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As dez lições que a crise deixa para o Brasil

Que lições podemos tirar, decorrido o primeiro ano após o auge dos efeitos da quebra do Lehman Brothers, o que fez aflorar a maior crise do capitalismo mundial dos últimos setenta anos? Especialmente para o Brasil, a crise também serviu para testar a nossa capacidade de reação e quebrar paradigmas.

Por Antonio Corrêa de Lacerda, na Terra Magazine

A primeira lição é que a qualidade da inserção externa é determinante para a melhora dos indicadores de vulnerabilidade e de solvência externa. Somente países com baixo grau de exposição do seu balanço de pagamentos tiveram autonomia para redefinir suas políticas econômicas domésticas. Possuir um nível confortável de reservas, pelo menos equivalente ao total dos passivos externos de curto prazo, é um poderoso antídoto na crise. A despeito das críticas que destacavam o custo fiscal da acumulação de reservas cambiais elas foram e têm sido fundamentais para evitar maior volatilidade da economia

A segunda lição importante é que um mercado interno robusto faz diferença quando há um desaquecimento global. O mercado doméstico, que no caso brasileiro responde por 85% do valor agregado, representa um importante ativo. Todos os paises que possuem um mercado interno relevante e em expansão, como no caso dos paises em desenvolvimento, tiveram um amortecedor para o colapso do comercio internacional.

Terceira, é crucial possuir bancos públicos para agir contraciclicamente e oferecer credito e financiamento para a economia. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal, assim como bancos estaduais, representaram importantes fatores que representaram um contraponto à contração do mercado de crédito privado.

A quarta lição foi dada pelas empresas brasileiras que, vacinadas contra crises, não se deixaram levar pela precipitação. Ao mesmo tempo que promoveram ajustes de curto prazo, elas não perderam o foco estratégico de longo prazo. Isso fez com que mantivessem basicamente os seus planos de investimento, embora inevitavelmente tivessem que ajustar os desembolsos.

A quinta lição advém da questão tributária. Foi possível ampliar a demanda de bens duráveis com a redução da tributação por unidade. O que deveríamos levar mais em conta é a elasticidade da demanda em face de uma redução da tributação unitária. Isso vale não apenas para bens duráveis, mas para outros tipos de bens, cuja demanda poderia ser estimulada, inclusive com fator distributivo de renda, especialmente nos bens de salário (alimentos, bebidas, calçados, vestuário, etc..), sem que isso atrapalhe a arrecadação tributária, uma vez que o volume seria aumentado.

A sexta vem dos estímulos fiscais. É muito importante expandir o gasto fiscal, especialmente em investimentos e na área social, porque isso estimula a demanda, ao mesmo tempo que evita o agravamento da crise social e seus efeitos. O desafio continua sendo o da melhora da eficácia dos gastos públicos correntes e do aumento dos investimentos em infraestrutura econômica e social, porque eles são balizadores e multiplicadores dos investimentos privados.

A sétima lição vale para a política monetária. O BCB agiu no inicio da crise, de forma equivocada, na contramão do mundo, elevando os juros básicos, depois relutando em reduzi-los porque estava olhando o inimigo errado – uma hipotética pressão inflacionária de demanda. Aos olhos de hoje isso parece loucura, mas quem se der ao trabalho de ler as Atas das reuniões do Copom do final do ano passado vai se deparar com a questão. O cenário do ano que vem, com a forte retomada prevista vai nos dar uma nova oportunidade. Ou de repetir o erro, ou avançar e testar novos limites para o tal "juro de equilíbrio".

A oitava lição vem do câmbio. É um erro deixar a moeda apreciar-se, em meio a uma discussão etérea sobre as suas causas. Para além das causas, embora seja importante detectá-las é preciso agir logo para evitar os efeitos da desindustrialização. Daí a necessidade de rever a estrutura da regulação e da política cambial, que sempre foi concebida para a convivência com a escassez de divisas, e não com a sua abundância, como é o caso presente e futuro da economia brasileira.

A nona lição vem da importância da credibilidade e capacidade de comunicação do governo. Particularmente o papel do presidente Lula, destacando a importância de que as empresas mantivessem seus investimentos e o nível de emprego e aos consumidores que sustentassem a demanda, foi fundamental para a continuidade das atividades.

A décima e última, mas nem porisso menos importante lição, é o rompimento de paradigmas. O cenário internacional e doméstico exige o rever paradigmas que impõem pseudo-limites para a redução das taxas de juros reais, do PIB potencial e de muitos outros aspectos. Qualquer parâmetro de potencial de crescimento e de possíveis pressões de preços deve levar em conta as condições de saída de ociosidade da industria local, também que projetos de investimentos de aumento da capacidade permanecem em execução, que há em muitos casos excesso de oferta no mercado internacional.

Antonio Corrêa de Lacerda é professor-doutor do departamento de economia da PUC-SP e autor, entre outros livros, de "Globalização e Investimento Estrangeiro no Brasil" (Saraiva). Foi presidente do Cofecon e da SOBEET.