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Atílio Borón: A desumanidade do sistema capitalista

Neste artigo o cientista político argentino Atílio Borón desmascara os argumentos daqueles que na mídia e na academia procuram enfeitar o capitalismo e esconder as suas mazelas. Relembra o chamado de Fidel Castro à luta de idéias e mostra que somente o socialismo é a alternativa para construir o futuro de bem-estar para a humanidade.

O capitalismo tem legiões de apologistas. Muitos o fazem de boa fé, produto de sua ignorância e como dizia Marx porque “o sistema é opaco e sua natureza exploradora e predatória não fica evidente, perante os olhos de homens e mulheres do mundo”. Outros o defendem porque são seus grandes beneficiários arregimentam enormes fortunas graças a suas injustiças e iniquidades. Há também outros (gurus, financistas, opinólogos, jornalistas especializados, acadêmicos bem pensantes e diversos representantes do pensamento único) que conhecem perfeitamente o que o sistema impõe em termos de custos sociais, degradação humana e do meio ambiente, mas como estão muito bem remunerados procuram omitir essas questões em seus relatos. Eles sabem muito bem, que a “batalha de ideias” que foi convocada por Fidel Castro é algo que pode ser perigoso para as ideologias que, no íntimo, defendem e por isso não se empenham em denunciar as mazelas do capitalismo.

Para contraditar a proliferação de versões idílicas sobre o capitalismo e de sua capacidade de promover o bem estar geral examinemos alguns dados obtidos de documentos oficiais das ONU. Eles são sumamente didáticos quando se lê, principalmente em relação à crise atual – indicando que a solução dos problemas do capitalismo se obtém com mais capitalismo; ou que o G20, o FMI, a OMC e o BIRD, arrependidos dos erros do passado – irão efetivamente resolver os grandes problemas que afetam a humanidade. Todas essas instituições são incorrigíveis e irreformáveis e qualquer esperança de mudanças em seus comportamentos não é nada mais do que pura ilusão. Seguem propondo o mesmo, somente que o discurso é diferente e adotando uma estratégia de “relações públicas” desenhada para ocultar suas verdadeiras intenções. Quem tenha dúvidas que constate o que estão propondo para “solucionar” a crise na Grécia: as mesmas receitas que aplicaram e seguem aplicando na América Latina e África desde os anos oitenta do século passado.

Em continuação, podemos citar alguns dados com suas respectivas fontes recentemente sistematizados pelo Programa Internacional de Estudos Comparativos sobre a Pobreza localizado na Universidade de Bergen, Noruega, que fez um grande esforço para, desde uma perspectiva crítica, combater o discurso oficial sobre a pobreza elaborado desde mais de trinta anos pelo Banco Mundial e reproduzido incansavelmente pelos meios de comunicação, autoridades governamentais, acadêmicos e “especialistas” variados.

População mundial: 6,8 bilhões de habitantes em 2009. 1,02 bilhão de pessoas são desnutridos crônicos (FAO,2009); 2 bilhões de pessoas não tem acesso a medicamentos (www.fic.nih.gov); 884 milhões de pessoas não têm acesso à água potável (OMS/UNICEF 2008); 925 milhões de pessoas são “sem teto” ou residem em moradias precárias (ONU Habitat 2003); 1,6 bilhões de pessoas não tem acesso à energia elétrica (ONU Habitat, Urban Energy); 2,5 bilhões de pessoas não são beneficiados por sistemas de saneamento, drenagens ou instalações sanitárias domiciliares (OMS/UNICEF 2008); 774 milhões de adultos são analfabetos ( www.uis.unesco.org ); 18 milhões de mortos por ano devido à pobreza, a maioria são crianças menores do que cinco anos de idade (OMS); 218 milhões de crianças entre 5 e 17 anos de idade, trabalham em condições de escravidão com tarefas perigosas ou humilhantes, como soldados da ativa atuando em guerras e/ou conflitos civis, na prostituição infantil, como serventes, em trabalhos insalubres na agricultura, na construção civil ou industria têxtil (OIT: “La eliminación del trabajo infantil, un objetivo a nuestro alcance” 2006);

Entre 1988 e 2002, os 25% mais pobres da população mundial reduziram sua participação no produto interno bruto mundial (PIB mundial) de 1,16% para 0,92%; enquanto os opulentos 10% mais ricos acrescentaram fortunas em seus bens pessoais passando a dispor de 64% para 71,1% da riqueza mundial. O enriquecimento de uns poucos tem como seu reverso o empobrecimento de muitos;

Somente esses 6,4% de aumento da riqueza dos mais ricos seriam suficientes para duplicar a renda de 70% da população mundial, salvando muitas vidas e reduzindo os sofrimentos dos mais pobres. Entendam bem: tal coisa somente seria obtida se houvesse possibilidade de redistribuir o enriquecimento adicional produzido entre 1988 e 2002 dos 10% mais ricos da população mundial, deixando ainda intactas suas exorbitantes fortunas. Mas nem isso passa a ser aceitável pelas classes dominantes do capitalismo mundial.

Conclusão

Não se pode combater a pobreza (nem erradicá-la) adotando-se medidas capitalistas. Isso porque o sistema obedece a uma lógica implacável centrada na obtenção do lucro, o que concentra a riqueza e aumenta incessantemente a pobreza e as desigualdades sócio-econômicas a nível mundial.

Depois de cinco séculos de existência é isto e somente isto que o capitalismo tem para oferecer ao mundo! Que esperamos então para mudar o sistema? Se a humanidade tem futuro, esse será claramente socialista! Com o capitalismo, não haverá futuro para ninguém! Nem para os ricos, nem para os pobres! A sentença de Friedrich Engels e também de Rosa Luxemburg: “socialismo ou barbárie” é hoje mais atual do que nunca. Nenhuma sociedade sobrevive quando seu impulso vital reside na busca incessante do lucro e seu motor é a ganância, a usura. Mais cedo ou mais tarde provocará a desintegração da vida social, a destruição do meio ambiente, a decadência política e a crise moral.

Todavia estamos ainda em tempo para reverter esse quadro – então vamos à luta!

* Atilio Borón, doutor em Ciência Política pela Harvard University, é professor titular de Filosofia Política da Universidade de Buenos Aires, Argentina.

Este texto foi publicado em www.odiario.info