Ana C. Cavalcante – Desindustrialização: a modinha do exagero

 Não se fala em outra coisa nas rodas econômicas: o Brasil está-se desindustrializando. Depois da crise deflagrada no ambiente financeiro e que assolou o mundo entre 2008 e 2009, a moda agora é entoar o discurso da indústria encolhendo por causa da invasão dos importados.

 A conjuntura mundial é o alegado pano de fundo do movimento, que consiste na substituição da produção nacional pela compra de produtos feitos em outros mercados – como a China, por exemplo. Processo amplamente estimulado pela desvalorização do dólar que, em última análise, barateia a importação. A guerra cambial até pode, à primeira vista, ser um argumento imbatível. Pode… Mas, nenhum argumento é forte o bastante contra os fatos.

É bom que se diga aqui, neste Cenário, que a indústria realmente vem contabilizando déficits (leia saldo negativo na relação exportações x importações), há pelo menos dois anos – desde a crise, mais precisamente. Também é verdade que o real muito valorizado encarece as exportações brasileiras e aumenta a tentação das importações, especialmente de artigos de alto valor agregado, em detrimento dos produtos nacionais que acabam perdendo parte do mercado interno para seus correspondentes estrangeiros.

Mas fundamental é mesmo dizer que nenhum indicador da indústria sequer sinaliza a existência de desindustrialização no Brasil. Desde salários pagos à capacidade instalada, passando pelo patamar de produção e empregos gerados, nada – absolutamente, nada – indica que o País parou de produzir os “made in Brazil” . A julgar pela contabilidade desses índices industriais constantemente medidos, a indústria brasileira vai muito bem,obrigado!

Nada contra bons argumentos. Mas como se diz por aí, frente aos fatos não há discussão possível. De acordo com os manuais de economia, a desindustrialização pode ser definida como a perda de participação da indústria no PIB (Produto Interno Bruto) do país. Também é reconhecida pela redução gradual e permanente do número de vagas ofertadas por seu parque, em comparação ao emprego total de um mercado. E isso, definitivamente, não está ocorrendo no Brasil.

Vivemos todos sob a égide da globalização. O que acontece lá repercute aqui. O encolhimento da participação da indústria é um fenômeno mundial. E decorre, em grande parte, da grave crise cambial que atinge os mercados. É bom lembrar: a economia também é uma engrenagem circular, onde todos os elos precisam funcionar em sintonia. Por essa razão, a depreciação do dólar, nos Estados Unidos, e a subvalorização do chinês yuan (ambos processos artificiais, vale observar) tornam os produtos alheios muito mais caros.

Gargalo é outro

Se por um lado, não há desindustrialização no Brasil, por outro, falta uma política industrial capaz de dar sustentação permanente ao setor e torná-lo apto a ir além das ondas globais de crescimento ou recessão, dando suas próprias braçadas. Uma blindagem para garantir a evolução apesar de momentos difíceis do cenário internacional, como este. E não falo de medidas no âmbito cambial, não. Isso só não bastaria. O gargalo nacional é o chamado custo Brasil.

Os industriais têm reivindicações que fazem todo o sentido. Eles dizem que, para a indústria avançar consistentemente, é preciso no mínimo três coisas: reduzir a carga tributária, baixar os juros e melhorar o chamado ambiente de negócios (aqui, entram aspectos como burocracia, falta de crédito e qualificação profissional, entre outros). Isso sim, segundo o uníssono do setor, fortaleceria o parque nacional.

O exagero das expectativas é hábito nas economias, desde os primórdios. No Brasil não é diferente. O ambiente de tensão em torno de qualquer aspecto do mercado produz efeitos negativos, mas também beneficia alguns segmentos. É sempre assim. Cabe ao cidadão, especialmente os formadores de opinião, tomar muito cuidado com as projeções que tratam de transformar em “verdades”.

Contudo, paralelamente ao atendimento das demandas patronais, é necessário proporcionar também a melhoria dos salários e a qualificação dos trabalhadores. Sem essa condição, nenhuma política industrial será capaz de garantir produtividade e competitividade para a sagrada indústria nacional.

Caixa Preta

O tema está na pauta do dia. Por isso trago uma explicação simples sobre essa tal de “doença holandesa”, que vem tomando o noticiário econômico por causa da crise do câmbio e do debate em torno da desindustrialização.

Trata-se de um fenômeno econômico caracterizado pela incidência de desindustrialização num mercado determinado. Recebeu esse nome por inspiração de uma alta dos preços do gás, na década de 1960, que resultou no aumento das exportações da Holanda. Esse movimento acabou por valorizar o florim (moeda holandesa da época). Em suma, “doença holandesa” significa a atração de dólares pela exportação excessiva de commodities e a consequente valorização da moeda local.

Em tempo: a polêmica sobre a desindustrialização voltou ao debate econômico e político puxada pelo déficit da indústria da transformação de US$ 7,1 bilhões, só no primeiro trimestre deste ano. E também pelo avanço do agronegócio, marcado pelas vendas de commodities no mercado internacional.

A coisa está mudando

Piauí, Ceará e Goiás foram os campeões do crescimento econômico, no ranking nacional divulgado pelo IBGE, nesta quarta-feira (17). Estes três estados registraram as maiores altas em seus PIBs, no período. A pesquisa também fez as contas de 2004 a 2008 e constatou que São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná e Rio Grande do Sul ainda concentram 2/3 do PIB brasileiro. Embora, os outros 22 estados ainda tenham que dividir 33% da riqueza nacional, há um claro movimento de descentralização do crescimento. Ao passo que São Paulo reduziu sua parcela do PIB de 40% para 33%, os demais mercados avançaram mais rápido. O IBGE não tem medo de anunciar que está havendo melhor distribuição econômica. E olhem só, queridos leitores-internautas, o crescimento é puxado pela indústria.

Ana Cristina Cavalcante  é jornalista, com diploma, que adora Economia, Filosofia, rock inglês e futebol.

Fonte: InvestNE

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