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Naomi Klein: Copenhague, a coragem de dizer não

No nono dia da conferência das Nações Unidas sobre a mudança climática, a África foi sacrificada. A posição do bloco negociador do G-77, que inclui os estado africanos, fora clara: um aumento de dois graus centígrados na temperatura global se traduz em uum aumento de três a 3,5 graus na África. 

Por Naomi Klein, para o The Nation, em 16 de dezembro de 2009

Isto significa, segundo a Aliança Panafricana pela Justiça Climática, que 55 milhões de pessoas a mais poderiam estar sob o risco de fome, e o stress hídrico poderia afetar entre 350 a 600 milhões de pessoas a mais. O arcebispo Desmond Tutu expressou o que está em risco da seguinte forma: "estamos frente à de um iminente desastre numa escala monstruosa… uma meta global de dois graus condenará a África à incineração e a nenhum desenvolvimento moderno".

Mas foi justamente isso o que o primeiro ministro da Etiópia, Meles Zenawi, propôs que se fizesse, ao passar por Paris rumo a Copenhague. Ao lado de Nicolás Sarkozy, ele assegurou que falava em nome de toda a África (encabeçava o grupo africano de negociações em torno do clima) e revelou um plano que inclui o temido aumento de dois graus e oferece aos países em desenvolvimento somente 10 bilhões de dólares anuais para ajudar a pagar aquilo que estiver relacionado com o clima, desde diques até tratamento contra a malária e a luta contra o desflorestamento.

É difícil acreditar ser aquele o mesmo homem que apenas três meses antes dizia: "Usaremos nossos dados para deslegitimar qualquer acordo que não seja consistente com nossa posição mínima… Se for necessário, estamos preparados para nos retirarmos de qualquer negociação que possa ameaçar com outra violação de nosso continente…Não estamos dispostos a viver com um aquecimento global maior do que o nível mínimo evitável". E também dizia: "Participaremos nas próximas negociações não como suplicantes rogando pelo nosso caso, mas como negociadores que defendem seus pontos de vista e interesses".

Entretanto, não sabemos o que levou Senawi a mudar tão radicalmente seu tom ou, como, exatamente pode-se passar de uma posição que clama pelo uso de 400 bilhões de dólares em financiamentos (a posição do grupo da África) para outra que aceita escassos 10 bilhões. Da mesma maneira, não sabemos o que ocorreu quando a secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, se reuniu com a presidenta filipina Glória Arroyo semanas antes da conferência de Conpenhague, e que levou aquele governo a retirar de sua delegação os mais duros negociadores filipinos. E o país, que antes reivindicava profundas reduções nas emissões de gases do efeito estufa no mundo rico, de repente se afastou daquelas posições.

Mas sabemos, após observar uma série destas contraditórisas e radicais mudanças de opinião, que as potências do G-8 estão dispostas a fazer qualquer coisa para chegar a um acordo em em Copenhague. Essa urgência não provém, é claro, de um ardente desejo de evitar uma mudança climática catastrófica, já que os negociadores sabem que as ridículas reduções das emissões que propõem são uma garantia de que as temperaturas se elevarão a dantescos 3,9 graus, como afirmou Bill McKibben.

Matthew Stilwell, do Instituto para a Governança e o Desenvolvimento Sustentável – um dos mais influentes assessores neste assunto – disse que as negociações na realidade não tratam de evitar a mudança climática mas são uma batalha campal sobre um recurso profundamente valioso – o "direito ao céu". Há uma quantidade limitada de carbono que pode ser emitida na atmosfera. Se os países ricos não conseguem reduzir drasticamente suas emissões, eles estarão devorando ativamente as partes já insuficientes disponíveis para o Sul. Ou seja, o que está em jogo é a importância de compartilhar o céu.

A Europa, disse, compreende cabalmente quanto dinheiro está em jogo no mercado de carbono pois já usa esse mecanismo há anos. Os países em desenvolvimento, por outro lado, nunca lidaram com restrições de carbono, e muitos governos nem se dão conta do que estão perdendo. Ao comparar o valor de mercado do carbono – 1,2 trilhões de dólares ao ano, segundo o destacado economista britânico Nicholas Stern – com a irrisória quantia de 10 bilhões de dólares postos sobre a mesa para os países em desenvolvimento, Stilwell diz que os países ricos tentam trocar "missangas e cobertores por Manhattan". E acrescenta: "Este é um momento colonial. Por isso se fez de tudo para que os chefes de Estado assinassem um acordo desse tipo… Logo não haverá volta atrás. Repartiram o último recurso que estava sem dono e o destinaram para os prósperos.

Durante meses, as ONG se somaram à mensagem de que a meta de Copenhague era selar o acordo. Por todos os lados por onde andávamos em Bella Center (perto do local onde ocorreu a conferência), os relógios faziam tic tic tic. Mas nenhum velho acordo seria considerado bom, sobretudo porque o único acordo sobre a mesa não resolveria a crise climática e poderia piorar as coisas: manter as atuais desigualdades entre o Norte e o Sul bloqueando-as indefinidamente. Augustine Njamnshi, da Aliança Panafricana pela Justiça Climática, se referiu em termos duros à proposta dos dois graus: “Não se pode dizer que se propõe uma ’solução’ à mudança climática se ela provocará a morte de milhões de africanos e se os pobres, e não os poluidores, continuarão pagando pela mudança climática”.

Stilwell diz que um acordo errôneo colocaria em um enforque errado todo o caminho até 2020, muito depois da data limite para o pico das emissões. Mas insiste em que não é muito tarde para evitar o cenário pior. Preferiria esperar seis meses ou um ano e fazer bem as coisas, porque a ciência avança, a vontade política cresce, a compreensão da sociedade civil e das comunidades afetadas cresce e estarão preparadas para assegurar que seus dirigentes se comprometam com o acordo correto.

No começo destas negociações, a simples idéia de um atraso era uma heresia ambiental. Mas agora muitos estão vendo que há um valor em reduzir a velocidade e fazer bem as coisas. Foi significativo que, ao descrever o que os dois graus implicariam para a àfrica, o arcebispo Tutu tenha dito que é "melhor não ter nenhum acordo do que um mau acordo". Isto poderia ser o melhor que se poderia esperar de Copenhague. É um desastre político para alguns chefes de Estado, mas poderia ser uma última oportunidade para evitar o verdadeiro desaste pára todos os demais.

 

Fonte: The Nation. Tradução: José Carlos Ruy