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A política do trabalho decente, contra o trabalho escravo na BA

Entende-se por trabalho escravo, segundo definição da Organização Internacional do Trabalho – OIT, a privação de liberdade através da servidão por dívida, retenção de documentos, isolamento geográfico e presença de guardas armados. A isso, normalmente somam-se condições subumanas de vida, de trabalho e de absoluto desrespeito à dignidade humana. E, apesar da Lei Áurea, decretando o fim da escravidão, datar de 1888, a prática resiste ao tempo, afronta a fiscalização e envergonha o país.

Desde 2007, o Governo do Estado formulou a Agenda Bahia do Trabalho Decente, sob a coordenação da Secretaria do Trabalho, Emprego, Renda e Esporte, em convênio de cooperação técnica com a OIT. Trata-se do primeiro programa de trabalho decente de nível estadual criado no mundo, com representações de trabalhadores, empregadores, governo federal e estadual, e instituições não-governamentais num pacto geral por melhores condições de trabalho e ampliação dos investimentos em qualificação profissional. Um dos eixos centrais é, justamente, o combate e a erradicação do trabalho escravo

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As ações incluem curso de formação para gestores públicos e um trabalho preventivo com a realização de seminários, sobretudo no Oeste do estado – região com maior incidência de escravidão -, com caráter informativo acerca do que é o trabalho escravo, em quais circunstâncias acontece, o que determina a Legislação, entre outras questões correlatas ao tema. “Essas ações de esclarecimento são muito importantes, mas não eliminam as ações de fiscalização direta, que passa não só pelo contrato trabalhista adequado, como também as condições de alojamento, de trabalho no campo, de alimentação, água potável, o acesso a transporte para saída da região onde atua”, destaca o secretário do Trabalho, Nilton Vasconcelos.

Ministério Público do Trabalho

Na linha de frente da fiscalização, combate e repressão à prática, está o Ministério Público do Trabalho da Bahia – MPT/BA, que atua em parceria com o Ministério do Trabalho e Emprego – MTE, através dos Grupos Móveis de Combate ao Trabalho Escravo, e a Polícia Federal. O resgate do trabalhador escravizado é atribuição do Auditor Fiscal do Trabalho do MTE, enquanto que, ao Ministério Público, cabe a aplicação do Termo de Ajustamento de Conduta para quitar com as irregularidades financeiras – incluindo multas e o Seguro Desemprego – ou o pedido de ação civil pública por dano moral coletivo à sociedade, e dano individual homogêneo (referente ao aos trabalhadores prejudicados).

Em 2009, o MPT/BA inspecionou 40 estabelecimentos, assinou 23 Termos de Ajustes de Condutas e impetrou 22 ações ajuizadas. As duas penalidades implicaram no pagamento em torno de R$ 52 mil em indenizações aos mais de 280 trabalhadores resgatados ao longo do ano. “O que se verificou é que é preciso mais do que isso; porque, se você não cria formas de o trabalhador ter outros meios de subsistência, ele retorna ao trabalho escravo”, lamenta o Procurador do Ministério Público do Trabalho da Bahia, Dr. Alberto Balazeiro.

Para o Procurador, o primeiro pólo de combate ao trabalho escravo é o combate ao trabalho infantil por meio da educação. “O trabalho infantil gera uma baixa qualificação, que tem uma relação íntima com trabalhos braçais sujeitos à escravidão”, explica. Outro pólo de combate é identificar as cidades de origem do trabalhador que se submete à condição de escravo e investir no desenvolvimento econômico e na geração de emprego para fixá-lo em sua cidade origem.

Radiografia da escravidão no estado

Coordenador da Procuradoria Municipal do Trabalho de Barreiras durante 1 ano e 2 meses, Balazeiro conta que a cidade, por ser muito extensa e abrigar o maior pólo agrícola da Bahia, está entre as maiores incidências de trabalho escravo no estado; inclusive, era recordista de resgate de trabalhadores até 2004 e 2005. “O mais absurdo é que a incidência do trabalho escravo é no agronegócio; e não é na cultura mais rudimentar, como comumente se pensa. Enquanto a parte mais avançada é toda mecanizada, o trabalho braçal é análogo ao escravo”, criticou o Procurador. A soja, o algodão e o café são as culturas que mais sofrem com o problema, concentrado na chamada fase de catação de raiz – a limpeza da terra.

Segundo ele, grande parte dos trabalhadores são cooptados nos estados fronteiriços, como Minas Gerais, Piauí e Goiás, pele ação de terceiros conhecidos como “gatos”, evitando, assim, o contato direto dos empregadores com os trabalhadores escravizados. São os “gatos” que coordenam o caderno de dívidas dos trabalhadores, oriundas de despesas ilegais e a preços superfaturados, como em bebidas e cigarros, cuja comercialização é vedada em ambiente de trabalho, e mesmo com equipamentos básicos de proteção do trabalho, a exemplo de luvas e botas, cujo fornecimento é obrigatório. “Uma das coisas que mais me impressionou é que o trabalhador acredita que é devedor mesmo e, portanto, que tem que trabalhar para saldar seus débitos. Só que essa dívida é impagável; cada vez o caderno vai aumentando e aí vai se tornar escravidão, até porque, mesmo quando ele consegue deixar a fazenda, sai sem receber nada”, aponta Balazeiro.

Comissão Estadual para Erradicação do Trabalho Escravo

Em articulação com a Agenda, o Governo da Bahia instituiu, em setembro 2009, a Comissão Estadual para Erradicação do Trabalho Escravo – Coetrae/BA. Três meses depois, lançou o Plano Estadual de Erradicação do Trabalho Escravo, que prevê a realização de pesquisas, criação de mecanismos de encaminhamento de denúncias, unidades móveis de atendimento nas cidades receptoras de mão-de-obra, inclusão das pessoas resgatadas em programas de alfabetização e cursos profissionalizantes, entre outras ações voltadas para a erradicação e assistência às vítimas do trabalho escravo.

“Essas comissões atuam no sentido de articulação e organização de ações de esclarecimento e de troca de informações sobre regiões onde há denúncias; além de um trabalho de pesquisa e investigação de áreas que são propensas à prática, como a cultura da cana de açúcar, regiões de fronteira agrícola do desmatamento, a produção de carvão. Também é feito um compromisso das empresas para que não aceitem adquirir produtos oriundos do trabalho escravo”, explica Nilton Vasconcelos.

O Governo inclusive aprovou, junto à Desenbahia (Agência de Fomento do Estado da Bahia), procedimento que impede o acesso a recursos de financiamento público às empresas que fazem uso do trabalho escravo. Também assinou um Termo de Ajustamento de Conduta com o Sindicato da Indústria do Açúcar e do Álcool na Bahia, assegurando o cumprimento da Legislação vigente a partir de medidas preventivas e de esclarecimento. “Esse trabalho de conscientização e prevenção é fundamental, porque não adianta a gente ter só ação repressiva”, arrematou Alberto Balazeiro.

De Salvador, Camila Jasmin