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Craque da França promove uma corrida aos bancos na Europa

O conhecido jogador de futebol Eric Cantona convocou um movimento popular na França para retirar o dinheiro dos bancos no próximo dia 7 de dezembro (www.bankrun2010.com).

Por Alberto Montero Soler, no Informação Alternativa

Para conhecer os possíveis efeitos desta iniciativa, entrevistamos Juan Torres López, Catedrático de Economia, membro do Comité Científico da ATTAC Espanha e autor dos livros Desiguales. Mujeres y hombres en la crisis financiera (Icaria), com Lina Gálvez, e La crisis de las hipotecas basura. ¿Por qué se cayó todo y no se ha hundido nada? (Sequitur), com a colaboração de Alberto Garzón.

Informação Alternativa: Que efeitos teria uma medida como esta que propõe Cantona?
Juan Torres López: Logicamente, depende do seu seguimento. Se se fizesse massivamente, os bancos não teriam liquidez suficiente para devolver os depósitos aos seus clientes porque a banca ocidental opera com um sistema chamado de reservas fracionárias. Isto significa que, de todo o dinheiro que um cliente ingressa, só conserva uma pequena parte (atualmente, cerca de 2%, mais algumas percentagens adicionais dependendo da regulação de cada país). O resto, utiliza-o para dar créditos. Portanto, o dinheiro dos depósitos "não está" no banco a não ser na forma de anotações, pelo que na sua totalidade não se poderia retirar.

IA: Isso quer dizer que os bancos não "conservam" o dinheiro dos seus clientes, antes o usam para criar mais dinheiro?
JTL: Efetivamente. O negócio da banca é esse: criar meios de pagamento mediante a geração de dívida. A cada vez que dão um crédito com essa parte do depósito que não reservam, criam dinheiro. Não dinheiro legal (moedas e notas), mas dinheiro bancário.

Informação Alternativa: E ganha com isso…
Claro que ganha. Vontade mais dinheiro, porque cobra mais por emprestar que por receber depósitos. E vontade poder porque, como todo o mundo sabe, o dinheiro dá poder de decisão e de satisfação.

Informação Alternativa: E os governos não poderiam evitar uma situação desse tipo, impossibilitando a retirada dos depósitos?
Teoricamente, os governos comprometeram-se a garantir os depósitos dos clientes, mas logicamente na sua manifestação de dinheiro bancário. O que se passa é que se todos, ou um número muito elevado, fôssemos ao mesmo tempo tirar o dinheiro, isso seria impossível. O que os governos fizeram foi na verdade um faz de conta enquanto subsistir o sistema de reservas fraccionárias. Ora bem, num momento dado podem decretar que não se possa retirar o dinheiro, como ocorreu na Argentina para ajudar os bancos e os grandes aforradores.

Informação Alternativa: Você acredita que o apelo de Cantona vai ser bem sucedido?
Suponho que inicialmente não será seguido por milhões de pessoas. Por isso, não acho que seja tão relevante pelo problema de liquidez que vá gerar como pelo fato de que adverte que as pessoas estão a começar a ficar fartas, e com razão, dos bancos. Uma vez li que Henry Ford tinha dito que, se as pessoas soubessem o que fazem os bancos com o seu dinheiro, no dia seguinte haveria uma revolução.

Informação Alternativa: Tão negativo foi o papel dos bancos nesta crise?
Acho que sim. Se me é permitida a expressão, foram ao mesmo tempo a arma do crime e inclusive quem apertou o gatilho. Em lugar de canalizar a poupança que receberam para o investimento produtivo, levaram-na para a especulação.

E para outros negócios sujos: são os bancos que permitem branquear o dinheiro, que se instalam nos paraísos fiscais, que servem de veículo para traficar com armas, com drogas, com pessoas ou para que os terroristas movam o seu dinheiro, que financiam com milhares de milhões os negócios mais sujos e as pessoas mais inapresentáveis do mundo, enquanto os pequenos e médios empresários suam as estopinhas para obter créditos de uns poucos milhares de euros.

E, além disso, graças ao poder financeiro que acumulam, estenderam a sua influência à política, aos meios de comunicação, à criação do pensamento, à educação… E impuseram as políticas que produzem grande desigualdade e assim dão lugar a que as crises sejam tão recorrentes e graves. Não há um sector decisivo da vida social que hoje em dia se mova livre da influência da banca.

Informação Alternativa: Então, você acha que está justificado que as pessoas tirem o dinheiro dos bancos?

Inteiramente, mas com matizes. As pessoas têm o direito, e eu diria que até o dever moral de indicar à banca que tudo isso faz, que assim não, que não querem que com o seu dinheiro se faça todo esse tipo de coisas. Mas digo que eu matizaria porque há banca ética e nem todos os bancos se comportaram da mesma forma. O que há que fazer é ligar esta expressão de raiva e de rejeição à banca suja com a exigência de um novo tipo de banca. A mobilização da poupança e pô-la à disposição de quem precisa de financiamento externo para criar riqueza, isto é, a atividade financeira, é fundamental em qualquer economia. É uma tolice renunciar a isso. Por isso, o importante não é só tirar o dinheiro dos bancos que efectivamente estão a fazer tanto mal, mas criar outro sistema financeiro ético, limpo, transparente, ao serviço da criação de riqueza.

Informação Alternativa: E como seria esse outro sistema financeiro?
Pois acho que em lugar de ser um sistema cada vez mais centralizado e concentrado, como querem os donos da banca privada para melhor controlar os mercados e a sociedade, deveria organizar-se em diferentes planos. Evidentemente, acho que deve haver bancos de dimensão importante e internacional porque hoje em dia é preciso financiar projectos de desenvolvimento de grande envergadura. Mas não podem ser nem privados (porque logicamente só procurariam o seu próprio benefício) nem tão antidemocraticamente controlados como hoje está, por exemplo, o Banco Mundial. E para evitar isto, o melhor é que estejam muito "ao lado" das pessoas, que estejam submetidos a princípios de atuação muito rígidos e a um constante, plural e democrático controle social.

Informação Alternativa: E estes bancos maiores continuariam a atur com reservas fracionárias?
Não, não, essa é a lógica que há que mudar. Se se continuar assim, voltaremos a estar sempre no mesmo. Há formas de fazer com que uma banca sem reservas fracionárias funcione perfeitamente e cumpra com a sua tarefa de financiadora da atividade produtiva. Não digo que seja fácil de organizar, mas pode-se fazer.

Informação Alternativa: E o resto?
O sistema financeiro funciona melhor e provoca menos problemas quanto mais descentralizado está. Há que criar redes e um sistema de finanças multinível e multifuncional. E é fundamental que as pessoas que poupam seja donas também do destino da sua poupança, que intervenham na hora de decidir o seu uso. Assim seria muito mais fácil que todos fôssemos mais imaginativos e empreendedores, que não vejamos a criação de riqueza, de emprego ou de segurança e bem-estar como "coisa dos outros", mas também nossa, que depende da nossa atividade e trabalho, da nossa poupança, das nossas iniciativas e das nossas decisões.

Há que conseguir que as finanças não escravizem os consumidores ou pequenos e médios empresários, que afinal de contas são os que criam e suportam em Espanha mais de 90% do emprego. E, para isso, o melhor é que todos eles sejam quem decide o que se faz com a poupança e não que dependa das grandes e afastadas instituições financeiras que, logicamente, procuram maximizar os seus lucros com uma perspectiva global.

Que importa ao Banco de Santander, que tem que conseguir que os seus lucros sejam cada vez mais elevados, o efeito da sua atuação financeira numa mulher de El Bierzo que precisa de 1,5 mil euros para pôr em andamento um cabeleireiro, ou num carpinteiro que emprega cinco trabalhadores numa aldeia de Lugo e que necessita de 5 mil euros para mudar as máquinas? Podem dizer o que quiserem na propaganda, mas a realidade é que o balanço de resultados dos grandes bancos que hoje em dia dominam as finanças depende de outras variáveis e não se vão ocupar de que funcionem bem esses "negócios ordinários da vida", que são os que Alfred Marshall dizia que constituem o objecto da economia.

Informação Alternativa: Refere-se a potenciar o que se chama agora as microfinanças?
Sim, mas não apenas elas. Há que criar e potenciar redes interpessoais de socorro financeiro, para designá-lo de alguma forma. As finanças também têm que ter ver com a solidariedade e a generosidade. Mohamed Yunus demonstrou com as suas experiências de microcréditos que as finanças baseadas nesses valores ajudam mais a sair da pobreza e a criar riqueza que os do lucro ou, evidentemente, os que impulsionam a especulação financeira. Mas há, também, que gerar outro tipo de finanças a outro nível intermédio.

Como digo, não faz sentido que o financiamento de autónomos, de pequenos empresários ou de pessoas que na maioria das vezes precisam de apoio financeiro de pequeno ou médio estatuto dependa de corporações financeiras gigantescas. É muito melhor que isso esteja ligado à poupança descentralizada. Sempre se fez assim e houve mais disposição financeira para a criação de riqueza. Agora parece que vivemos na abundância de meios de financiamento, mas na realidade só a houve e há para financiar grandes negócios ou para gerar dívida artificial dedicada a financiar bolhas e especulação.

Informação Alternativa: Então você recomendaria tirar o dinheiro dos bancos convencionais? Você tirará o seu dinheiro?

Bom, eu sou cliente do Triodos Bank. Poder-se-ia dizer que já o retirei, pelo menos em sua grande parte, porque ainda há grandes dificuldades para que todos os recibos ou pagamentos se possam tramitar fora da banca tradicional. E há outras alternativas para depositar a poupança, Fiare, cooperativas diversas em algumas comunidades autónomas. Embora ainda respondam ao mesmo sistema de reservas fraccionárias, têm muito mais transparência e não fazem os investimentos desprezíveis que a banca convencional faz.

Informação Alternativa: E haveria que fazer isso massivamente?

Eu creio que deveríamos estar massivamente conscientes do que está a fazer a banca convencional, de que é preciso que haja outra diferente, pública e privada, sem o privilégio de criar dinheiro privado. E, evidentemente, que quanto mais pessoas levem o seu dinheiro à banca ética ou às cooperativas de crédito, muito melhor.

Informação Alternativa: Mas pode-se utilizar a retirada de fundos como uma arma contra a banca? Não provocaria isso um curralito, uma falência generalizada dos bancos?

Vejamos, vamos por partes. Se os bancos estão agora próximo da falência ou inclusive em falência dissimulada não é precisamente por culpa dos clientes que queiram proteger o seu dinheiro da irresponsabilidade e cobiça dos banqueiros. Além disso, as pessoas têm o direito de retirar o dinheiro da banca quando quiserem. É seu! E, se quiserem fazê-lo massivamente, o que em todo o caso faria falir os bancos não seria essa decisão dos clientes, mas o sistema de reservas fraccionárias.

Informação Alternativa: Mas não é uma irresponsabilidade o apelo de Cantona?

Possivelmente, isso é o que dirão aqueles que afundaram o sistema financeiro mundial provocando uma crise quase sem precedentes ou aqueles que os apoiam a partir dos governos, mas a irresponsabilidade pelo que se possa passar no sistema financeiro não é de Cantona. Seria bom! Cantona é um cidadão, como tantos outros, que está farto dos irresponsáveis. Outra coisa é que esta medida vá ser decisiva e que seja útil por si só.

Informação Alternativa: Que quer dizer com isso?

Pois que não basta dizer às pessoas que tirem o dinheiro dos bancos. Isso está bem como troça, como chamada de atenção, como aviso, como provocação… Mas é preciso que haja alternativas. Essa proposta não pode ser um fim em si mesma. Em todo o caso, deve ser uma medida de pressão a favor de algo. Eu acho que deve ir acompanhada, se é que é tomada, da reivindicação da banca pública, do desaparecimento dos bancos responsáveis pela crise, de outras políticas econômicas e financeiras, da exigência de novas normas e modo de funcionar nas finanças e, sobretudo, da exigência de garantias de que se volte a financiar a economia para que esta funcione, que é o que agora a banca privada não está a garantir.

Nessa linha trabalhamos, por exemplo, na ATTAC. O que se passa é que, logicamente, não se pode descartar que, se os bancos continuarem a extorquir os governos, se continuarem a atacar os Estados e a exigir cortes de direitos para que eles saiam em frente, as pessoas se cansem. E eu seria o primeiro a estar a favor de medidas bem mais contundentes. Porque se eles são insaciáveis, a paciência das pessoas tem um limite.