Zezinho do Araguaia em entrevista ao Jornal do Tocantins

Memórias da Guerrilha
Micheas Gomes de Almeida, ou Zezinho do Araguaia, como ficou conhecido, é um dos poucos sobreviventes de um dos mais tristes capítulos da história brasileira: a Guerrilha do Araguaia, ocorrida no Norte do País, na região da Bacia dos Rios Araguaia e Tocantins.

Zezinho do Araguaia ao Jornal do Tocantins - FOTO: Lia Mara

ENTREVISTA

“Durante 33 anos da minha vida vivi na clandestinidade”

Zezinho do araguaia militante na guerrilha do araguaia

Poliana Macedo
Palmas

De passagem por Palmas, Zezinho falou com exclusividade ao Jornal do Tocantins sobre a importância da guerrilha para a democracia e do Memorial do Araguaia, que ele espera ver inaugurado em março deste ano em Xambioá, centro do movimento camponês contra o regime político na década de 70.

Micheas Gomes de Almeida, mais conhecido como Zezinho do Araguaia é arquivo vivo da Guerrilha do Araguaia, que aconteceu na década de 70, na região da bacia dos rios Araguaia e Tocantins, em Xambioá. Com 37 anos de militância no Pc do B, Zezinho viu vários companheiros lutarem, morrerem ou simplesmente desaparecem em busca de um ideal, a democracia.

O militante é um dos poucos sobreviventes da guerrilha, o que ele justifica por viver na clanestinidade, depois de ter se refugiado na China devido perseguições militares. “Desde 1970 eles andavam no meu rastro, daí tive que usar mais de 80 nomes para apagar esse rastro.”

A memória de Zezinho é um dos poucos registros desta história, pensando em registrar eternamente esta importante batalha, que o ex-guerrilheiro luta hoje pela implantação do Memorial do Araguaia, que homenageará todos que sofreram com essa terrível página da história. “É um símbolo da luta travada pelos camponeses da região do Bico do Papagaio para construir um patrimônio histórico cultural e literário.”

Ele comemora 72 anos no próximo dia 30 e já recebeu um presente antecipado, com a notícia de que finalmente, depois de quase 10 anos de luta, o Memorial do Araguaia será implantado. Em entrevista ao Jornal do Tocantins, Zezinho do Araguaia conta um pouco de sua trajetória na guerrilha e após ela, além de adiantar a boa notícia, de que o Memorial tem previsão de conclusão da obra em março. Confira:

De onde o senhor veio?

Sou de Capanema, 60 km de Belém (PA). Fui criado em Belém e na Ilha do Marajó.

Hoje, o senhor trabalha ativamente em seminários e discussões acerca da anistia e direitos humanos. Como estão esses trabalhos?

Já realizamos seminários de direitos humanos latino-americanos no país. Ultimamente, fizemos uma parceria com o Arquivo Nacional para escrever a nossa história, pois a que conhecemos sempre foi contada pelos opressores e nunca pelos oprimidos. Então, durante o 3º Seminário Latino-americano de Anistia e Direitos Humanos, realizado em novembro de 2009, conseguimos escrever o primeiro capítulo dessa luta, onde levei 44 companheiros do Araguaia que sofreram todo tipo de agressão e humilhação que um ser humano pode sofrer para serem ouvidos nesse seminário.

E o Memorial?

O Memorial do Araguaia servirá como catalisador, na Bacia do Araguaia e Tocantins, para levar conhecimento e receber o conhecimento empírico da população. É um símbolo da luta travada pelos camponeses da região do Bico do Papagaio para construir um patrimônio histórico cultural e literário. De 2001 a 2003 esperamos pela aprovação do projeto por meio do Ministério da Cultura. Após aprovação recebemos a primeira parte do recurso para construção do local no dia 24 de agosto de 2009, sendo que esse valor só dá para construir 1/5 de todo o projeto, ou seja, o anfiteatro. Nossa expectativa é que a obra esteja pronta em março desse ano, para que possamos inaugurar e a população da região possa ter seu espaço de cultura e de história.

Como foi seu encontro com a Guerrilha do Araguaia?

Tenho 37 anos de militância no PCdoB, desses, por volta de 1966, passei um ano e meio na China, por causa das perseguições dos militares aqui no Brasil. Voltei para o país e fomos para as ruas protestar contra o regime. Quando não tivemos mais condições de ficar nas ruas protestando porque éramos presos ou mortos o grupo se dividiu, uma parte foi para luta armada na cidade e o grupo do qual fazia parte, pois não concordávamos com isso.
Em 1968, vim para o Tocantins, então região norte de Goiás e entrei na luta dos camponeses, na região do Araguaia. Viemos para o campo e lutamos por três anos seguidos, de 1972 a 1975, devido o ataque que sofremos em 72, o que desencadeou toda a Guerrilha.

Por que participar de uma Guerrilha. Qual o era ideal?

O ideal é esse de estar aqui conversando com você, e principalmente de ter liberdade de ir e vir, pois naquela época, se três pessoas estivessem conversando elas eram presas, torturadas e até mortas, porque “eles” acusavam de estarem conspirando contra o governo.

Como foi perder os amigos e companheiros de luta?

Ali estavam os melhores jovens brasileiros e as melhores cabeças pensantes daquela época, sem desmerecer aqueles professores que foram assassinados na cidade, aqueles cientistas que foram mortos. “Eles” queriam tornar o Brasil um país sem cultura e sem horizonte, onde a juventude não tivesse um ideal ou um norte.

Em toda essa luta, eu perdi mais de 500 amigos, éramos 68 jovens em 1972, e desses só sobraram 58, onde eu sou um sobrevivente e o único que combateu durante os três anos de Guerrilha. Retirei companheiros da luta no primeiro e segundo ano, e depois fiquei até o fim com os que restaram.

Após a Guerrilha do Araguaia, como ficou sua vida?

Durante 33 anos da minha vida vivi na clandestinidade. Até 1992, eu era procurado pela operação Condor. E desde 1970 eles andavam no meu rastro, daí tive que usar mais de 80 nomes para apagar esse rastro. Quando saí da batalha, levei alguns companheiros para São Paulo e lá comecei a trabalhar em alguns projetos, como educação de trânsito, despoluição dos rios Tietê e Pinheiros. Além de participar como penetra nas audiências da Câmara Municipal da cidade, durante a formulação do seu Plano Diretor. Era lá onde eu poderia dar minha opinião em algo.

O Governo Federal quer abrir os arquivos da época da Ditadura Militar, o que o senhor acha sobre isso?

Os arquivos somos nós que sofremos, aquilo ali, são apenas registros do trabalho dos opressores contra os oprimidos. Vamos abrir o quê? Temos que pegar o depoimento dos companheiros que ainda estão vivos e que passaram por tudo aquilo. Não sou contra nada, até acredito que tenha que ser aberto sim, mas eu tenho a obrigação e o dever de levar alternativas racionais a tudo. Vamos ouvir quem viveu e sofreu com tudo isso.

O que esse movimento influenciou na história do país?

Todas essas ações foram muito importantes para a história do país, pois elas que abriram caminho para o movimento de Diretas Já, ou seja, abriram caminho para a democracia que vimos atualmente. Hoje, ao ver a imprensa com jovens como você e como tantos outros, isso dignifica a luta que muitos viveram, lutaram, sofreram e morreram para buscar a paz, a união e a concórdia.

Você sabia?
Operação Condor

A Operação Condor foi uma aliança político-militar entre os vários regimes militares da América do Sul – Brasil, Argentina, Chile, Bolívia, Paraguai e Uruguai – criada com o objetivo de coordenar a repressão a opositores dessas ditaduras instalados nos seis países do Cone Sul.

Fonte: Jornal do Tocantins, edição de 24 de Janeiro de 2010