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Ministro vê Estatuto da Igualdade Racial como ponto de partida

O Estatuto da Igualdade Racial não é uma lei para os negros, é uma lei para a sociedade brasileira. A declaração é do ministro da Igualdade Racial, Edson Santos, em audiência na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), para debater a proposta  do senador Paulo Paim (PT-RS), que cria o estatuto. A matéria retornou ao Senado após ter sido aprovada, com alterações, na Câmara dos Deputados, na forma de um texto substitutivo.

Santos afirmou defender com veemência a aprovação da norma, como forma de contribuir para a evolução do país rumo a uma democracia racial. Ele informou estar buscando mediar os entendimentos em relação ao conteúdo da proposta para que possa resultar em uma lei que una a sociedade em torno da promoção da igualdade nesse aspecto.

O ministro ponderou, contudo, não considerar a norma uma panacéia para a população negra, mas um ponto de partida para o país avançar no rumo da igualdade racial. Segundo observou, o estatuto oferece diretrizes para atuação do Estado na busca da igualdade racial em diversas áreas como saúde, educação, cultura, esporte, lazer, liberdade de consciência, crença, moradia adequada, direito das comunidades quilombolas, mercado de trabalho e acesso à justiça.

As afirmações segundo as quais a instituição de cotas para negros nas universidades geraria "racialização" foram questionadas pelo ministro, que disse ver um certo "terrorismo" nesse debate. Santos fez um apelo para que o tema seja encarado com a mínima emoção e que se leve em conta nessa discussão uma análise histórica do país e as perspectivas de desenvolvimento, em que se considere a situação da população mais pobre e se vislumbre políticas de distribuição de renda.

Edson Santos lastimou o fato de o país ainda ser escravocrata em muitas áreas e citou como exemplo do problema o trabalho doméstico, em que 95% são negros e apenas 27% têm a carteira assinada. Ele afirmou observar, contudo, um processo de amadurecimento da sociedade e do Estado no que se refere à presença do negro e a sua contribuição para a formação do país.

Determinativo

Frei Davi, representante da Educafro (rede de 200 prevestibulares para população de baixa renda), disse considerar que o texto atual do Estatuto é tímido, por ser apenas autorizativo, enquanto, em sua avaliação, deveria ser determinativo. O ideal, para ele, seria o Senado optar pela versão aprovada originalmente na Casa e não pelo substitutivo que saiu da Câmara dos Deputados, onde, segundo observou, os negros tiveram que ceder muito.

De qualquer forma, argumentou, é melhor aprovar o documento "possível" neste momento, mesmo que não perfeito, entendendo isso como primeira etapa do processo para mudar a situação dos negros no país.

Assim, em sua avaliação, o texto que poderá ser aprovado representará apenas um estímulo para que os negros acordem para a necessidade de mais mobilização e luta. Segundo informou, embora os negros representem 51% da população, os que militam pela causa são apenas 5%.

Inovações

No mesmo sentido, William Douglas, conselheiro da mantenedora Saecith, que é vinculada à Educafro, disse considerar que o texto atual do estatuto não é o ideal, mas um ponto de partida que não pode ser perdido. Em sua avaliação, a norma poderá ser melhorada no futuro, mas sua aprovação não pode ser adiada. Para ele, o texto traz algumas inovações no que se refere a temas como moradia, religião, políticas públicas, incentivos fiscais, estímulos para concessão ao negro de melhores condições sociais.

" Não mexer em nada é perpetuar a desigualdade. Os negros precisam do Estado para melhorar suas condições de vida, ressaltando que o racismo ainda existe de fato no país, embora seja cínico e dissimulado ao contrário do que ocorre nos Estados Unidos", disse.

Ele observou que, dos 14 milhões de analfabetos no Brasil, 9 milhões são negros, apenas 10% dos universitários e 13% dos executivos são negros.

Emocionado durante sua exposição, Douglas afirmou que essa situação torna necessária a concessão de um tratamento diferenciado por parte do Estado, sobretudo aos negros pobres. E os negros que não precisam de ajuda oficial, em seu entendimento, têm que ter a compreensão dessa realidade e apoiar o Estatuto.

Racismo 'camuflado'

Também o procurador José Augusto Werneck, do Rio de Janeiro, ressaltou que o racismo ainda é forte no país, embora muitas vezes seja camuflado, o que, para ele, é "ainda pior".
Desde a escravidão, como observou, o país vem convivendo com políticas de Estado para asfixiar as possibilidades de ascensão de pretos e pardos brasileiros e a própria cultura dos afro-brasileiros. Ele citou como exemplos de normas que retardaram a abolição da escravatura a primeira Lei da Terra, no Império, que reservou às elites o acesso à terra.

"Temos uma história profundamente desagradável para contar sobre a permanência dos estatutos escravistas e de seus reflexos sobre as condições de pretos e pardos na sociedade atual", comentou.

Werneck, que colaborou na formulação do texto da lei que fixou cotas para negros e pardos nas universidades estaduais fluminenses, defendeu a permanência dessa reserva por 25 anos, período de uma nova geração. Recentemente, a lei foi julgada constitucional pelo pleno do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.

Denise Costa e Gorette Brandão,
Da Agência Senado