrão histórico, aceitando ditadores do passado devido a interesses como aqueles em uma mina de urânio no Níger, no petróleo do Gabão ou em um porto de águas profundas em Camarões.

Nas ruas da região, onde o povo tem pedido democracia, essa opção pelos líderes que estão no poder por parte do antigo governo colonial da área tem provocado ataques a instalações francesas, apedrejamentos de cidadãos da França e advertências para que os franceses permaneçam no interior de suas casas ou deixem a África.

Durante décadas a França desempenhou um papel preponderante na criação e derrubada de governos e economias nesta parte do mundo. E, embora a percepção do poderio francês atualmente supere o poder concreto de Paris, a França ainda é um dos principais parceiros comerciais dos países da região.

Três bancos franceses respondiam em 2007 por quase 70% do setor bancário nos países africanos de idioma francês, segundo Philippe Hugon, um proeminente cientista político francês, e o próprio governo da França afirma que 60% da sua assistência externa vai para a África subsaariana.

Os manifestantes contrários ao governo acreditam que a França ainda dá as ordens, e embora as autoridades francesas neguem isso, as suas ações sugerem o contrário. No Gabão, onde a eleição do filho de um autocrata sepultou as esperanças de um fim do reinado de 40 anos da família Bongo, o homem de confiança de Sarkozy na África, Alain Joyandet, participou da cerimônia cheia de pompa para a posse de Ali Bongo, e disse aos jornalistas que "é preciso conceder tempo a Bongo".

Publicamente, a França afirmou que não preferia nenhum dos candidatos na eleição gabonense; mas nos bastidores, Robert Bourgi, um advogado de Paris com acesso documentado à comitiva de Sarkozy, apoiou abertamente a candidatura de Bongo, que é seu cliente. Sarkozy chegou até a conceder a Bourgi uma das mais altas condecorações da França: a Legião da Honra.

"Na África, oposição ao poder significa também oposição à França", explica Mamadou Diouf, diretor do Instituto de Estudos Africanos da Universidade Columbia. "Nós nos encontramos em meio a um paradoxo: a defensora dos direitos do ser humano pratica uma política totalmente contrária aos seus princípios", acusa Diouf, referindo-se às políticas da França na África.

Joyandet, o secretário de Estado para a Cooperação, discorda veementemente. "Isso não está correto. Nós não não apoiamos de forma alguma o poder existente a qualquer custo", diz ele. "Em todos os países nós estamos pedindo um retorno à democracia".

Joyandet cita a Costa do Marfim, onde a França tem feito pressões pela realização de eleições há muito adiadas. "A França apoia instituições, e não candidatos", diz ele. Joyandet insiste que a França "superou as práticas de uma outra era que não são mais utilizadas pelo governo francês".

Quando Sarkozy prometeu "um novo relacionamento" com a África três anos atrás, ele disse que esse relacionamento seria "igual e livre das cicatrizes do passado". O seu primeiro secretário da Cooperação, Jean-Marie Bockel, mais tarde reforçou essa mensagem, afirmando que desejava "assinar a sentença de morte" da velha relação entre a França e a África, que ele chamou de "ambígua" e "complacente".

Ali Bongo, filho de Omar Bongo, toma posse como presidente do Gabão

Mas Bockel logo deixou o cargo após ofender o pai de Bongo com declarações anticorrupção. O seu substituto, Joyandet, tem tido cuidado em moderar o seu tom ao falar dos autocratas africanos.

No mês passado, Mohamed Ould Abdel Aziz, o general que comandou um golpe na nação desértica da Mauritânia e consolidou o seu poder com uma eleição no último verão, foi cordialmente recebido em Paris e amplamente fotografado ao lado de um sorridente Sarkozy.

No Níger, o presidente Mamadou Tandja tem desrespeitado metodicamente as liberdades civis, encarcerado figuras da oposição e prolongado a sua permanência no poder além do seu mandato eleitoral. A sua fotografia ao lado de Sarkozy está no website do Ministério das Relações Exteriores da França, e um porta-voz do governo em Paris disse duas semanas atrás que "contatos de alto nível estavam sendo mantidos com a classe política do Níger", embora tivesse acrescentado, "especialmente com a oposição".

"A França foi muito mais prudente em relação a Tandja do que outras democracias", afirma Mohamed Bazoum, um líder oposicionista do Níger. "Eles tentaram dissuadi-lo, mas não com a firmeza necessária".

Até mesmo os líderes da junta militar da Guiné, que são párias internacionais desde o massacre de manifestantes desarmados em 28 de setembro, foram cordialmente recebidos em Paris menos de duas semanas antes dos assassinatos, em um momento em que as autoridades dos Estados Unidos evitavam fazer qualquer contato do gênero. Segundo a imprensa francesa, Patrick Balkany, um indivíduo próximo a Sarkozy, teria dito à época que "a candidatura de Moussa Dadis Camara não é nenhum problema", referindo-se ao líder da junta que atualmente é responsabilizado pela autorização dos assassinatos.

Em julho, Sarkozy recebeu cordialmente o presidente de Camarões, Paul Biya, que está no poder desde 1982 e que aboliu os limites para mandatos presidenciais no ano passado. Sarkozy elogiou o país de Biya como sendo "um polo de moderação".

Recentemente a Anistia Internacional denunciou os persistentes abusos dos direitos humanos por parte de autoridades de Camarões, incluindo tortura, execuções extrajudiciais, espancamentos e a prisão de oponentes políticos. Manifestantes camaroneses em Paris portavam faixas com os dizeres: "Biya, assassino. Sarkozy, cúmplice".

Joyandet afirmou: "Para nós, a relação com a África francófona é especialmente difícil".

"Quando fazemos muito, somos acusados de ser colonialistas", continuou ele. "E quando não fazemos o suficiente, ouvimos reclamações".

Autoridades francesas têm desencorajado o escrutínio intenso da corrupção praticada por líderes africanos, cujos frutos frequentemente vão parar em Paris. Uma campanha de uma organização francesa para expor e recuperar "os ganhos ilícitos" de três dos mais notórios líderes africanos – o já falecido Omar Bongo, do Gabão; Denis Sassou-Nguesso, da República do Congo; e Teodoro Obiang Nguema Mbasogo, da Guiné Equatorial – tem sido alvo de ataques por parte da procuradoria da República Francesa, sob a alegação de que o grupo não tem condições legais para processar ninguém, e que os fatos estão "mal definidos".

Na verdade, a organização, a Transparência Internacional, expôs detalhadamente o caráter extremamente luxuoso dos imóveis que esses líderes possuem em Paris. Na semana passada, um tribunal de apelações em Paris concordou com os procuradores.

"Os relatos sobre o luxo que cercou a visita de Biya a Paris chocaram enormemente o povo", diz Jean Faustin Kinyock, presidente da Liga Nacional de Direitos Humanos em Camarões, e os franceses foram vistos como cúmplices.

Analistas afirmam que esse sentimento é generalizado. "As pessoas não gostam da França porque a França não está ajudando os africanos a livrarem-se dos seus líderes", diz Achille Mbembe, cientista político e historiador da Universidade de Witwatersrand, na África do Sul. "E o processo democrático está bloqueado em praticamente todos os lugares".

Fonte: The New York Times
Tradução: UOL