Seremos uma potência esportiva se mobilizarmos a população

Na segunda parte da entrevista concedida ao Vermelho, Orlando Silva Jr, explica o que o Ministério do Esporte está fazendo para preparar o país para os Jogos Olímpicos de 2016, no Rio de Janeiro, e o que o país pode esperar desses Jogos.

Por José Reinaldo Carvalho e Humberto Alencar

Vermelho — Dois anos depois de realizada a Copa do Mundo de 2014, o Rio de Janeiro vai sediar os Jogos Olímpicos. Quando a Olimpíada foi realizada em Sydney, a Austrália não era um país com uma tradição muito grande no esporte olímpico. Você acha que dá para fazer uma equipe forte para 2016?

Orlando Silva Jr.: A Austrália não era, mas já havia decidido há 20 anos ser uma potência. A Austrália é um bom exemplo. Você não forma um bom atleta em um par de anos, um atleta olímpico em média, varia por modalidade, mas em média leva 20 anos até se formar, até alcançar sua máxima performance e alcançar uma participação de destaque, digamos assim.


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Nós acreditamos que existam boas e más experiências de preparação dos Jogos Olímpicos, nas dimensões esportiva, urbanística, e econômica. Quando lançamos a campanha do Rio de Janeiro, a última, vencedora, fizemos um estudo detalhado de boas experiências, e felizmente temos a Austrália e a Coreia, e claro a China, mas a China é um caso à parte, como bons exemplos de projetos esportivos vinculados aos Jogos Olímpicos e aos Jogos Paraolímpicos.

Tanto a Austrália quanto a Coreia, com as suas Olimpíadas, entraram no rol de elite do esporte e de lá não saíram mais. Eu falo isso porque a Grécia, por exemplo, foi mais ou menos e não conseguiu se sustentar. E mesmo a Espanha, que é tão decantada, a Espanha teve um grande salto urbanístico em Barcelona, mas no aspecto esportivo o saldo foi relativo, teve um bom resultado e depois veio para um patamar inferior.

Então o que é que Austrália e Coreia ensinam? Ensinam a valorizar o trabalho de longo prazo, o trabalho de pesquisa, de Ciência e Tecnologia aplicadas ao esporte, instalar uma rede nacional de treinamento, centros principais para a elite e centros regionais para aprimoramento na fase mediana de preparação desses atletas e colocar ênfase em algumas modalidades esportivas. Variar, mas dar ênfase a algumas modalidades, são algumas lições que nós colhemos, inclusive o presidente Lula deve anunciar em breve um conjunto de medidas que terão impacto no esporte olímpico brasileiro.

A nossa perspectiva é de que cada modalidade tenha um centro nacional de treinamento, algumas até já têm, mas é preciso que todas passem a ter. A mobilização de treinadores de ponta do mundo em modalidades em que temos menos tradição, reforçar programas como o Bolsa-Atleta, para apoiar atletas que não têm patrocínio. Enfim, um conjunto de medidas que vai incluir uma novidade, que é a nossa proposta de que tenha uma espécie de contrato de gestão, porque houve tempo em que se falava "não tem dinheiro para o esporte". Hoje, tem dinheiro de loteria, pelos menos R$ 100 milhões por ano que vão para o esporte olímpico. Tem mais outra quarta parte equivalente a R$ 100 milhões provenientes de empresas estatais. Você tem a lei de incentivo ao esporte. Já tem um conjunto de receitas que neste último período nós conseguimos produzir para o esporte.

Qual é a nossa idéia? Alinhar todas essas receitas, estabelecer um plano de metas para resultados e configurar um contrato de gestão, porque há o seguinte: a gestão do esporte no Brasil, por lei, é privada, só que a fonte de receitas é pública, então nós temos que ter uma posição, não se pode entregar o dinheiro e a confederação de cada modalidade administra como melhor entender.

É preciso ter compromisso com metas, com resultados, que não é só medalha olímpica, às vezes a meta é ganhar o Sul-Americano ou o Pan-Americano, ou qualificar o atleta para uma Olimpíada, então são metas que vão ser coerentes com a realidade de cada uma das modalidades, tudo isso pensando em 2016 como ponto de partida, não como ponto de chegada.

Nosso desafio é estruturar um modelo para o esporte brasileiro que seja sustentável, que mantenha a performance num patamar elevado e 2016 vai ser o ponto de largada. Hoje nós temos uma cultura esportiva mais ampla, hoje nós temos um resultado relevante no voleibol, na natação, na ginástica, no judô, no atletismo, então há uma diversificação maior de modalidades no Brasil.

Eu creio que nós devemos ter umas dez modalidades de participação importante, mas é preciso ampliar, porque a China não chegou a ser o colosso que foi em Pequim-2008 disputando medalhas em uma ou duas modalidade, ela disputou em todas as modalidades. Só vamos ser relevantes se tivermos uma cultura esportiva ampla e estivermos disputando medalhas em várias modalidades.

Vermelho — Como é que está o processo de massificação do esporte, ligado à massificação da Educação física e das competições interescolares.

Orlando Silva Jr.: Nós insistimos com o presidente Lula e ele concorda com isso: o Brasil não será uma potência esportiva apenas ganhando mais medalhas em Jogos Olímpicos, Paraolímpicos, ganhando torneios mundiais. Será potência esportiva na medida em que além das medalhas, nós tenhamos a população em movimento, em atividade para melhorar a qualidade de vida, melhorar sua saúde, ter acesso ao lazer. Nós lutamos pelo direito ao emprego, pelo trabalho, mas nós também temos de valorizar o momento do lazer, porque as pessoas, no momento do lazer, podem se dedicar à atividade física,

Hoje em dia se fala que cresce muito no Brasil a população da melhor idade, também eles têm de ter acesso à atividade física para produzir saúde.

Então, a potência esportiva é alcançada pelo resultado no alto rendimento e também pela ampliação da prática esportiva, livre, recreativa, de lazer, pela multiplicação do acesso, para nossas crianças, sobretudo, e as crianças precisam ser cativadas na escola. Felizmente o Brasil alcançou hoje a universalização do acesso à educação, ao ensino fundamental, agora tem um programa de educação infantil que está sendo criado, o Fundeb, mas no ciclo fundamental praticamente todas as crianças tem ido à escola.

Só que a criança chega à escola e a educação física ainda não é uma realidade. Aliás, não faz muito tempo, há cerca de quinze anos, houve um debate se essa disciplina deveria ser de currículo obrigatório. Ela deixou de ser e voltou a constar do currículo há cerca de 8 ou 9 anos. Temos um desafio na escola pública brasileira, ainda hoje, que é o seguinte: ter a sala de educação física.

Essa é base para que nós tenhamos, insisto, não só uma potência esportiva no esporte de alto rendimento, mas tenhamos o esporte como algo relevante na vida das pessoas. Quando você é novo, quando você é jovem, você conquista o hábito saudável dessa atividade física, e para isso o Estado tem de garantir recursos humanos e infra-estrutura.

Nós avançamos muito em recursos humanos, porque Educação Física é o curso que mais cresce no Brasil hoje, temos que avançar rapidamente para garantir a infra-estrutura, e usar também a estrutura disponível, que não apenas das escolas, mas de muitos clubes do Brasil. São mais de 13 mil clubes sociais esportivos no Brasil. Uma boa parte desses clubes, durante a semana, não tem utilização, então a utilização se dá por programas sociais, mas ainda tem uma parte inativa que pode ser bem aproveitada.

Vermelho — Em relação a isso, temos clubes no Brasil que se tornaram praticamente clubes fantasmas, sem associados a frequentá-los. Com a verticalização das cidades e a criação de condomínios com piscinas e salas de musculação, muitos associados deixaram os clubes para usar esses equipamentos em seus condomínios. Parte dessa infra-estrutura existe, nesses clubes que estão vazios. Com a redução do quadro de associados, os clubes perderem renda e patrimônio. O Ministério tem planos para trabalhar com esses clubes nesses projetos?

Orlando Silva Jr.: De fato, você tem uma boa infra-estrutura. Os clubes foram esvaziados, muitos deles, porque você tem alternativas de lazer e de entretenimento muito variadas. Os clubes nunca foram, digamos assim, ocupados pela classe trabalhadora. Você tinha clubes que alguns sindicatos e algumas empresas públicas mantinham. Até algumas privadas possuíam clubes, por exemplo, em São Paulo, mas como regra no Brasil os clubes eram mais restritos. Mas, de fato, com essa diversidade de possibilidades de entretenimento — cinemas, Shopping Centers — como você falou, hoje em dia se lança um empreendimento imobiliário que tem lazer, piscina, etc., o desafio nosso é fazer isso, utilizar esses equipamentos dos clubes.

Isso já acontece para projetos sociais, em um programa chamado Segundo Tempo, que envolve escolas que, muitas vezes, não têm equipamento esportivo, então, onde é que ele é realizado? Nesses clubes. Mas tem um potencial de uso muito maior do que é feito hoje, assim como é interessante a infra-estrutura das Forças Armadas. Elas têm muitos equipamentos esportivos nos quartéis, e os programas são realizados, em alguns casos, em alguns equipamentos deles, que também tem potencial grande. As Forças Armadas têm interesse em ceder os equipamentos para as comunidades, acho que é uma coisa boa. Temos que usar esse potencial, que os clubes sociais e as forças armadas têm.