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Livro discute jornada de trabalho e produtividade no capitalismo

“O livro Tempos de Trabalho, Tempos de Não-Trabalho é uma bela contribuição à luta da classe trabalhadora pela regulamentação e redução da jornada de trabalho e, neste momento, devia ser considerado leitura obrigatória pelos sindicalistas e por todos os que se indignam e lutam contra o atual sistema de exploração e opressão do ser humano, que pouco ou nada deve ao odioso regime escravocrata.”

Por Umberto Martins

Tempos de Trabalho

No momento em que as centrais sindicais intensificam a campanha nacional pela redução do tempo de trabalho e os porta-vozes do capital erguem trincheiras contra, o livro Tempos de Trabalho, Tempos de Não-Trabalho – Disputas em Torno da Jornada do Trabalhador (Annablume, 2008, 334 páginas, R$ 47), da socióloga e técnica do Dieese Ana Claudia Moreira Cardoso, é uma leitura oportuna para entender os debates apaixonados e os conflitos de interesses que esta bandeira história do sindicalismo desperta nas classes sociais.

Um dos efeitos que costumam acompanhar a redução da jornada de trabalho no capitalismo, favorecendo o desenvolvimento ulterior da economia, é o avanço da produtividade. Jornadas menores tendem a tornar o trabalhador mais produtivo, conforme notou o empresário Sérgio Marques, em recente entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo (4-4-2010).

“Ganhamos o dobro”

“Há pouco mais de um mês”, relatou o diário, “o Laboratório Buenos Ayres, farmácia de manipulação de medicamentos com cerca de 500 funcionários, resolveu fazer um teste, e reduziu a jornada de 44 para 40 horas semanais. O presidente da empresa, Sérgio Marques, se comprometeu em manter a jornada reduzida desde que houvesse ganhos de produtividade.” Os trabalhadores retribuíram em dobro, conforme constatou. “Reduzimos quatro horas na semana e ganhamos o dobro em produtividade”, observou Marques, cuja opinião não encontra respaldo no pensamento dominante no meio empresarial acerca do tema.

A produtividade é impulsionada pela própria reação dos capitalistas à diminuição do tempo em que podem ocupar a força de trabalho nas empresas.

Desde o século 19, quando a luta da classe operária pela regulação e redução da jornada tomou corpo, os patrões reagem com investimentos em novas tecnologias que economizam mão-de-obra. Além disto, costumam intensificar, até a exaustão, o ritmo de trabalho, eliminando os espaços de ociosidade ou tempo livre durante a produção, que seus ideólogos convenientemente interpretam como um “tempo morto”, improdutivo. Por esses meios, eles geralmente logram aumentar tanto o volume quanto o valor da produção, prescindindo muitas vezes inclusive de realizar novas contratações.

Mais-valia relativa

A redução da jornada impõe uma restrição à obtenção do que Marx classificou de mais-valia absoluta, que resulta do alongamento da jornada, recurso muito utilizado na época da primeira revolução industrial. A redução da jornada provoca de imediato uma redução da taxa de mais-valia absoluta. Mantendo-se a mesma produtividade e intensidade do trabalho, isto resulta na diminuição dos lucros.

Para contornar a queda e, mais que isto, ampliar a taxa de mais-valia, o capitalista apela para a obtenção da mais-valia relativa. Esta já não depende da extensão da jornada e, até pelo contrário, é favorecida pela redução desta. Decorre do avanço da produtividade, que se obtém com o aumento da quantidade de mercadorias que o trabalhador normalmente produz durante determinado tempo de trabalho.

“Quando a rebeldia crescente da classe trabalhadora forçou o Estado a diminuir coercitivamente o tempo de trabalho, começando por impor às fábricas propriamente ditas um dia normal de trabalho, quando, portanto, se tornou impossível aumentar a produção da mais-valia prolongando o dia de trabalho, lançou-se o capital, com plena consciência e com todas as suas forças, à produção da mais-valia relativa, acelerando o desenvolvimento do sistema de máquinas”, observou Karl Marx (O Capital, livro 1, capítulo 8).

Ritmo de trabalho

Mas o capitalista não se limita a acelerar “o sistema de máquinas”. Introduz, ao mesmo tempo, novos métodos de organização e gestão de suas empresas e procura intensificar por diferentes meios o ritmo de trabalho. Exemplos notórios disto são o taylorismo, o fordismo e o toyotismo, que traduzem o impulso capitalista à supressão do tempo morto no processo de trabalho e produção.

Marx assinala uma significativa diferença entre o aumento da produtividade do trabalho provocada pela introdução de novas tecnologias e pela intensificação do ritmo de produção. No primeiro caso, na medida em que a o maquinário mais moderno deixa de ser monopólio de uma ou outra empresa e se generaliza na economia, o volume de produção por hora de trabalho cresce, mas o valor produzido, determinado pelo tempo de trabalho, permanece o mesmo, ocorrendo então uma redução nos preços das mercadorias.

Volume e valor da produção

Quando o aumento do volume de produção por hora trabalhada, ou seja, a produtividade, cresce em consequência da intensificação do ritmo de trabalho, volume e valor da produção variam na mesma direção, ou seja, há um aumento do volume e do valor produzido a cada hora trabalhada e não uma redução dos preços.

Esta relação fica muito clara quando a forma de pagamento utilizada pelo capitalista é a do salário por peça. O crescimento do volume de produção por hora trabalhada (produtividade) não depende da automação neste caso, mas da intensificação do esforço despendido pelo trabalhador durante a jornada, o que inclui a eliminação dos espaços de ociosidade, de forma que cada hora trabalhadora contém mais dispêndio de energia produtiva e, portanto, também agrega mais valor no processo de produção. Naturalmente, o tempo de trabalho, neste caso, embora reduzido, tende a ser muito mais opressivo para o trabalhador.

Volkswagem

O livro de Ana mostra como este processo de intensificação do ritmo de trabalho se deu no interior da Volkswagem, acompanhando a história da empresa no país e a progressiva redução da jornada de trabalho que resultou da luta dos operários. “O primeiro momento da Volkswagem no Brasil iniciou-se em 1953, com sua instalação no país, e se estendeu até o final dos anos 1970, caracterizado pela expansão da empresa, que por sua vez, representava o próprio crescimento do setor automobilístico no Brasil. Um momento de expansão da produção, do emprego e do tempo de trabalho”, observa.

Foi um período de poucas novidades em termos de automação e novos métodos de trabalho. No pico da produção, verificado no início dos anos 1980, a empresa chegou a empregar 38 mil operários na fábrica do ABC e 45 mil em todo o país. “No período compreendido entre os anos 1950 ao final dos 1970, as empresas automobilísticas tinham suas estratégias marcadas pela redução dos custos de trabalho, alta rotatividade e intensificação e extensão da jornada de trabalho”.

Inovações tecnológicas

As coisas mudam e a partir dos anos 1980, com a campanha pela redemocratização do país, o renascimento do movimento sindical e a luta pela redução da jornada de trabalho. A empresa acompanha os novos tempos, alterando sua tática também em virtude da recessão vivida pela indústria em 1982-83. Tem início, então, o processo que ficou conhecido como reestruturação produtiva.

“Em relação às inovações tecnológicas, houve, nesse período, a introdução dos equipamentos de comando numérico computadorizado na ferramentaria e manufatura e a instalação da primeira estação de solda automática. Já no que toca à mudança organizacional, é implementada a campanha ‘Juntos para o Futuro’, um programa de Círculos de Controle de Qualidade (CCQ), com o objetivo de envolver os trabalhadores na melhoria da qualidade do produto e do processo produtivo”, narra.

Redução da jornada

Os trabalhadores, liderados pelo sindicato, reagiram intensificando a luta pela redução da jornada e entre 1985 e 1986 a jornada foi reduzida para 44 horas semanais. “Mas, se por um lado, os trabalhadores conquistaram a redução da jornada de trabalho, por outro, a Volkswagem iniciou forte pressão para reduzir as pausas e expulsar do tempo de trabalho aqueles tempos nos quais os trabalhadores não estivessem produzindo diretamente”, salienta a socióloga.

A multinacional suprimiu inclusive o tempo para café, conforme conta um operário entrevistado por Ana. “Não ia ter mais as paradas de café, mas as pessoas podiam fazer o café individualmente. Então, se eu adiantasse a minha produção, se tivesse alguém para segurar ou tivesse uma parada de linha eu sairia e teria o café à disposição. Mas em algumas áreas deu 6 horas da manhã, a chefia ia lá e catava as garrafas de café, jogava tudo fora para não deixar café na área. Então, tudo isso foi cortado: esse negócio de cinco minutos para se higienizar, parada de café cortada, basicamente tudo”.

Economia sórdida

Isto faz lembrar a seguinte citação feita por Marx no capítulo já citado de O Capital: “Quando o trabalhador livre repousa um instante” (ou vai ao banheiro satisfazer uma necessidade fisiológica, como é o caso), “a economia sórdida que o segue com seus olhos inquietos, afirma que ele a está roubando”, N. Linguet, Théorie dês Loix Civilis.

Mais tarde, durante os anos 1990, graças à luta dos operários, a jornada foi novamente reduzida, progressivamente, de 44 para 40 horas semanais. A empresa tomou outras iniciativas visando intensificar o ritmo de trabalho e ampliar o grau de automação da produção. Implantou o chamado “just in time” (no tempo certo), com o objetivo de reduzir os estoques, a flexibilização do tempo de trabalho, o banco de horas, a jornada Volks e a multitarefa (pela qual a força de trabalho é alocada para diferentes funções, de acordo com as necessidades da produção).

Na linha de produção até mesmo o tempo para uma ida ao banheiro foi severamente restringido, como fica claro no depoimento de um outro trabalhador. “Você tem que ficar segurando ou então a gente, que tem mais um pouco de consciência, abandona a linha lá, né, abandona o setor e vai ao banheiro e aí passam cinco, sete, oito carros sem fazer. Porque o certo é que tivesse trabalhador disponível pra qualquer trabalhador que fosse no banheiro, ir no médico, alguma doença, ele sair de imediato, não pode ficar esperando”.

Nível de emprego

Evidentemente, a Volks não foi a única a seguir este caminho. Apesar da redução da jornada de trabalho, o formidável avanço da produtividade decorrente das inovações tecnológicas e da intensificação do ritmo de trabalho resultou numa forte redução do efetivo de trabalhadores nas empresas. “No que se refere ao emprego, apesar da Volkswagem ter recuperado a produção a partir de 1992, o número de trabalhadores em montadoras teve uma queda de 138 mil, em 1990, para 94 mil, em 2001”, nota a autora, com base em informações do Dieese.

A multinacional alemã, que chegou a contratar 45 mil operários no início dos anos 1980, em 2008 empregava apenas 22 mil trabalhadores no país, cerca de 12 mil em São Bernardo do Campo.

Outro mecanismo utilizado para contornar ou anular os efeitos benéficos da redução da jornada foi a ampliação das horas extras. Depois de 1988, quando a redução da jornada para 44 horas passou a vigorar, o número de horas suplementares realizadas nas empresas dobrou no Brasil.

Trabalho alienado

A intensificação do ritmo de produção também acentua o que Marx chamou de alienação do trabalho e naturalmente desperta revolta entre os trabalhadores, que lutam contra a flexibilização da jornada, o banco de horas, a multitarefa e outros expedientes opressivos introduzidos pelos capitalistas com o objetivo de elevar a produtividade e, com ela, a taxa de mais valia relativa e de lucro extraída do trabalho operário.

As novas tecnologias de comunicação contribuíram também para que o tempo de trabalho invadisse o tempo de não trabalho, reduzindo ainda mais o tempo livre que o trabalhador tem disponível para fluir a vida a seu bel prazer, pois mesmo fora da empresa o funcionário (ou funcionária, que geralmente padece as dores da dupla jornada) é muitas vezes ocupado com problemas relacionados à produção, que deviam ser abandonados na porta da empresa.

O tempo humano é, antes de tudo, uma construção social, conforme Ana Claudia Moreira. No capitalismo, é definido pela luta de classes e o principal objeto desta é precisamente a apropriação do tempo, que o cidadão despojado de meios de produção é constrangido a vender ou alugar, o que ocorre em detrimento da Liberdade humana.

Tempos de Trabalho, Tempos de Não-Trabalho
é uma bela contribuição à luta da classe trabalhadora pela regulamentação e redução da jornada de trabalho e, neste momento, devia ser considerado leitura obrigatória pelos sindicalistas e por todos os que se indignam e lutam contra o atual sistema de exploração e opressão do ser humano, que pouco ou nada deve ao odioso regime escravocrata.