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Mulher, de vanguarda e socialista, Pagu completaria 100 anos hoje

Quando as novas e as futuras gerações de militantes de esquerda se debruçarem para estudar os primeiros e heróicos tempos do movimento de mulheres no Brasil, um nome se destacará pela vivacidade, ousadia e brilho intenso, e também pela importância histórica e dramaticidade da sua trajetória: Patrícia Galvão, a Pagu. Nascida em 9 de junho de 1910, Pagu completaria 100 anos hoje.

por Irene dos Santos*

pagu

Desde cedo Pagu disse a que viria. Aos 18 anos, no contexto de efervescência política, econômica e cultural marcada pela grande crise de 1929 e pelas movimentações que levariam à Revolução de 1930, Pagu tomaria parte ativa na fase mais radical do “movimento antropofágico”, junto com Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral, Raul Bopp e outros artistas e intelectuais.

Balançando a roseira da acomodação da vanguarda do movimento modernista de 1922, a “antropofagia” centraria seu fogo no ataque aos “complexos da civilização ocidental”.

O retorno ao “Matriarcado de Pindorama”, avesso à propriedade privada e à repressão “civilizada” dos instintos, seria o mote para uma reorganização da sociedade em bases livres e igualitárias. Daí ao questionamento do papel subalterno reservado às mulheres desde tempos imemoriais, e particularmente sob o capitalismo, para Pagu foi um passo.

Subvertendo na prática a hipocrisia da moral sexual vigente na São Paulo conservadora das primeiras décadas do século XX, Pagu será também pioneira ao denunciar a questão da violência machista contra as mulheres e sua impunidade.

Assumir então uma posição política de classe era para ela uma conseqüência e um imperativo. Nas palavras mesmas de Pagu, em retrospectiva, numa lúcida caracterização daqueles tempos, em que a disputa literária e artística facilmente se desdobrava em opções políticas radicalmente opostas, ela escreveria o seguinte:

“Na nossa vida semicolonial, continuavam a ser ouvidas as vozes do mundo: o movimento literário, intelectual, brasileiro, dividiu-se em três correntes nítidas. Mário de Andrade mantém-se, com seu grupo, muito próximo e dentro mesmo, do Partido Democrático, que se distende até o movimento constitucionalista de 32; Oswald de Andrade e o seu grupo, na pesquisa do socialismo, distribui-se pelas idéias da extrema esquerda até o comunismo militante, cuja experiência fizeram nos primeiros anos após 30; e o grupo que saíra de uma mitologia sob medida talhada no totem da “Anta”, tingida pelo verde-amarelismo, encarnaria o mussolinismo caboclo, com Plínio Salgado e os seus integralistas”.

Conseqüente com suas opções, Pagu passa a militar no PCB. Em 1931 é presa, em Santos (SP), ao participar de um comício em homenagem a Sacco e Vanzetti, quando um estivador negro morre em seus braços, fuzilado pela polícia getulista.

Atendendo à diretriz partidária da “proletarização” do período “classe contra classe”, Pagu exerce o trabalho de tecelã e lanterninha em cinemas do Rio de Janeiro, ao mesmo tempo em que exerce intensa militância política e escreve o romance “Parque Industrial”, lançado em 1933. Esgotada fisicamente e visada pela policia política, Pagu segue em viagem pelos Estados Unidos, Japão, China, URSS, Alemanha e França, trabalhando como correspondente de vários jornais.

Em Paris, milita nas fileiras do Partido Comunista Francês no período efervescente da Frente Popular. Quando cai o governo de esquerda, é presa e enviada de volta para o Brasil, onde vai encontrar um país sob clima de intensa agitação política, com a polarização entre a ANL, dirigida pelos comunistas e a Ação Integralista Brasileira, de direita.

Com o fracasso da tentativa de insurreição comunista de 1935, Pagu seria uma das milhares de pessoas atingidas pela intensa repressão que se seguiu. Amargou cruéis torturas durante cinco anos de prisão nos cárceres da ditadura do Estado Novo.

Ao sair da prisão, em 1940, rompe com o PCB, sem abandonar a perspectiva da luta pela transformação social. Em 1945, participa com Mário Pedrosa, militante e crítico de arte que viria a ser um dos fundadores do PT, do grupo que edita a revista Vanguarda Socialista.

Na década de 50, Pagu se candidata a uma cadeira de deputada estadual na Assembléia Legislativa de São Paulo pela legenda do PSB, quando lança o panfleto Verdade e Liberdade, crítica do stalinismo do PCB e da direita reacionária que, nas suas palavras, “não quer ver que a civilização atual esgotou as suas possibilidades de permanência dominante”.

Nos seus últimos anos de vida, até o seu falecimento em 1962, desenvolveu intensa atividade no campo da crítica das artes e da produção teatral, tendo sido precursora na montagem de peças de vanguarda como “A cantora careca” de Ionesco e “Fando e Lis” de Arrabal.

Passados cem anos do nascimento de Pagu, o Brasil mudou, e muito disto se deve à luta das mulheres. Somos herdeiras de Pagu na sua insubmissão e ousadia, no questionamento da ordem “natural” das coisas.

O caminho a trilhar é longo e árduo. É sempre bom lembrar do quanto a direita reacionária é capaz e como odeia a luta das mulheres, de como as mesmas agruras por que passou Pagu são hoje suportadas por milhares de lutadoras, a exemplo da companheira Rose, militante do MST e vereadora do PT, que foi recentemente encarcerada e teve seu mandato parlamentar injustamente cassado pelo simples fato de lutar pela reforma agrária.

Batalhar para eleger a companheira Dilma a primeira mulher presidenta do Brasil é um voto em legitima defesa das mulheres e dos trabalhadores, a melhor homenagem que faremos para a Pagu nestes cem anos do seu nascimento.

*Irene dos Santos é vereadora do PT em Diadema. Junto com outros companheiros e companheiras, Irene participa do coletivo dirigente do "Espaço Patricia Galvão" em Diadema, casa de debate político e artistico-cultural