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Paulo Cézar Caju: Futebol burocrático não ganha nada

A derrota da seleção brasileira para a Holanda por 2 a 1 nas quartas de final da Copa do Mundo da África do Sul não surpreendeu o tri-campeão da Copa de 70, Paulo Cézar Lima – mais conhecido como Paulo Cézar Caju. “A seleção não empolgou porque faltou talento, molecagem” – afirmou o ídolo do tricampeonato.

Durante entrevista ao Vermelho – dias antes do jogo que marcou o fim da participação do Brasil na África do Sul – Caju criticou o futebol retrancado e sem talento observado, segundo ele, em quase todos os jogos da Copa – especialmente naqueles em que atuaram os jogadores brasileiros.

Reconhecido por seu futebol habilidoso e provocador, o ex-meio-campista da seleção brasileira afirmou ter ficado de “saco cheio com a falta de talento e qualidade” apresentada no continente africano. “Gosto de futebol artístico e criativo. A seleção não empolgou porque faltou talento, molecagem. Faltou drible, balãozinho".

Segundo Caju, os verdadeiros talentos do futebol brasileiro na atualidade são: Ganso, Neymar e Robinho. “Jogador fino, hoje tá duro! Ponho o Ganso, o Neymar e o Robinho. Pra mim, o Robinho é um peladeiro com talento. Ele dribla, é audacioso e debocha dos adversários. Mas o Neymar e o Paulo Henrique (Ganso) são um talento, um negócio raro”.

Na opinião do ex-jogador, a seleção precisa abandonar de uma vez por todas o futebol retrancado. “Com futebol burocrático e de robô a gente não vai ganhar nada. Só o talento pode. Eu criaria duas ligas: a dos brucutus e a dos talentosos. Só iria jogar na minha liga quem tivesse talento”.

"Eu gosto de futebol de artista, de futebol criativo, não tenho paciência pra ficar um mês vendo jogos tão ruins", continua o craque, um dos astros da constelação que o futebol brasileiro ostentava na década de 1970.

"Tem briga na eliminatória, você corta um dobrado para se classificar para a Copa do Mundo. Aí, quando você vai, joga para se defender, vai para impedir que o melhor jogue. De repente, quando está precisando do placar, está sendo eliminado, aí você sai pro jogo?", critica Caju, referindo-se aos jogos que eliminaram as seleções da Itália e dos Estados Unidos deste Mundial.

"Pega os Estados Unidos, por exemplo. Os caras não sabem nem passar a bola. Eles têm um jogador razoável o Donovan. Mas ninguém queria ver os EUA jogarem", observa.

"Isso acontece por que a Fifa expandiu a Copa para 32 seleções. Isso diminuiu a qualidade, já que antigamente eram as 16 melhores que jogavam. A Copa de 1970 foi a melhor de todas, Além do Brasil tinha outros times bons, como Alemanha, Uruguai, Itália e Peru, tinha espetáculo".

O palpite de Caju para a final da Copa do Mundo, que acontece hoje, às 15h30, é de que a Espanha seja sagrada campeã. “Esta será uma final de duas escolas que evoluíram muito no futebol europeu nos últimos anos. Mas acredito na vitória da Espanha”.

Sobre a demissão de Dunga, Caju afirmou que “já vai tarde”. Paulo Cézar criticou a postura do ex-técnico da seleção durante a competição. “O Dunga para mim agiu como um infeliz. Grosseiro, mal educado e xingando todo mundo”.

Para ele, as possíveis indicações de Mano Menezes e Luiz Felipe Scolari (Felipão) para ocupar o cargo não trariam novidades para o futebol da seleção. “Eles vêm da mesma escola gaúcha de futebol. O novo técnico da seleção, na minha opinião, deveria ser o Vanderlei Luxemburgo – que é o melhor técnico brasileiro da atualidade”.

Ao ser questionado sobre a aparente falta de talento no futebol brasileiro, Caju afirma que o talento existe, mas que é preterido pelos técnicos.

Futebol: um esporte marginalizado

O ex-jogador, que atuou em uma das épocas mais polêmicas do futebol brasileiro, lembrou a ousadia do ex-companheiro do Botafogo e amigo Afonso Celso Garcia Reis – o Afonsinho.

Afonsinho ficou famoso por ser um dos primeiros jogadores a se rebelar contra a situação dos atletas, considerados "escravos dos dirigentes e empresários" e foi pioneiro na conquista do passe livre.

“Você tinha que ser muito ousado e corajoso. Na época ele já era diferenciado e brigou pelos direitos dele. Foi um marco, e ele carrega essa bandeira até hoje. Tinha que ter muita coragem para encarar, além dos militares, os dirigentes de futebol. O nível era outro, os jogadores de futebol eram uma classe marginalizada, tida mais ou menos como escrava”.

Caju afirma que nunca permitiu a exploração. “Nunca fui tratado como escravo. Também era rebelde! Aos 17 anos chutei o balde e xinguei todo mundo – no Botafogo. Mas foi ele (Afonsinho) quem realmente abriu as portas para todos nós”.

Da infância pobre ao reconhecimento internacional

Nascido na favela da Cachoeira, no Rio de Janeiro, Caju explica que a carreira bem sucedida foi fruto de muita dedicação e trabalho. “Saí de uma favela e fui adotado aos 10 anos – o que foi a minha grande felicidade. Para minha sorte, na minha geração, a favela não tinha bandido, tráfico de drogas e nem armas. Tinha a questão da índole e minha mãe realmente me deu educação. Mas eu sabia que não queria aquele mundo pra mim. Depende de você”.

Ele critica a postura alienada da maioria dos muitos jogadores da atualidade e diz que, acima de tudo é preciso encontrar equilíbrio. “Eles são alienados. A cabeça deles é 'eu quero uma Ferrari, eu quero uma Porche, eu quero uma BMW'. Eles não leem, não vão ao teatro, não vão ao cinema e não alimentam a cabeça”.

Caju explica que enquanto atuou como jogador fez questão de aproveitar todas as oportunidades. Aos 24 anos, quando foi contratado pelo Olympique (clube do futebol francês da cidade de Marselha) rejeitou a cláusula contratual que dizia que teria direito a um tradutor e optou por aprender sozinho o idioma.

“Na hora que eu estivesse no campo o tradutor não ia estar do meu lado então, decidi aprender sozinho. Hoje falo, leio e escrevo francês e também falo espanhol. Tenho amigos na música, no cinema, no teatro. O futebol é o esporte mais querido do mundo. É preciso saber aproveitar as oportunidades que ele traz. Voltando ao assunto dessa garotada, acho que eles têm mais é que ganhar dinheiro mesmo, mas não podem é ficar alienado”.

Sobre a ditadura

Em relação ao regime militar, que comandava o país após o golpe de Estado de 1964 e se refletia em todas as atividades do país, Caju nega que houvesse interferência na Seleção Brasileira, no sentido de escalação ou convocação do time.

A Seleção Brasileira foi treinada pelo jornalista João Saldanha nas eliminatórias da Copa do Mundo de 1970. "O Saldanha era comunista, era muito amigo do meu pai e foi treinador do Botafogo por muito tempo. Nas eliminatórias, Saldanha montou três times, com base no Santos, no Botafogo e no Cruzeiro". Na época, o general Médici, que ocupava o cargo de presidente, queria a convocação do centroavante Dario, mas Saldanha não o convocou.

Depois de um período de turbulências, que os historiadores atribuem a provocações contra Saldanha, a CBF demitiu o técnico e colocou em seu lugar o ex-jogador Mario Jorge Lobo Zagallo.

"Quando Saldanha saiu, entrou Zagalo, que convocou o Dario, mas isso não teve ligação com o Medici", afirma Caju. "Entre a gente não comentavamos nada disso", continua. Para ele, a única manifestação da ditadura na Seleção era a presença de militares na comissão técnica.

"Na preparação física tinha 4 capitães do exécito. O almirante Gerônimo Bastos chefiava a delegação, mas eles não interferiam na escalação do time" afirma.

O ídolo de Bob Marley

Entre as oportunidades que a carreira de jogador de futebol lhe proporcionou, Paulo Cézar destaca as amizades. Ele falou da experiência inédita e da relaçaõ com o ídolo do reggae Bob Marley.

“Um dia eu estava treinando no Vasco, em São Januário, e apareceu a Glória Maria falando que tinha acabado de chegar ao Rio um grande artista do reggae: o Bob Marley”. Paulo Cézar conta que a primeira pergunta que a repórter fez ao músico foi o que ele gostaria de fazer na cidade maravilhosa durante a viagem. “Ele respondeu que queria passar a semana com um de seus ídolos da seleção de 70, o Paulo Cézar Lima. Então, ela me retirou do treino e nós fomos para o Copacabana Palace, que era o hotel em que ele estava hospedado”.

O roteiro turístico pela capital carioca incluiu uma partida de futebol no Politheama – time de Chico Buarque de Holanda. Na equipe de Bob Marley jogaram: Junior Marvin, Caju, Toquinho, Chico Buarque e Jacob Miller. O time adversário foi composto por Alceu Valença, Chicão (músico da banda de Jorge Ben Jor) e mais quatro funcionários da gravadora.

O placar da partida foi 3 a 0 – com gols de Caju, Bob Marley e Chico. O gol mais comemorado por Bob foi o feito por Caju. O músico chegou a manifestar sua admiração pelo jogador: "Sou fã de seu futebol".

“Foi uma coisa maravilhosa. Ele era uma figura linda. Não tem como não se emocionar” afirmou Caju.

Por Humberto Alencar e Mariana Viel