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O "sucesso" das sanções dos países imperialistas

Em abril de 2008 um Tupolev iraniano, de fabricação russa, caiu nas imediações de Teerã, causando ferimentos graves em 42 pessoas. Meses antes, um avião iraniano destroçou-se nas montanhas da Armênia, matando seus 168 ocupantes. Os acidentes tiveram interferência direta dos Estados Unidos.

Por Humberto Alencar

Os americanos não derrubaram esses aviões com mísseis, balas ou instrumentos militares de caça e destruição, mas com o uso de sanções contra o governo iraniano. Sanções que entraram em vigor há 31 anos, após a revolução iraniana de fevereiro de 1979.

O Irã não pode adquirir peças sobressalentes para seus aviões, muito menos novas aeronaves de países ou fábricas que utilizem tecnologia aeronáutica americana, tornando sucateada a frota civil do país. Muitas aeronaves, como as de fabricação russa Tupolev ou ucraniana Antonov, utilizam motores e peças fabricadas nos Estados Unidos.

A aplicação de sanções multilaterais só podem ser realizadas pelas Nações Unidas, dentro de regulações do Direito Internacional. Formalmente, elas são utilizadas sob a alegação de mudar regimes, mas na realidade não interferem na política interna da maneira como as potências imperialistas fazem crer em suas mídias.

A espinha dorsal das sanções contra o Irã, é na realidade a manutenção da hegemonia científica e tecnologica no domínio da produção e desenvolvimento da energia nuclear. Para o imperialismo americano, mais valeria vender urânio ao Irã que permitir a independência do país persa na produção e enriquecimento do combustível nuclear.

Impacto sobre a população

O impacto de sanções é sentido pela população civil. As sanções aplicadas contra o Iraque de Saddam Hussein nos anos 1990, após a primeira guerra imperialista do Golfo, resultaram em meio milhão de crianças mortas. A ação começou com o bombardeio intencional de usinas de tratamento de água e esgoto iraquianas.

O Pentágono tinha pleno conhecimento que a destruição dessas unidades provocaria a disseminação de doenças infecciosas, já que as sanções em seguida aplicadas ao país trataram de proibir a aquisição de equipamento e peças necessárias para consertar as usinas.

A postura de Washington sobre o "sucesso" das sanções contra o Iraque foi verbalizada em uma entrevista da ex-embaixatriz americana na ONU, Madeleine Albright, ao programa televisivo da CBS News "60 minutos", quando afirmou que a morte de meio milhão de crianças iraquianas durante os anos de sanção tinha "valido a pena".

O linguista americano Noam Chomsky, em artigo sobre o uso de sanções, diz que "os impactos causavam tanta raiva no mundo muçulmano, e em outras partes, que em 1996 a Organização das Nações Unidas (ONU) instituiu o programa 'Petróleo por comida' (Oil-for-food) que permitiria ao país usar sua própria renda para salvar a população da destruição completa, embora sob restrições muito estritas impostas pelos EUA e Reino Unido".

As Nações Unidas indicaram como diretor do programa o diplomata Denis Halliday. Dois anos depois, ele renuncia em protesto, descrevendo o programa como 'genocídico'. Halliday foi substituído por um outro diplomata de vasta experiência, Hans von Sponeck.

Depois de vários anos de esforços fracassados para superar a barbárie da administração das sanções dos EUA-Reino Unido, ele também renunciou, revelando que as sanções violam a Convenção de Prevenção e Punição aos Crimes de Genocídios, da ONU.

Sponeck também acusou Washington de tê-lo impedido de apresentar evidências das conseqüências das brutais sanções ao Conselho de Segurança da ONU, que teve responsabilidade total pelas sanções. A posição oficial do Departamento de Estado foi: "este homem em Bagdá é pago para trabalhar, não para falar".

Evidentemente, os meios de comunicação dos EUA concordam. O livro de Sponeck, "Um outro tipo de guerra", que fornece amplos detalhes dos efeitos das sanções e o papel dos EUA-Reino Unido na tortura de povo iraquiano, é ignorado, desconhecido.

Um peso, duas medidas

Os Estados Unidos, ao defenderem a utilização de sanções contra países que ocupam militarmente outros países ou que desenvolvam tecnologia nuclear para uso militar, usam outra medida para seus aliados. Israel é o maior exemplo da hipocrisia americana.

É que Israel desempenha um papel importante no Oriente Médio, agindo como um país sub-imperialista na região e como uma cabeça-de-ponte militar para os Estados Unidos. Israel ocupa ilegalmente um território (Palestina) há quarenta anos e sabidamente é dono de tecnologia militar nuclear.

Além de Israel, Índia e Paquistão possuem programas militares de energia nuclear, muito mais avançados que o programa de energia nuclear do Irã e que contam também com o apoio tecnológico americano. Mas jamais se ouviu falar no Congresso dos Estados Unidos, na sua administração ou em suas forças armadas qualquer tipo de alusão a sancionar esses países por esses motivos. Na verdade, comercialmente os EUA ganham bastante dinheiro com esses programas.

As sanções americanas contra o Iraque produziram apenas e tão somente a morte. E, no lugar de promover a mudança de regime, serviram inclusive para reforçar ainda mais o apoio popular aos governos detestados pelo imperialismo.

De acordo com dados divulgados pela insuspeita agência Ecclesia, da Igreja Católica, "as sanções mataram mais de 1,5 milhões de iraquianos, a maior parte dos quais mulheres e crianças, por causa da falta de comida e medicamentos, da contaminação da água potável e da falência do sistema econômico”.

Muito antes da derradeira invasão, em março de 2003, o sistema de saúde do Iraque, antes exemplar em todo o mundo árabe, colapsou. Os hospitais não podiam tratar seus pacientes por constantes quedas de energia elétrica. Além disso, a comunidade médica e científica foi privada de obter bolsas de estudo no exterior, o que gerou isolamento intelectual considerável.

Durante a primeira agressão militar contra o Iraque, em 1991, foram lançadas 320 toneladas de urânio empobrecido no território iraquiano, dentro de munições usadas pela aviação e pela artilharia americana.

O uso indiscriminado de urânio empobrecido aumentou o nível de radiação das áreas afetadas a níveis jamais registrados, sendo apontado como responsável pelo aumento vertiginoso de doenças ligadas à exposição à radiação atômica.

EUA é que deveriam ser sancionados

Para a brasileira Socorro Gomes, presidente do Conselho Mundial da Paz, os Estados Unidos é que deveriam ter sofrido sanções das Nações Unidas, a partir do fim da Segunda Guerra Mundial.

"Os Estados Unidos foram os únicos que devastaram com bombas nucleares duas cidades, Hiroxima e Nagasaki, matando instantaneamente centenas de milhares de civis japoneses. Além disso, utilizaram armas químicas no Vietnã, como o Napalm, o que causou morte e sofrimento a milhões de pessoas", lembra.

Para Socorro, impor sanções ao Irã é manifestação de grande hipocrisia pela administração americana, já que o maior aliado americano, Israel, em sua agressão de janeiro de 2009 contra a população palestina da Faixa de Gaza, usou armas e munições com fósforo branco, prática proibida na Convenção de Genebra e que se configura em um crime de guerra, de acordo com a legislação internacional.

"Os Estados Unidos desejam, na realidade, ter o domínio completo do processo de pesquisa e fabricação das armas nucleares", aponta.

O Tratado de Não-Proliferação Nuclear, utilizado como argumento por Washington para pressionar o governo iraniano, tem como um dos princípios a desnuclearização das nações portadoras de armas atômicas, "o que jamais foi levado adiante, sendo preterido pela não-proliferação em detrimento da eliminação", argumenta Socorro.

Em lugar dele, o Conselho Mundial da Paz defende o Apelo de Estocolmo, um tratado assinado por 600 milhões de pessoas ao redor do planeta, que defende a eliminação das armas nucleares e considera criminoso de guerra o governo do primeiro país que vier a utilizar armas atômicas em um conflito.

"Continuamos defendendo a eliminação intransigente das armas atômicas, a começar pelas grandes potências. É evidente que somos contra a proliferação de armas nucleares e de destruição em massa", observa Socorro.