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Mantega: "Inflação não é problema superado, mas encaminhado"

Cauteloso com as palavras, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, sabe que, se deixar, corre o risco de ver as ideias que defende dentro do governo serem deturpadas pelo viés financista que domina o debate econômico no país.

- Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr

Foi assim poucos dias atrás, quando circulou a informação de que Mantega estaria despreocupado com a valorização do real em relação ao dólar. Subtexto implícito: os negócios cambiais seguiriam adiante, como desejam os investidores financeiros, sem cuidados maiores com os desdobramentos do dólar barato sobre o setor produtivo.

Na sala de seu gabinete em São Paulo, na sede regional da Caixa Econômica Federal, onde cedeu a entrevista a seguir, Mantega apresenta a sua versão. Diz que esse não é um problema superado, mas “encaminhado”, o que é bem diferente. E completa: “Se os empresários brasileiros forem corajosos e souberem aproveitar esse câmbio que não vai perdurar a vida toda, é um momento também de eles irem às compras de empresas no exterior”.

CartaCapital: Recentemente, circulou a notícia de que o senhor considera a questão da valorização do real um problema superado, após a criação do IOF de 2%. É verdade?
Guido Mantega: Não é um problema superado. O que eu quis dizer é que ele está encaminhado, estancamos a -valorização do real. Em setembro, o dólar estava a 1,90 real e aí começou a cair, cair… e prenunciava que cairia a até 1,55. Havia um forte fluxo de capital externo no País, certamente exagerado. Havia um apetite muito grande pelo Brasil. E isso é razoável, claro, o Brasil hoje tem solidez, rentabilidade e crescimento. É uma combinação difícil de encontrar no exterior, somos um dos poucos países com crescimento vigoroso. Não sou contra a entrada de capital estrangeiro, investimentos produtivos, IPOs. Sempre fui favorável ao mercado de capitais, pois ele significa um capital barato para os empresários que querem se expandir. Minha preocupação é com os excessos.

CartaCapital:  O capital de curto prazo foi o alvo do IOF de 2%, não?
GM: Sim, porque o capital paga 2% na entrada, então se ficar apenas um mês talvez não consiga ganhar mais que 2%, terá de ficar um ano, um ano e meio. O País não perde a atratividade, apenas tira a atratividade daqueles movimentos de curto prazo. Esse capital de curto prazo cria volatilidade, o que não é bom. Com essa medida, conseguimos reduzir a volatilidade. E, nesses dois meses, o real deixou de se apreciar.

CartaCapital: Mas ainda há volatilidade.
GM: Temos câmbio flutuante. Para o Brasil, foi o melhor regime cambial, o fixo não funciona, principalmente quando outros países têm câmbio flutuante. O que tenho dito no G-20 aos meus colegas ministros da Fazenda e presidentes de bancos centrais é que não podemos ter assimetrias de políticas entre os vários países. Não podemos ter os EUA deixando o câmbio se depreciar, acompanhados pela China e outros países asiáticos, o que causa desequilíbrios cambiais prejudiciais a todos. Não podemos manter essa situação. Falei que o Brasil adotou uma medida, mas o certo é que os países em conjunto fossem mais homogêneos na questão cambial. E houve apoio, por exemplo, do presidente do Banco da Inglaterra e do presidente do Banco Central Europeu.

CartaCapital: E como reagiram os representantes dos EUA e da China?
GM: A China não será demovida por nenhuma pressão, ela já foi feita. Nas reuniões no FMI, essa questão veio à tona várias vezes, todo mundo reclamando. E a China permaneceu impassível. Quando viu o dólar se depreciar, ela disse "vou junto" e acabou, não tem conversa. Mas acredito que os EUA não poderão permanecer por muito tempo com essa taxa de juros de 0,25%, mesmo porque não ajuda em nada a eles, só cria desequilíbrios. É como se o dólar não valesse nada. Em breve, os EUA deverão elevar o juro, mesmo que permaneça baixo para os padrões tradicionais. Se subir de 0,25% para 1%, causará uma valorização do dólar que será suficiente para reverter os mercados cambiais.

CartaCapital: A conjuntura não é preocupante para as exportações brasileiras?
GM: A queda das exportações foi proporcional à queda do comércio internacional, não houve uma substituição do Brasil pela China. Ao contrário, até mantivemos um patamar mais elevado de exportações por conta da China.

CartaCapital:  Isso no caso das commodities?
GM: Sim, mas podemos em determinado momento exportar um pouco mais de commodities, em outro mais manufaturados. Prefiro exportar mais manufaturados, mas também gosto de exportar mais commodities, principalmente quando o preço delas está elevado. O que me interessa é ganhar valor. Então, se neste momento conseguimos atenuar um problema de queda do comércio internacional, exportando mais commodities e produto primário, não vejo problema. A economia mundial ainda vai levar uns dois ou três anos para se recuperar. Neste ínterim, teremos de contar mais com o mercado interno. Tivemos perdas em relação à China? Talvez alguma perda pontual sim, mas de modo geral a China nos fez mais bem do que mal. Neste ano, aumentamos as exportações ao mercado chinês em 60%. E acho que essa combinação de fatores é passageira. E se os empresários brasileiros forem corajosos e souberem aproveitar este câmbio que não vai perdurar a vida toda, é um momento também de eles irem às compras de empresas no exterior. Com isso, poderão firmar posições em outros mercados. E alguns estão fazendo isso.

CartaCapital: A recente injeção de 80 bilhões de -reais no BNDES e a renovação das isenções fiscais são realmente necessárias?
GM: O investimento só se recuperou nos últimos meses. Como é normal, ele sofreu uma queda, já que, quando surge uma crise, a primeira coisa que se retrai é o investimento. O Brasil precisa de mais investimento em infraestrutura, em logística, energia, transporte, saneamento. Dar dinheiro ao BNDES significa dar dinheiro ao investimento. E temos de pensar no pós-crise. Outros países vão liderar o crescimento e é necessário atrair as empresas a se instalar no Brasil.

CartaCapital: Mas não é justamente aí que a volatilidade do câmbio atrapalha?
GM:
Mas hoje existe volatilidade com o euro, com o dólar, ainda estamos em um momento próximo à crise. Mas, se olharmos para o gráfico de volatilidade, estamos quase que em uma reta, tendendo um pouco para cima (para a desvalorização do real). A tendência é diminuir essa volatilidade, caminhando para uma desvalorização do real, essa é a minha percepção do que vai acontecer.

CartaCapital: Nesse mundo pós-crise a que o senhor se refere, a China surge como protagonista importante. O que podemos aprender com os chineses?
GM: A China é um grande protagonista, mas eu diria que não é só ela. Eu diria que a Índia e o Brasil também são. Hoje, sob certos aspectos, a economia brasileira é mais atraente do que a chinesa. A economia chinesa, para manter o ritmo de crescimento, teve de fazer um esforço fiscal muito maior do que nós fizemos. Ela injetou um volume brutal de crédito na economia, a ponto de ter provocado uma bolha na Bolsa de Xangai, e deteriorou as contas fiscais, que são piores do que as nossas. Claro que eles têm muitas reservas e tudo o mais… Mas temos um regime jurídico mais firme do que os chineses, as nossas regras em relação a capitais externos são muito mais transparentes e, digamos, muito mais liberais do que as de China e Índia, que têm várias restrições. Agora a China ainda está se transformando em uma economia industrial, então a taxa de crescimento dela é grande. Mas a própria China vai sofrer mudanças importantes, pois vai estimular o mercado interno e vai ter um saldo comercial menor. Outro exemplo é o mercado de capitais brasileiro, muito mais avançado do que o chinês.

CartaCapital: O senhor acha que os países desenvolvidos aprenderam a lição?
GM: Como a crise foi feia e poderia ter causado imensos estragos em todos os países, alguma lição foi aprendida. A principal é que o mercado não pode funcionar desregulamentado. O que acontece é que, em alguns países, o sistema financeiro é poderoso, avesso à regulamentação. Não o nosso, que é muito bem comportado. Aqui no Brasil, o sistema é sólido e às vezes até conservador em excesso, não cometeu os pecados que cometeram por lá. Poderá ter cometido outros pecados, como diria Mino Carta, mas esses não foram cometidos. Qual é o risco? O governo norte-americano entrou com um projeto de regulamentação e, no G-20, estamos estimulando a criação de uma nova instituição que trata de regulamentação dos mercados de derivativos, por exemplo.

CartaCapital: E essas propostas caminham?
GM: Estão caminhando, mas não posso garantir que serão levadas a bom termo. O governo Obama apresentou uma proposta ao Congresso e haveria avanço. Mas lá a resistência é maior porque Wall Street é poderosa e influencia muito, inclusive os congressistas. Por isso não sei se esse projeto vai avançar. Na Europa, sim, vai avançar porque os europeus são mais conservadores.

Fonte: Carta Capital