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Aldo Rebelo diz ter dúvidas sobre mudanças no Código Florestal

Relator na comissão especial da Câmara dos Deputados sobre o projeto do Código Florestal, o deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) diz que não abre mão do conceito de reserva legal, mas tem dúvidas sobre a forma de como fazer: propriedade, bioma ou Estado. Em meio a polêmica em torno do tema, o parlamentar afirma que é “um homem do campo” e viu a pobreza da agricultura, mas não se declara nem da bancada ambientalista e nem da agropecuária.

Ele vai tratar o tema no próximo dia 23 no Seminário “Código Florestal: Desenvolvimento e Defesa do Meio Ambiente”, promovido pela liderança do PCdoB na Câmara em parceria com a Fundação Maurício Grabois.

Aldo concedeu a seguinte entrevista sobre o assunto ao jornal Valor Econômico:

Valor: O senhor tem intimidade com questões ambientais?

Aldo Rebelo: Nunca me especializei no tema, mas sempre acompanhei este conflito. Sou um homem do campo, vi a devastação no interior de Alagoas, o desaparecimento de espécies no agreste, uma coisa lamentável. Muitas desapareceram pela atividade predatória do homem. Vi também o esforço de sobrevivência da agricultura, principalmente da pobre, com desinformação e ausência do Estado. Mas não integro a bancada ambientalista, nem a agropecuária.

Valor: O sr diz que reserva legal é conceito do qual não abre mão.

Aldo: É um conceito que aprovo. Vem de José Bonifácio, que preconizava a destinação de um sexto das propriedades rurais para a preservação das matas. Além da finalidade ecológica, havia a econômica: madeiras para os barcos de guerra da marinha portuguesa e barcos de transporte, construção civil, combustível para engenhos de açúcar.

Valor: E este conceito, agora?

Aldo: Agora precisa ver como fazer isso. Faz por propriedade ou não? A partir de qual módulo? Há quem defenda que a reserva legal tem a destinação de reproduzir uma cadeia biológica mais ou menos complexa. Para ter bichos, tem que ter água e ser de determinado tamanho. Talvez a reserva legal por propriedade pode ser algo que não diz nada.

Valor: Já tem este ponto claro?

Aldo: Não. Acho que uma matinha em qualquer lugar faz um bem danado, mas não pode ser o meu ponto de vista. Uma ideia é fazer a reserva legal por bioma e Estados, não por propriedade. A legislação nacional obriga que São Paulo, por exemplo, arranje 20% de reserva legal no bioma onde está situado. Não tem jeito de não ser por propriedade de alguma forma, porque bacias e microbacias estão ali dentro, mas o critério seria outro. Todo este debate é complexo e nos impõe duas exigências.

Valor: Quais são?

Aldo: A primeira é com a defesa do meio ambiente. Temos um compromisso civilizatório de ter uma sociedade ecologicamente equilibrada. Somos quem mais preservou. A Europa detém apenas 0,01% das florestas do planeta enquanto o Brasil, sozinho, dispõe de 29%. E a segunda é a do desenvolvimento, da elevação do padrão de vida do nosso povo. Precisamos da agricultura e da pecuária.

Valor: E as dificuldades?

Aldo: A negligência com relação ao ambiente não é uma ficção e explica, em parte, a radicalidade dos movimentos ambientais. Mas há no movimento ambientalista uma antiga corrente conservadora que nega aos seres humanos o direito ao desenvolvimento. Com o debate sobre aquecimento global e a disputa entre a agricultura dos países ricos e a dos pobres, ela surgiu na forma de organizações ambientalistas.

Valor: Como assim, pelas ONGs?

Aldo: Não são ONGs porque são financiadas com dinheiro público dos países ricos. Têm a visão de que é preciso encontrar reservas florestais importantes que já não existem na Europa e nos EUA, e se põem a serviço de uma guerra comercial, de uma agricultura frágil que não depende mais do mercado, mas de subsídios de governos. Eu me preocupo. Até o Al Gore disse que a luta em defesa do meio ambiente está para a atualidade como a luta contra o comunismo, que justificou todo tipo de atrocidades. A luta pelo ambiente também vai justificar aos ricos este grau de intervencionismo?

Valor: O sr. realmente acha isso?

Aldo: Sim, acho.

Valor: O que pensa da ideia de estadualização?

Aldo: A maioria das Prefeituras não têm nem secretarias de meio ambiente e em alguns Estados a estrutura é primária. Eu me inclino sempre pela centralização porque é a forma que se tem de equilibrar um país tão desigual. Mas vejo que a legislação ambiental não foi centralizada a partir dos interesses nacionais. O MMA sofreu um tipo de intervenção política na qual prevaleceram interesses externos e, contraditoriamente, os interesses nacionais vieram a se manifestar nos interesses dos Estados. É este conflito que preciso administrar.

Valor: E sobre a regionalização?

Aldo: De que forma? Pode regionalizar por biomas, bacias, microbacias, formar corredores de APP e de reserva legal. Há vantagens e desvantagens em todas propostas.

Valor: Quais diferenças o senhor observou entre os produtores?

Aldo: Vi mais inclinação das pessoas da Amazônia em aceitarem os 80% de reserva legal do que as pessoas de São Paulo com os 20%. Em São Paulo, existe uma agricultura consolidada, que já desmatou. Então a solução é confiscar terra produtiva? Ribeirão Preto tem agricultura intensiva em capital, tecnologia e concentração de renda. Em Assis, há pequenos proprietários, uma agricultura mais vulnerável à legislação ambiental. Paradoxalmente, a legislação é concentradora da propriedade da terra e inviabiliza pequenos e médios que não sabem nem o que é averbar. Ela expulsa o homem do campo.

Valor: E quanto aos grandes que desmataram e não querem repor?

Aldo: É por isso que foi criada a figura da compensação. Mas precisa ter cuidado porque pode se criar também um conflito. Uma agricultura forte em capital e em tecnologia querendo desantropizar paisagens de agricultura fraca. O sujeito que está ali com sua roça dentro do mato vira um estorvo.

Valor: Por que há assentados temorosos com as mudanças?

Aldo: Eles receberam incentivos para desmatar. O sujeito recebia uma gleba, ia no banco atrás de empréstimo, mas a garantia era a terra cultivada. Ele voltava com uma foice e fazia o serviço. Na Amazônia, quem não desmatasse não tinha o título do Incra. De repente, eles viraram proscritos e se exige que reflorestem. É assim que a legislação expulsa o homem do campo. Ele troca a pequena propriedade por uma Brasília usada e um barraco na periferia da cidade.

Valor: Mas é o Código Florestal que vai resolver estes impasses?

Aldo: Não, mas ele não pode acelerar o processo de desagregação.

Da Sucursal de Brasília com informações do Valor