EUA querem afastar a China do jogo do petróleo na Líbia
Em entrevista à Press TV, o ex-secretário-adjunto do Tesouro dos EUA, Paul Robert Craig, fala sobre os verdadeiros objetivos dos EUA na Líbia e por que Barack Obama precisa derrubar Kadafi, quando nenhum outro presidente dos EUA o fez.
Publicado 23/04/2011 13:13
Segundo Craig, a lei já não significa nada para o poder executivo dos EUA. Os governantes já não obedecem às próprias leis, não obedecem ao direito internacional, violam as liberdades civis e enterraram o fundamental do habeas corpus, de que não há crime sem dolo, e o direito do réu a estar legalmente representado. Leia a íntegra da entrevista, concedida no Panamá.
Press TV: A Rússia criticou a Otan por ir muito para além do mandato da ONU. Uma outra notícia fala de um artigo de opinião que terá sido escrito por Obama, Cameron e Sarkozy, que disseram que “deixar Kadafi no poder seria uma traição irresponsável ao povo líbio”.
Nós sabemos que o mandato não exige mudança de regime e a Administração Obama diz que não estão lá para mudar o regime, mas as coisas parecem agora um pouco diferentes, não é verdade?
Roberts Craig: Pois parecem. Antes de mais nada, note-se que os protestos na Líbia são diferentes dos do Egito, do Iêmen, do Bahrein, ou da Tunísia e a diferença é que aqui se trata de uma rebelião armada.
Há mais diferenças: outra é que estes protestos têm origem no leste da Líbia, onde há petróleo, não na capital. E temos ouvido desde o início relatos fidedignos de acordo com os quais a CIA está envolvida nos protestos, e tem havido um grande número de relatos da imprensa segundo os quais a CIA enviou para a Líbia os seus agentes líbios para comandar a rebelião.
Na minha opinião, trata-se de afastar a China do Mediterrâneo. A China tem grandes investimentos em energia e em construção na Líbia. Os chineses apontam para a África como uma futura fonte de energia.
Os EUA estão a combater isto organizando o Comando Africano dos EUA (USAC), a que Kadafi recusou juntar-se. Essa é a segunda razão por que os americanos querem mandar Kadafi embora.
E a terceira razão é que a Líbia controla parte da costa mediterrânica, e não está em mãos norte-americanas.
Press TV: Quem são os revolucionários? Os EUA dizem que não sabem com quem estão a lidar, mas considerando que a CIA está no terreno, em contacto com os revolucionários, quem são as pessoas que vão governar a Líbia numa eventual era pós-Kadafi?
RC: O fato de a Líbia ser ou não governada por “revolucionários” depende da CIA ganhar; ainda não sabemos. Como você disse anteriormente, a resolução da ONU impõe restrições sobre o que as forças europeias e norte-americanas podem alcançar na Líbia. Eles podem impor uma zona de exclusão aérea, mas não deveriam estar lá, lutando ao lado dos rebeldes.
Mas é claro que a CIA está a fazer isso. Então, estão a violar a resolução da ONU. Se a Otan, que agora representa a “comunidade internacional”, conseguir derrubar Kadafi, o próximo alvo será a Síria, que foi já diabolizada.
Porque é que a Síria é um alvo? Porque os russos têm uma grande base naval na Síria. E esta dá à marinha russa uma presença no Mediterrâneo; os EUA e a Otan não querem isso. Se forem bem sucedidos contra Kadafi, a Síria virá a seguir.
Já estão a responsabilizar o Irão pelo que se passa na Síria e na Líbia. O Irão é um alvo fundamental, porque é um Estado independente que não é um fantoche dos colonialistas ocidentais.
Press TV: Em relação à agenda expansionista do Ocidente, quando o mandato da ONU na Líbia foi debatido no Conselho de Segurança da ONU, a Rússia não o vetou. Certamente que a Rússia deve ter atenção à política expansionista dos EUA, França e Grã-Bretanha.
RC: Sim, têm de perceber isso, e o mesmo se aplica à China. É uma ameaça maior para a China, porque ela tem 50 grandes projetos de investimento no leste da Líbia. Então a questão é, porque é que a Rússia e a China se abstêm em vez de vetar e bloquear? Não sabemos a resposta.
Possivelmente, estarão a pensar deixar os americanos avançar até ao limite, ou talvez não tenham tido a intenção de confrontar os EUA com uma tomada de posição militar ou diplomática e ter uma avalanche de propaganda ocidental contra eles. Não sabemos as razões, mas sabemos que se abstiveram porque não concordavam com a política e continuam a criticá-la.
Press TV: Uma parcela considerável dos ativos de Kadafi nos EUA foi congelada, assim como em alguns outros países. Sabemos também que os revolucionários da Líbia criaram um banco central, que iniciaram a produção limitada de petróleo e que estão a negociar com empresas dos EUA e doutros países do Ocidente. Temos que colocar aqui uma questão, nunca vimos uma coisa assim acontecer no meio de uma revolução. Não acha estranho?
RC: Sim, é muito estranho e muito sugestivo. Torna a colocar na ordem do dia os relatórios segundo os quais a CIA está na origem da designada revolta e dos protestos e de que está a fomentá-los e a controlá-los de uma maneira que exclui a China dos seus investimentos em petróleo líbio.
Na minha opinião, o que está acontecendo é comparável ao que os EUA e a Grã-Bretanha fizeram ao Japão nos anos 1930. Quando impediram o acesso do Japão ao petróleo, à borracha, aos minerais; foi essa a origem da II Guerra Mundial no Pacífico. E agora norte-americanos e britânicos estão a fazer a mesma coisa à China.
A diferença é que a China tem armas nucleares e também tem uma economia mais forte que os norte-americanos. E assim, estes estão a correr um risco muito elevado, não apenas consigo próprios, mas com o resto do mundo. O mundo inteiro está em jogo com a ganância norte-americana, a arrogância norte-americana; o impulso para a hegemonia norte-americana no mundo está a levá-lo para uma guerra mundial.
Press TV: No contexto da política expansionista dos EUA, até que ponto considera que estes ultrapassarão o mandato da ONU? Iremos ver o exército dos EUA no terreno?
RC: É o mais provável; a menos que consigam encontrar uma maneira de derrotar Kadafi sem chegar a esse ponto. Desde Bill Clinton, George W. Bush e agora Obama, que aprendemos que a lei não significa nada para o poder executivo dos EUA. Eles não obedecem às próprias leis, não obedecem ao direito internacional, violam as liberdades civis e enterraram o fundamental do habeas corpus, de que não há crime sem dolo, e o direito do réu a estar legalmente representado.
Não respeitam a lei, portanto não vão dar atenção à ONU. A ONU é uma organização-fantoche dos EUA e Washington irá usá-la como cobertura. Portanto, sim, se não conseguirem correr com Kadafi, irão colocar tropas no terreno; é por isso que temos os franceses e os britânicos envolvidos. Estamos a usar os franceses também noutro ponto de África; usamos os britânicos no Afeganistão. São marionetes.
Estes países não são independentes. Sarkozy não responde perante o povo francês; responde perante Washington. O Primeiro-ministro britânico não responde perante o povo Inglês, mas perante Washington. Estes são os governantes-marionetes de um império, nada têm a ver com seu próprio povo, somos nós quem os põe no poder.
Press TV: Então esses países gostariam de ter as tropas da Otan no terreno?
RC: Claro. Eles estão no bolso da CIA. É uma operação da CIA, não um protesto legítimo do povo líbio. É uma rebelião armada que não tem apoio na capital. Está a acontecer no leste, onde está o petróleo, e está apontada à China.
Press TV: Qual o rumo da situação? Parece haver um desacordo entre os países da Otan, com a Grã-Bretanha e França a quererem reforçar a dinâmica destes ataques aéreos, enquanto os EUA dizem que não, que não há necessidade.
RC: O desacordo não é real. É apenas parte do jogo, parte da propaganda. Kadafi governa há 40 anos; vem do tempo de Gamal Abdel Nasser (antes de Anwar Sadat), que queria dar a independência ao Egito.
Nunca antes Kadafi foi chamado de ditador brutal que tem de ser deposto. Nenhum outro presidente afirmou que Kadafi tinha que sair. Nem mesmo Ronald Reagan, que chegou a bombardear o seu complexo militar. Mas, de repente, tem que se ir embora. Porquê?
Porque está a bloquear o Comando Africano dos EUA, controla parte do Mediterrâneo e deixou a China procurar aí a satisfação das suas necessidades de energia para o futuro. Washington está a tentar enfraquecer o seu principal rival, a China, negando-lhe o acesso à energia. É disso que estamos a falar, uma reação dos EUA à penetração da China na África.
Se os EUA estivessem preocupados com ações humanitárias, não estariam a matar tanta gente no Afeganistão e no Paquistão com os seus drones [n. do. t e do Vermelho.: aviões militares não tripulados. agora usados na Líbia] e ofensivas militares. Os mortos são quase sempre civis. E os EUA estão relutantes em emitir pedidos de desculpas sobre qualquer coisa. Dizem que pensavam que estavam a atingir talibãs ou qualquer outro inimigo fabricado.
Press TV: Quem irá se beneficiar de tudo isto além dos EUA? O que têm os outros países que cumprirem os desejos dos EUA a ganhar com isso?
RC: Estamos a falar apenas dos países da Otan, os estados-fantoche dos EUA. Grã-Bretanha, França, Itália, Alemanha, todos pertencem ao império norte-americano. Temos tropas na Alemanha desde 1945. Estamos a falar de 66 anos de ocupação norte-americana na Alemanha. Os americanos têm bases militares em Itália. Como se pode ser um país independente deste modo? A França foi relativamente independente até Washington pôr Sarkozy no poder.Todos eles fazem o que lhes dissermos.
Washington quer mandar na Rússia, na China, no Irão, em África, e em toda a América do Sul. Washington quer a hegemonia sobre o mundo. É isso que a palavra hegemonia significa. E Washington vai persegui-la a todo custo.
Fonte: Odiario,info. Tradução de André Rodrigues P. Silva