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Jogo sujo: como Serra manobrou contra Tasso Jereissati em 2002

Desde 2002, o tucanato das várias regiões amarga um incômodo e um certo cansaço em relação à hegemonia paulista. A queixa geral é de que ser um candidato a presidente “fora do establishment” é muito difícil em qualquer circunstância. Praticamente impossível, se houver um concorrente de São Paulo.

Por Christiane Samarco, no O Estado de S.Paulo

Esse sentimento tomou conta das regionais do partido depois da morte de Mário Covas. O câncer que tirou Covas do governo de São Paulo levou junto o candidato natural do PSDB a presidente da República e também a possibilidade da construção pacífica de uma candidatura de consenso.

Já bastante doente, Covas recebeu, em 2000, a visita de Tasso Jereissati (CE) no Palácio dos Bandeirantes. Em meio à conversa sobre cenário político nacional e a sucessão presidencial, o anfitrião abriu o jogo. “Não vou ter saúde para ser candidato. Essa disputa vai ficar entre você e o (José) Serra. E meu candidato é você”, avisou. Em seguida, fez questão de telefonar para o presidente Fernando Henrique, comunicando sua preferência.

Tasso lançou-se na disputa presidencial em 2001, ao final do seu terceiro mandato de governador do Ceará. Além do incentivo de Covas, morto em março daquele ano, arrebanhou apoios públicos no PFL do senador Antonio Carlos Magalhães (BA). Mas acabou desistindo, com queixas de que havia “uma espécie de conspiração paulista em favor de Serra, desequilibrando a disputa interna”.

“Eu vim aqui comunicar que não serei mais candidato a presidente. Estou saindo fora”, disse Tasso ao presidente Fernando Henrique. Era dezembro de 2001, quando o cearense chegou ao Palácio da Alvorada, já muito irritado e disposto a protestar contra “setores do PSDB no governo” que estariam dificultando a liberação de recursos para o Ceará e, pior, investigando sua vida.

Na chegada ao Alvorada, deparou-se com o ex-ministro da Justiça e secretário-geral da Presidência, Aloysio Nunes Ferreira, mas não amenizou as críticas. Ao contrário: Tasso tinha Aloysio como o “ponta de lança” de Serra contra ele e ainda achava que FHC atuava para desequilibrar a disputa sucessória em favor de São Paulo. Pior, suspeitava da influência de Aloysio sobre uma operação da Polícia Federal que colocou agentes em seu encalço, em meio a uma investigação de lavagem de dinheiro.

Neste cenário, o que era para ser um jantar de autoridades no salão palaciano descambou para as ofensas em tom crescente, a ponto de Tasso apontar “a safadeza e a molecagem” do ministro, que agiria para prejudicá-lo. Bastou um “não é bem assim” de Aloysio para o bate-boca começar.

“Vocês jogam sujo!”, devolveu Tasso.

“Vocês quem?”, quis saber Aloysio.

“Você… o Serra… Vocês estão jogando sujo e eu estou saindo (da disputa presidencial) por causa de gente como você, que está me fodendo nesse governo”, reagiu Tasso.

“Jogando sujo é a puta que o pariu”, berrou Aloysio, já partindo para cima do governador. Fora de controle e vermelho de raiva, Tasso chegou a arrancar o paletó e os dois armaram os punhos para distribuir os socos. Foi preciso que um outro convidado ilustre para o jantar no Alvorada, o governador do Pará, Almir Gabriel, entrasse do meio dos dois, com as mãos para cima, apartando a briga. Fernando Henrique, estupefato, pedia calma.

Diante da desistência pública do cearense e das indagações da imprensa sobre o racha no PSDB e sobre o que Serra poderia fazer para unir o partido, Arthur Virgílio disse diante das câmeras de televisão que falar com Tasso era fácil. “Basta discar o DDD 085 e o número do telefone”, sugeriu.

“Mas o que é isso? Você me ensinando a falar com Tasso pela TV?”, cobrou Serra. “Não fiz para te sacanear. Só respondi à pergunta de como vocês iriam se falar. Você é o meu candidato a presidente”, amenizou Virgílio. O telefonema não aconteceu e Tasso acabou optando pela candidatura presidencial do amigo e conterrâneo Ciro Gomes, que lhe pedia apoio e ajuda e com quem nunca se atritou.