Texto final do ficha limpa pode gerar dúvidas sobre aplicação

Mesmo depois de aprovado pelo Congresso nesta quarta-feira (19), o projeto ficha limpa continua causando polêmica na Casa.

Uma emenda aprovada no Senado levou mesmo alguns envolvidos na elaboração da lei a criticar o texto final. O questionamento agora é se o projeto impediria a candidatura de políticos já condenados em decisão colegiada e que estão recorrendo. Esta é mais uma questão que deverá ficar a cargo do poder Judiciário.

A emenda que levantou a discussão é do senador Francisco Dornelles (PP-RJ) e foi acatada pelo relator, Demóstenes Torres (DEM-GO), e considerada apenas como uma mudança de redação, para que, desta forma, o texto não tivesse de voltar à Câmara e pudesse seguir diretamente para sanção.

A alteração aconteceu em cinco alíneas do projeto que tratam de quais condenações estão abarcadas pela lei. Nestas alíneas foi substituída a expressão "tenham sido" por "que forem". A intenção, segundo os senadores, era padronizar o projeto, que já trazia nas outras alíneas expressões com o tempo verbal futuro.

O deputado Flávio Dino (PC do B-MA) foi um dos mais atuantes na negociação da lei na Câmara e criticou a mudança feita pelo Senado. Para ele, a mudança fará com que se questione a aplicação da lei para políticos condenados por colegiados em processos em andamento. Na interpretação de Dino, com a mudança e o tempo verbal no futuro, só quem vier a ser condenado seria abarcado pelo projeto ficha limpa.

"Já haveria um debate acerca do alcance temporal da lei independente dessa mudança, mas antes se tinha uma chance maior de aplicação nestes caso em razão do 'tenham sido'. Na hora que se altera por 'que forem' induz a idéia de efeitos futuros. É como se tivesse limpado a ficha de todo mundo", diz o deputado.

O relator no Senado rebate. Demóstenes destaca que em outras quatro alíneas o tempo verbal usado já era futuro e a lei alterada pelo projeto ficha limpa também trata tudo no mesmo tempo verbal. O senador, no entanto, defende que a aplicação da lei é para quem já foi condenado em colegiado e segue recorrendo porque um outro artigo do projeto trata justamente dos recursos. O artigo a que se refere o senador é o que permite a quem está recorrendo de decisão colegiada pedir a um órgão superior a permissão para se candidatar.

"O artigo terceiro regula recurso. Ora, recurso é pra quem foi condenado. Quem foi absolvido não recorre. Então, todos aqueles que estão processados e condenados por processos ainda andando serão sim apanhados por essa lei", afirma Demóstenes.

Outro questionamento levantado por Dino é de que a mudança feita pelo Senado altera o mérito do projeto e teria de ter retornado para a Câmara. Demóstenes discorda e sustenta que a alteração do tempo verbal é apenas uma padronização e não precisaria ser referendada pelos deputados.

Dino afirma que suas dúvidas não são garantia de que a lei será questionada no Judiciário desta forma, mas sim um alerta de que o texto aprovado pelo senado abre brechas. "Não estou sendo definitivo, mas se abriram agora duas novas possíveis formas de questionamento. Quem é contra a lei poderá sim usar isso para questionar na justiça. Até porque não podemos esperar que quem for declarado inelegível vá ficar feliz".

Demóstenes reafirma que a mudança no Senado não altera o espírito do projeto. Ele destaca, no entanto, que os já condenados em processos já concluídos não são alcançados por esta lei. Isto porque não é permitido que a lei retroaja sobre situações já consolidadas. "A lei não pode pegar situações consolidadas no passado, mas as que estão sendo julgadas estão expressamente apanhadas e os casos futuros também", conclui.

Fonte: Eduardo Bresciani, do G1, em Brasília