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Líder da CGT francesa: "Sindicatos têm as cartas na mão"

"Neste momento os sindicatos estão com as cartas nas mãos e podem abalar os planos governamentais", avalia o presidente da central sindical francesa CGT, Bernard Thibault. Na véspera do Dia Nacional de Luta convocado pelas seis centrais, o diário comunista L'Humanité publicou entrevista onde o líder da CGT analisa a crise europeia e o plano 'de austeridade' do presidente Nicolas Sarkozy para, violando uma promessa eleitoral, acabar com a aposentadoria aod 60 anos. Veja a íntegra.


L'Humanité: O que diz dos planos de austeridade que se multiplicam em toda a Europa?

Bernard Thibault: Esses planos de austeridade são apresentados como uma resposta aos ataques especulativos às dívidas soberanas da Grécia, de Portugal, da Espanha e da Zona do Euro em geral. O truque está em tentar fazer que os assalariados esqueçam que a causa principal da brusca elevação dos éficits nos orçamentos e nas contas sociais é a crise econômica, provocada pelo naufrágio do sistema financeiro americano.

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Os discursos inflamados dos presidentes sobre a refundação do capitalismo [a tese foi levantada um ano atrás pelo francês Nicolas Sarkozy] foram engavetados. As virtudes da recuperação através do investimento não estão mais em pauta. Entra a austeridade… Para os trabalhadores assalariados!

As próprias bolsas estão apavoradascom o drástico corte dos gastos públicos. Teme-se que ele asfixie o crescimento, que já está perto de zero. Trata-se, na verdade, de fazer com que os povos e especialmente os assalariados paguem a fatura de uma crise na qual eles não têm a menor culpa. Por toda a Europa os sindicatos se organizam para combater esses planos de austridade, que vão agravar ainda mais o desemprego.

L'Humanité: A prioridade do governo é combater os déficits. Qual é a de vocês?

Thibault: A prioridade é tirar o país da crise e criar as condições para um crescimento sadio e durável. Observo que não existe 'derraopagem' dos gastos público, como tentam nos vender, mas essencialmente um recuo da receita fiscal, devido à queda da atividade econômica. Observo igualmente qe os gastos que se elevaram vão principalmente para as empresas, como os auxílios de caixa e a supressão da taxa profissional.

Mas as medidas econômicas que estão sendo preparadas vão atingir os assalariados e os aposentados. Na verdade, tenta-se fazer com que os trabalhadores paguem a crise pela segunda vez. Eles já pagaram a primeira vez, com a destruição de 680 mil empregoe e o congelamento salarial. A massa dos salários pagos na França chegou mesmo a diminuir 1,4% em 2009, o que não tem precedentes.

Cortar os gastos públicos e amputar as aposentadorias não responde a uma necessidade, mas a um dogma imposto pelo mercado financeiro e pelas agências de consultoria, que se comportam como milícias privadas a serviço do capital.

Em um plano mais geral, é bom fazer um bom diagnóstico sobre a causa da crise. Não é simplesmente uma crise oriunda de uma carência de regulação dos mercados financeiros, mesmo que a desregulação dos mercados tenha jogado um papel importante. O aspecto essencial reside na subremuneração do trabalho humano e na colocação dos assalariados para concorrerem entre si em escala mundial. A tradução dessa subremuneração do trabalho é o crescimento das desigualdades e a deformação na partilha do valor, em favor do capital, nos últimos 20 anos. Os benefícios fiscais presenteados às empresas e aos detentores de capitais pesam sobre os orçamentos dos Estados. Eis portanto a situação que precisa acabar.

L'Humanité: Trabalhar mais [com a elevação da idade de aposentadoria] é a única resposta do governo para o problema no equil´brio previdenciário. Existe outra saída?

Thibault: A CGT é contra as soluções que o governo se apressa em adotar, ou seja, estender a idade legal mínima para a aposentadoria e prolongar o período de contribuição. Isso absolutamente não é necessário para permitir que os assalariados achem emprego antes dos 30 e depois dos 50 anos de idade. Essas 'soluções' em nada consertariam os problemas colocados.Apenas transferiria uma parte do problema do financiamento das aposentadorias para a conta do seguro desemprego e da solidariedade nacional em favor dos assalariados, pois estes, inevitavelmente, vão ficar sem recursos antes de se aposentarem.

A CGT considera que as soluções para o problema do financiamento passam primeiramente pelo desenvolvimento do emprego, uma política industrial e uma política salarial dinâmicas, dois aspectos que permitiriam uma partilha mais justa do valor agregado, entre o trabalho e o capital. A outra metade das necessidades de financiamento deve vir de novas fontes, com o aumento das taxas sobre os lucros financeiros das empresas.

L'Humanité: Acredita que é possível derrotar essa 'reforma', mesmo, especialmente, com esse cronograma?

Thibault: O governo joga com um método de pseudodiálogo e um gronograma ultracurto para anestesiar os assalariados. Não é uma novidade. E nem é um sinal de força: atesta que o poder sente claramente que não está a salvo de uma forte mobilização dos trabalhadores, que o obrigaria a mudar de ideia.

O cronograma apresentado com certeza é um problema para os líderes sindicais, já que o verão [no hemisfério norte] não é a época mais favorável a grandes demonstrações. Poré o fator decisivo será a convicção íntima de cada militante, de que nada está decidido.

Não se perde uma batalha assim de véspera. O presidente [Sarkozy] saiu enfraquecido das eleições regionais, que atestaram uma forte hostilidade à sua política econômica e social. Os assalariados não mudaram de ideia em dois meses sobre essa política. Direfentes pesquisas dfeitas desde então mostram que a desconfiança continua grande.

Quando se trata de aposentadoria, os assalariados têm muito mais confiança nos sindicatos que no governo e no Medef [a poderosa associação multipatronal francesa]. Por que eles se deixariam convencer agora da bondade das soluções pregadas há anos pelo Medef e que o governo se apressa a aplicar? Eis o motivo pelo qual eles continuam profundamente apegados ao direito de aposentadoria aos 60 anos.

Considero, portanto, que neste momento os sindicatos estão com as cartas nas mãos e podem abalar os planos governamentais. Basta que continuem e reforcem a agenda unitária que acordaram.

Fonte: L'Humanité (http://www.humanite.fr)