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Secretário de juventude aposta na união entre educação e trabalho

O secretário Nacional de Juventude, Beto Cury concedeu entrevista para o Diário do Nordeste (CE), enquanto participava da 56ª reunião da Frente Nacional de Prefeitos, em Fortaleza. Ele foi convidado a falar sobre as políticas públicas de juventude e sobre os programas federais voltados para os jovens.

Para o secretário, o Estado brasileiro é detentor de uma dívida histórica com os jovens, reconhece o secretário nacional de Juventude. Para pagá-la, ele aposta em políticas como o ProJovem. Unir educação e trabalho é a sugestão de Beto Cury para tornar a escola mais atraente para os jovens.

Diário do Nordeste: Como o jovem pode construir uma vida digna sem acesso a emprego?
Beto Cury: Temos no Brasil, entre 15 e 29 anos, 50,2 milhões de brasileiros. Desses, 4,5 milhões estão desempregados, fora da escola e sem o Ensino Fundamental (EF) completo. Entre os graves problemas que afligem o jovem, dois se destacam como maiores de sua preocupação: acesso à escola e ao mercado de trabalho. Por isso que o Governo Federal tem feito uma ação combinada de políticas estruturantes, como a ampliação das Escolas Técnicas Federais (Ifets). O Governo Lula construirá, até o fim de 2010, 214 novos Ifets, o antigo Cefet. Em 100 anos de Cefet no Brasil, foram construídos 140. Essa é uma política estruturante combinada com uma política especial, o ProJovem Urbano, um programa direcionado a jovens de 18 a 29 anos que estão fora da escola e não têm EF. Em 18 meses, esse jovem tem elevação de escolaridade, aprende uma profissão, informática e recebe um auxílio financeiro de R$ 100, desde que frequente 75% (das aulas) ao mês. Ao final, ele sai com um diploma do EF e certificado de qualificação profissional. São ações no sentido de resgatar, ou começar a resgatar uma dívida histórica do estado brasileiro com os seus jovens. A juventude começa a deixar de ser olhada não apenas como uma fase de transição da adolescência para a vida adulta, mas como segmento social que requer políticas específicas. Evidentemente, isso é um processo que não é de curto prazo, até porque a dívida acumulada é muito alta. Qualquer indicador social que você pegar, se faz um recorte etário para juventude, vai perceber que os problemas são mais graves.

Diário do Nordeste: Como se construiu essa dívida?
BC: Muito em razão (da falta) desse olhar específico. Até muito recentemente no Brasil, tinha política para jovem até os 18 anos incompletos, em razão do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A partir dos 18 anos, do ponto de vista da política pública, o jovem entrava no grupos dos adultos, com direito, entre aspas, às políticas universais: educação, trabalho, saúde… Tem muita coisa para fazer ainda. Por exemplo, ao implementar o Programa de Desenvolvimento da Educação, um piso para professores e o Fundeb, você está diminuindo a possibilidade de evasão. Mas, você tem um contingente de milhões que já se evadiram, que foram excluídos da escola há muito tempo. Não tem como pensar qualquer projeto de democracia contemporânea no Brasil, se, ao mesmo tempo que você faz ações para evitar que a sangria continue, não tiver uma ação forte também para resgatar aqueles que já foram excluídos. Um jovem que sai da escola muito cedo e não tem nível de escolaridade, tem pouca oportunidade de inserção no mercado formal de trabalho. Ou ele vai para a informalidade ou para o crime. O que estamos procurando fazer é assegurar direitos que gerem oportunidades para os jovens. Dessa forma, acho que o Brasil pode pagar essa dívida mais rapidamente.

Diário do Nordeste: Há preocupação específica com as mulheres e os negros jovens?
BC: Nas condicionalidades do ProJovem, não tem recorte de renda, nem cota para mulheres nem para negros. Fizemos, em 2007, um relatório sobre o perfil dos jovens que participavam do programa: 72% são negros, 54% são mulheres, mais de 70% são solteiros, porém 52% já são pais de família. Então (o programa) combina a questão racial e o elemento que você pergunta das mulheres. Grande parcela delas já é mãe, muitas vezes com gravidez não planejada. A maior parte da pobreza tem cor: é negra. O jovem negro, a sua grande maioria, é pobre e de baixa escolaridade, tem pouca ou nenhuma experiência no mercado de trabalho. Tenho procurado trabalhar com a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres e a Secretaria Especial de Igualdade Racial no sentido de assegurar que mais mulheres e negros jovens tenham acesso a esses programas.

Diário do Nordeste: Como fazer a educação ser a mola-mestra de uma transformação social com um ensino público de qualidade duvidosa?
BC: Acho que esse é um grande desafio para o Brasil. Algumas coisas que estão acontecendo na educação contribuem para ir melhorando, mas eu acho que temos que rever alguns conceitos – e aí é uma opinião pessoal que vai para além de governo. Conceitos com relação ao processo pedagógico, ao ato de ensinar na escola. Valorizar professores, aumentar salários, dar qualificação profissional são componentes indispensáveis para uma educação de qualidade, mas acho que não os únicos. A revisão do conceito pedagógico também é fundamental. A escola tem que ser mais atrativa para o jovem. Se você pegar um jovem de 18, 19, 20, 22, 25 anos que não tem EF, ou que só tem EF e quer fazer o Ensino Médio, é essencial que você combine educação e trabalho, porque a perspectiva que esse jovem tem é diferente da de uma criança que está na idade de série regular. Esse jovem quer ter o diploma, mas a maioria deles quer também – ou às vezes só quer – ter o diploma para aumentar a sua possibilidade de empregabilidade. Essa combinação da educação e trabalho num currículo integrado, como a gente procura fazer no ProJovem, é uma experiência que deve ser deixada como legado para que os próximos governantes avaliem a hipótese de isso deixar de ser um programa específico para essa parcela da população e se transformar em política de Estado, em que o jovem tenha mais prazer de frequentar a escola, sabendo que aquilo vai lhe dar melhor oportunidade na vida.

Diário do Nordeste: O senhor citou que a escola deve ser mais atraente para o jovem…
BC: Muito mais.

Diário do Nordeste: Em alguns casos, o crime é mais atraente que a escola?
BC: É muito subjetivo fazer essa afirmação. Para o jovem nessa faixa etária, (que estuda) numa escola pouco atrativa e que sabe que ela não lhe conduzirá – ou que ele terá poucas oportunidades de que lhe conduza – para uma vida melhor, o crime pode parecer uma solução mais rápida ou mais ágil para ele poder comprar a roupa de marca, o tênis da moda, ser consumidor como em uma sociedade plenamente inclusiva deve ser. Infelizmente no Brasil, uma boa parcela da população tem esse direito tolhido e entre os jovens (isso) é muito gritante, eles se sentem com uma autoestima baixa. Às vezes, o crime pode ser uma solução que lhe possibilite uma entrada nesse mercado de consumidores que a sociedade, muitas vezes, nega.

Diário do Nordeste: Sessenta por cento dos presos têm entre 18 e 29 anos. Das mortes violentas no Brasil, 41% são de pessoas entre 15 e 29 anos. Faltam políticas para distanciar o jovem do crime?
BC: Esses 41% de mortes violentas não são somente homicídios; grande parte é acidente de trânsito. Uma característica: a maior parte de homicídio é com jovem negro; a maior parte de acidente de trânsito é com jovem branco. O que revela o perfil cruel da realidade social brasileira. Eu te falo que tem muita coisa para ser feita. Nesses quatro anos, avançamos consideravelmente. Nos países ibero-americanos, o Brasil virou referência na implementação da política pública de juventude. Por exemplo, ele foi o último país da América do Sul a implementar a política de juventude, mas é o único que tem um Conselho Nacional de Juventude. Avançamos muito, mas a dívida social é, de fato, muito grande. Eu falei de 4,5 milhões de jovens desempregados, fora da escola e sem o EF; estamos chegando, no penúltimo ano do governo Lula, a 500 mil jovens que estão participando do ProJovem. Podemos chegar no ano que vem a 800 mil jovens. Mas ainda terão 3 milhões e alguma coisa de jovens para serem incluídos. Por isso, a juventude precisa deixar de ser política de governo e se afirmar como política de Estado.

Diário do Nordeste: De que forma quebrar o ciclo: "o jovem não consegue emprego, porque não tem experiência" e vice-versa?
BC: Acho (uma boa alternativa) esse programa do Menor Aprendiz – são 800 mil jovens que estão começando como estagiários em empresas públicas e privadas. O resgate dessa dívida vai para além da responsabilidade de Estado, tem que ser uma tarefa da sociedade brasileira. O Governo Federal fazer parceria com empresas é fundamental para assegurar mais vagas para jovens, agora os empresários têm de ser parceiros também. O empresário tem que ter a consciência da responsabilidade social (dele) na construção de um Brasil melhor. Se a maior parte (dos jovens) estiver incluída, trabalhando, estudando, certamente vamos diminuir a violência, o gasto com segurança, isso é bom para todo mundo.

Diário do Nordeste: Qual a importância de grandes equipamentos para a juventude, a exemplo do Cuca, inaugurado em Fortaleza?
BC: O Cuca é fenomenal. É um espaço público dos melhores, senão o melhor com o perfil para a juventude brasileira. Porém, é um investimento oneroso. O Cuca tem um padrão de excelência tão alto que é difícil estabelecê-lo como referência para outras cidades e estados. É uma pena que a realidade social brasileira é muito grave, e o cobertor é curto, qualquer governo tem que estabelecer prioridades. É uma pena que não permita que tenhamos muito mais Cucas pelo Brasil.

Diário do Nordeste:  Como evitar que ele vire um elefante branco em alguns anos?
BC: Esse é um desafio. Um aspecto do ônus é a construção. Outro é a manutenção. Se abandonar, vai virar um grande elefante branco, é um risco que tem. Espero que o prefeito que suceder à atual prefeita não cometa esse descalabro de abandonar, porque é muito recurso público investido ali.

Quem é Beto Cury
"São gerações que lutam por perspectivas diferentes. A minha lutava, naquele momento, pela democracia e pela liberdade, era governo militar. A atual luta pela inclusão e pelos direitos". A lembrança de Beto Cury, 48, em relação à própria juventude deixa transparecer que a política faz parte da vida dele desde cedo. Aos 16 anos, foi militante secundarista de Divinópolis (MG), sua cidade natal. Também filou-se ao PCdoB, que ainda era considerado ilegal no Brasil. Começou a trabalhar como metalúrgico e, aos 20 anos, filiou-se ao PT. Foi presidente do Sindicato dos Metalúrgicos, vereador e candidato a prefeito em Divinópolis. Em 2003, foi secretário de Articulação Social do Governo Federal e, em 2005, tornou-se o primeiro secretário Nacional de Juventude, depois de coordenar um grupo de articulação para propor políticas para essa área.

Fonte: Diário do Nordeste (CE)