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UBM: "Os túmulos erguidos no Brasil não são democráticos"

A última mesa do 8º Congresso da União Brasileira de Mulheres (UBM) ocorreu neste domingo (12), precedendo a plenária final. Com o tema “Rumo à 14ª Conferência Nacional de Saúde: Direitos Sexuais e Reprodutivos e Controle Social pelo Movimento Feminista e de Mulheres”, a mesa contou com as intervenções da representante do Ministério da Saúde Kátia Souto, além da médica Fátima Duarte e a coordenadora da UBM-SC Simone Lolatto.

Após uma noite de sábado animada pela integração das delegadas em atividades culturais concomitante com a realização de uma conferência livre de juventude, o 8º Congresso da UBM teve continuidade neste domingo com a mesa de saúde.

Confira as imagens da Conferência Livre de Juventude e das atividades culturais:

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Kátia reafirmou a importância do debate sobre os direitos sexuais e reprodutivos, mas concentrou sua fala no convencimento de que a pauta de saúde da mulher é mais ampla. Kátia informou que há doenças relacionadas à maior presença da mulher no mercado de trabalho, como doenças coronárias, diabetes, Lesão por Esforço Repetido (LER) e outras enfermidades que atingem sobretudo as mulheres.

Kátia Souto defendeu a educação sexual nas escolas como política fundamental para o país.

Para ela, é preciso “olhar corpo feminino de maneira holística”. A saúde da mulher negra, por exemplo, deve considerar as condições de vida desta mulher, defende Kátia. “A saúde para mulher é pensada para mulher branca, heterossexual, em uma relação estável. Agora isso começa a mudar”, declarou. Para ela, não basta tratar de doenças ligadas às características étnicas, como a anemia falciforme, que atinge mais a população negra, “é preciso olhar condições de vida dessas mulheres, pois os indicadores são piores do que das mulheres brancas, há mais mortalidade materna e mortalidade neonatal por conta das condições de vida das mulheres negras”, exemplificou. Kátia alertou ainda que o debate com a mulher indígena exige considerar a questão cultural.

Mudar o imaginário

O desafio, considerou a representante do Ministério da Cultura, é fazer a inversão do conceito de assistência para promoção, prevenção. “O imaginário da sociedade é medicamentoso, hospitalocêntrico: na sociedade, na gestão e no movimento também!”, disse. Em seguida, defendeu que as mulheres devem ir para as ruas em defesa do Sistema Único de Saúde (SUS) e da integralidade da saúde para mulheres e homens.

Kátia Souto defendeu que a responsabilidade da reprodução não pode ser exclusiva da mulher, precisa ser dividida com os homens.

Por fim, falou da importância do controle social e da participação da UBM na 14ª Conferência Nacional de Saúde, cujas etapas municipais começaram a acontecer em 1º de abril e vão até o dia 15 de julho. O tema da conferência é “Acesso e qualidade da atenção: desafios para o SUS”.

Legalização do aborto

Simone apresentou dados sobre a mortalidade por consequência de abortos feitos sob

Simone Lolatto ressaltou no caráter classista da mortalidade materna no Brasil.

condições de risco no Brasil, na América Latina e no mundo. As palestrantes Simone Lolatto e Fátima Duarte explanaram sobre a situação da mortalidade materna no Brasil e defenderam a legalização do aborto como política fundamental de saúde pública.

Simone explicou que o maior índice de mortalidade é das mulheres empobrecidas, a maioria negras. Ela disse, ainda, que a maioria das mortes por conseqüência de aborto realizado em condições de risco são evitáveis. “No país onde aborto é feito no sistema público, há atendimento multiprofissional. A mulher é levada a estabelecer uma reflexão. Ela volta para casa e é agendado para ela voltar em outro momento”, relatou Simone, procurando demonstrar que nos países onde o aborto é legalizado a mulher não pode realizar o procedimento por impulso e sem o devido acompanhamento.

Ao expressar que o aborto é a quarta causa de morte no Brasil – segundo Fátima Duarte, uma mulher morre a cada duas horas por consequência de aborto mal sucedido no país –, Simone defendeu que nenhuma mulher deseja passar pela experiência do aborto. “Os direitos humanos das mulheres incluem o direito ao controle e à decisão livre e responsável sobre questões relacionadas a sua sexualidade, sem coerção, discriminação ou violência”, finalizou.

A médica Fátima Duarte reforçou a ideia de que a morte por consequencia de abortos malsucedidos atinge sobretudo mulheres negras e pobres: "os túmulos erguidos no Brasil não são democráticos", sintetizou.

Fátima Duarte ressaltou o recorte de classe da mortalidade materna no Brasil. Fátima Duarte ressaltou a falta de informação sobre métodos contraceptivos e sobre direitos sexuais e reprodutivos, especialmente entre mulheres pobres. “Acidente Vascular Cerebral (AVC) e infarto matam mais no Brasil que todos os tipos de cancer juntos. Porque ninguém falou para essa mulher que a combinação de pílula anticoncepcional e tabagismo causa infarto e AVC”, bradou Fátima.

Os túmulos não são democráticos

Criticando as políticas que fogem ao enfrentamento com as concepções religiosas, Fátima alertou que “nenhum país do mundo diminuiu mortalidade materna apenas com pré-natal” e enfatizou: “os túmulos que são erguidos no Brasil não são democráticos”, referindo-se ao recorte de classe – que é também étnico – da mortalidade materna no país.

De Praia Grande, Luana Bonone