Nagib: o contador de histórias

Os dois primeiros lançamentos do escritor maranhense tiveram a bênção de Ariano Suassuna e Hermilo Borba Filho. Mas sua origem remonta ao convívio com contadores de histórias de trancoso, repentistas e cordelistas; daí a tendência ao regionalismo.

Em O presidente de esporas, “despercebido do público e da crítica”, mostra-se “dos mais importantes livros de contos dos últimos tempos”, no dizer do crítico Ivan Cavalcanti Proença. N’As três princesas perderam o encanto na boca da noite, o apego ao telúrico junta alegorias, tabus da virgindade e violências de latifúndios. Seu último livro, A literatura em Pernambuco, consolida-o no limbo da ficção ao mesmo tempo em que o deixa com mais compromissos com os leitores. Para Nagib Jorge Neto, a literatura tem função social. Abaixo, a entrevista que ele nos concedeu.

1 – Em que cidade do Maranhão você nasceu e quais as caractersticas culturais e políticas do lugar?

R – Sou natural de Olho D'água, então distrito de Pedreiras, cidade que nos anos 50 tinha cerca de 20 mil habitantes, um cinema, um clube social, uma livraria, dois serviços de alto-falantes, uma banca de revistas e uma figura que vendia história em quadrinhos no estilo erótico-pornô e fazia troca de gibis e revistas. No meu povoado, com pouco mais de 500 habitantes, no verão era comum a aparição de cantadores, repentistas, vendedores de livros infantis, teatro mambembe e raramente a exibição de um filme mudo, vindo de Pedreiras.

2 – O que mais o influenciou na sua formação literária, o local onde você nasceu, com suas gentes, ou algum autor em particular?

R – É bem amplo o universo. Primeiro, os contadores de histórias de trancoso, depois os repentistas, a vivência em Pedreiras e em seguida no Ginásio em São Luís onde comecei a fazer poltica estudantil, ler mais e começar a escrever em jornal. Na época foi marcante a convivência com poetas como Lago Burnett, Bandeira Tribuzzi, José Chagas, Nauro Machado e as leituras de clássicos como Aluisio Azevedo, Gonçalves Dias,Castro Alves, Catulo da Paixão Cearense, Josué Montelo, João Mohana, Jorge Amado, Machado de Assis e Graciliano Ramos.

3- O que o trouxe para Recife, o rio Capibaribe, que já foi rico de flora e fauna, a poesia de Manoel Bandeira, que já viu mulher tomando banho nua no rio, ou a mistica na Faculdade de Direito, por onde passaram nomes célebres da literatura?

R – Com o golpe de Estado de 64, quando fui preso e demitido de um cargo público, meu jornal fechado, restou a opção de vender terreno numa empresa de um amigo. Aí surgiu o inesperado: os militares avisaram que a empresa seria punida por minha causa, aliás uma bobagem porque em dois meses eu não consegui vender um só lote. A saída então era sair e tentar trabalho no Rio, apesar de estar com prisão preventiva decretada. No Rio não tinha vaga no Jornal do Brasil, onde trabalhavam alguns maranhenses, mas o poeta Lago Burnett conseguiu com a Condessa Pereira Carneiro, dona do jornal, uma forma de me encaixar na sucursal do Recife, com o nome de Jorge Neto. Aqui contei com a ajuda dos maranhenses Manoel Lopes, poeta, Joaquim Itapary Filho, jornalista ambos técnicos da Sudene, e com uma sobrinha de Dom José Delgado, arcebispo de São Luís, e fiz am izade com todos os seus familiares. Na época, Recife não era uma cidade estranha, pois conhecia desde Pedreiras o trabalho de Luís Gonzaga, Nelson Ferreira, Capiba e aqui conheci melhor o trabalho de Bandeira, Joaquim Cardozo, Ariano Suassuna, depois de Hermilo Borba Filho, que foram, assim como a cidade, sua história, marcantes no meu processo de criação.

4- Conviveu com algum autor famoso, local e bebeu na fonte do próprio?

R – Entrevistei Ariano duas vezes, Hermilo também, e dos contatos resultou uma convivência mais próxima com Hermilo, que leu vários textos meus e fez observações crticas sobre os contos do primeiro e do segundo livro. Ariano e Hermilo foram os padrinhos do meu primeiro lançamento, O Presidente de Esporas, em 1972.

5- Qual o autor mais importante da literatura de Pernambuco, hoje, usando o critério da estética e o do resgate da cultura e tradições da região na obra literária?

R – Tanto Ariano quanto Hermilo e Osman Lins – que se destaca como inovador – permanecem, cada um no seu universo, como autores que atendem as questões de estética e resgate das tradições.Os mais novos, da geração 65, na verdade seguem tais caminhos e creio que só o tempo vai definir, na área da prosa, a dimensão de Aguinaldo Silva, Luzilá Ferreira, Fernando Monteiro, Gilvan Lemos, Raimundo Carrero, Marcelino Freire e outros que enriquecem o fazer literário no Estado.

6- Na literatura nacional, algum autor o impressiona?

R – Olha, isso depende muito do universo da criação. Por exemplo: quem é mais criativo, complexo, regional ou universal? Guimares Rosa, Clarice Lispector, Jorge Amado ou Graciliano Ramos? Essa é uma questão que vai ter respostas das novas gerações de leitores, menos de críticos e intelectuais, geralmente influenciados por tendências, teorias, nem sempre condizentes com reflexões sobre a realidade.

7- Há quem diga que, fora dos clássicos, não há alternativa para a formação do escritor, mesmo em prejuízo do escritor brasileiro. Concorda?

R – Ler os clássicos não pode e nem deve ser um método para formar escritor. Nada de ah!, este é o caminho, mas uma vereda, um atalho, para fazer um corte e ter uma forma própria de criar uma história e um ritmo narrativo.

8- Seu livro A literatura em Pernambuco, por certo teve um parto difícil… Ou foi fruto de muitos anos de familiaridade com o assunto?

R – Sempre gostei de ler e entendo que meu avanço na escrita, como jornalista, tem muito a ver com as leituras de poetas, contistas, romancistas, ensaístas, e as cartas de amigos e amigas que recebia e respondia (agora sob a forma de e-mail -msg, bilhete) . É uma forma de comunicacão que persiste, seja no texto jornalístico, seja em poesia ou prosa, pois as mal traçadas linhas querem dar notícias e saber também, isto é,, ter respostas. Mas foi difícil, sim, pois entre tantos autores, obras, houve a preocupação de checar datas, equívocos de algumas fontes, mas ainda assim escaparam alguns erros de revisão e dois de citação, um de autor, outro de obra.

9 – Qual o período mais profícuo da literatura no estado? Cite alguns autores e suas obras…

R – Nos anos 40, sem dúvida, depois na década de 60 e por último a safra que começou no final do século passado e segue agora apesar das dificuldades de edição e divulgação do produto cultural. Quanto a nomes e obras observo que tem muita gente escrevendo, entre novos e velhos, e surpreende o avanço da escrita no estado, com renovação temática, de narrativa e conteúdo.

10 – Em As três princesas perderam o encanto na boca da noite, o título se deve à escolha do conto cordel como o destaque do livro, ou por ser o mais alegórico?

R – Ao que lembro tem mais a ver com o alegórico. Na época, anos 70, o movimento feminista ironizava a questão da virgindade. Então pensei em fazer uma história sobre um homem que buscava desesperadamente uma virgem. O texto começou no formato tradicional de conto, mas não tinha graça, apelo. A saída seria, pois, o ritmo do cordel, um príncipe buscando uma princesa, com toda aquela aura de donzela, e o relato começando no encanto da noite, daí o título.

11- Se alguém disser que o conto O Erro de Deus e as Pragas do Diabo é o ponto mais alto do livro, o que você diz?

R – Olha, Marco, direi que é uma escolha feliz, pois aborda um tema atual – a questão agrária, a grilagem de terras -, e seguramente jamais vai perder a força, porque será sempre denúncia de um quadro injusto e cruel. Que não devia existir.

12- No livro você esboça a tendência ao regionalismo. Você é um autor verstáil, que transita com habilidade em qualquer cenário ou assunto? Ou algum tema em particular o atrai, deixa-o à vontade para escrever?

R – É aquela velha história: pinta tua aldeia e pintará s o mundo. Quando abordo um tema o que vale é a busca de um relato que possa, a um só tempo, ser claro, envolvente, com junção de forma e conteúdo. Pouco importa que seja visto como urbano, rural, político, existencial, linear ou não linear. Mas a rigor gosto mais de narrativas simples, com denúncia, reflexão e também um pouco de humor.

13- Há narrativas em que o recurso a aliterações e metáforas são abusivos, ainda que não empobreça o conteúdo nem crie uma estética à toa. Por que o recurso? Também serviu para ludibriar a censura e tornar-se ameno a editores?

R – As aliterações, metáforas, podem ser recursos para driblar a censura do Estado, das editoras e dos próprios autores que por vezes usam para fazer confissões, revelar segredos ou evitar complicações.. Em qualquer dos casos pode tornar o texto mais rico, solto ou irônico. Nos anos 70, co m personagens aparentemente ficcionais, comentei atos e fatos do regime, mas a censura terminou achando que a brincadeira não tinha graça.

14- Como foi seu acesso a editores? Ainda hoje você é um autor que procura com dificuldades os editores? O que diz do mercado editorial?

R – Na década de 70, com a explosão do conto, não foi difícil editar As Três Princesas, e o Cordeiro Zomba do Lobo, um pela José Olmpio, outro pela Ática. Nos anos 80, após a Nova República, as editoras buscaram mais editar os autores do Rio e São Paulo, situação que se agravou com as dificuldades da José Olímpio e os problemas da Ática na área do livro paradidático. Na fase atual, muitos autores do Rio e São Paulo também enfrentam dificuldades de edição e distribuição, porque as grandes livrarias cobram taxas exorbitantes para expor os produtos que não sejam de venda ga rantida.

15- Sentiu-se constrangido com alguma pergunta? Há alguma que você gostaria que fosse feita?

R – Não, nada disso. Quem escreve, lança um livro, é pra receber elogios ou críticas de quem lê, seja jornalista, crítico ou leitor. É uma lástima que alguns autores, editores, fiquem chateados, irritados com opiniões desfavoráveis e prefiram as resenhas baseadas no que mandam para jornais e revistas, influenciando a visão do leitor e comprometendo a reflexão sobre a obra.

Por Marco Albertim