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Rezende: Burocracia torna ciência brasileira menos competitiva

O físico carioca Sérgio Rezende deixará em 31 de dezembro o MCT (Ministério da Ciência e Tecnologia), que esteve sob seu comando por mais de cinco anos. Nesta entrevista à Folha de S.Paulo, ele reconhece que, apesar dos avanços de sua gestão, a burocracia ainda é um dos grandes inimigos dos cientistas brasileiros.

Ele também defendeu a escolha do petista Aloizio Mercadante como seu sucessor: "Certamente pode ter um papel de influência no governo". Leia os melhores trechos da conversa abaixo.

Folha: O sr. está saindo de uma gestão considerada positiva. Isso é raro…
Sérgio Rezende:  Eu só espero que as pessoas não fiquem com saudades de mim [risos]. Tivemos mais recursos e, acompanhando isso, uma atuação mais forte do governo federal em incentivar e apoiar a pesquisa e inovação nas empresas.

Isso é uma mudança grande. Nossa política científica sempre foi desvinculada da política industrial -que, por sua vez, teve seus altos e baixos. Não havia acontecido até agora uma articulação entre ciência e indústria. Estamos aprendendo a fazer isso, mas avançamos muito.

Folha: Ter 1,3% do PIB destinado à ciência é suficiente?
Rezende:
Passar de 1% foi mudar de patamar. Tínhamos planejado chegar a 1,5% do PIB e chegamos a 1,3%. No entanto, em números absolutos, nós atingimos a meta, porque o PIB do Brasil cresceu muito e continua crescendo.

Folha: Mas qual seria o ideal?
Rezende: Os países desenvolvidos têm em média 2,5% do PIB investido em ciência. Mas esses países têm muito mais cientistas: são dois cientistas para cada 10 mil habitantes. Nós temos um pesquisador para 10 mil pessoas. Se tivéssemos mais recursos, eles não seriam utilizados.

Precisamos formar mais gente, e isso é um processo gradual. A ideia é que a gente chegue a 2022 com dois pesquisadores para cada 10 mil habitantes e com 2,5% do PIB em ciência.

Folha: Ainda há barreiras por parte de quem acha que dinheiro público não deve ser gasto com ciência nas empresas?
Rezende: Existe um pouco. Essas vozes estão ficando isoladas. Felizmente nós estamos passando dessa fase. Há 20 anos se dizia que o dinheiro público deve ficar na universidade e que empresa não deveria fazer pesquisa. Dizia-se que ciência não combina com lucro. Isso é uma bobagem.

Folha:
Esse tipo de crítico também costuma dizer que não dá para fazer "Big Science" [ciência cara e de grande porte] num país que ainda tem gente passando fome.
Rezende: A ciência feita com intensidade, com aplicações, contribui de maneira eficaz para resolver os problemas sociais. O melhor exemplo que temos é da Coreia do Sul, a qual, na década de 1970, era mais subdesenvolvida que o Brasil. Eles investiram em tecnologia e inovação e, com isso, o país tirou milhões de pessoas da pobreza.

Folha: Qual foi o principal desafio da sua gestão?
Rezende: Nós tivemos um problema com o excesso de burocracia. Alguns desvios que aconteceram em fundações de amparo à pesquisa fizeram o TCU [Tribunal de Contas da União] tornar a execução de recursos muito mais difícil.

Hoje a burocracia é um dos entraves para a realização da atividade de pesquisa no Brasil de maneira mais tranquila. É uma burocracia para se usar os recursos, para explicar como usou. Um cientista brasileiro enfrenta muito mais burocracia do que um europeu para fazer o mesmo trabalho, e isso diminui a competitividade.

Nós conseguimos simplificar o procedimento de importação, mas ainda é bem mais difícil um pesquisador daqui comprar um equipamento de fora do que um pesquisador de outro país.
Nos outros lugares é assim: o pesquisador quer comprar um equipamento para fazer uma pesquisa e compra. Aqui não pode, tem sempre de fazer licitação e comprar o mais barato.

Eu decidi sair antes do resultado da eleição. Estou há dez anos consecutivos em atividade de gestão. No momento, quero me dedicar à atividade científica e não à gestão. A gestão do cotidiano, dos problemas, das pessoas, das confusões -isso é algo que desgasta.
Nós demos um salto no MCT, e eu acho que não conseguiria dar novo salto. Precisamos de novas ideias.

Folha: Mas o sr. já foi convidado para administrar alguma outra instituição?
Rezende: Sim, já tive mais de um convite. Mas já disse que não quero mais ter atividade executiva nos próximos anos. Estou indo para Pernambuco [na UFPE]. Estou envolvido em nanotecnologia de materiais magnéticos, já tenho alguns trabalhos. Há dois pós-doutores publicando resultados interessantes, e estou sem tempo de me juntar a eles, de entender o problema, de fazer teoria. Pode ser que em dois anos em volte à gestão, mas agora eu quero ser cientista.

Folha: Aloizio Mercadante será um bom ministro no seu lugar?
Rezende: Ele tem tudo para ser um bom ministro. É uma pessoa de visão larga, certamente pode ter um papel de influência no governo.