“Humala deve seguir modelo do Brasil”, avalia cientista político
A vitória de Ollanta Humala no Peru modificou as peças do cenário político da América Latina. Antes o Peru poderia ser enquadrado no grupo de países conservadores e mais alinhados aos Estados Unidos, distante dos processos de integração regional, mas conforme as primeiras declarações do presidente eleito, esse panorama deve mudar.
Publicado 07/07/2011 09:16
Para Carlos Antonio Romero, Doutor em Ciência Política professor titular no Instituto de Estudos Políticos da UCV (Universidade Central da Venezuela), além de a vitória de Humala reforçar o componente progressista latino-americano, é uma inquestionável vitória do governo brasileiro, que ganhou mais um aliado e parceiro.
Acompanhe abaixo a entrevista:
Opera Mundi: O que se pode esperar do governo de Humala?
Romero: Ainda é cedo para especulações, principalmente porque o Humala desse ano era diferente do candidato das eleições de 2006. A aliança naquele ano era basicamente de esquerda e com tendência militarista. Já a desse pleito era mais moderada, aberta a setores conservadores e empresariais, que não estiveram presentes na campanha anterior. Além disso, a polarização no segundo turno fez com que muitos eleitores escolhessem Humala por não quererem Keiko Fujimori, como é o caso de Vargas Llosa. Consideraram que Humala era “um mal menor”.
De início, Humala chega com uma postura menos radical, mas ainda paira a suspeita que ele terá um programa de governo ao estilo do presidente Hugo Chávez. No entanto, me atrevo a dizer que Humala será mais populista e reformista, ao estilo dos governos do PT (Partido dos Trabalhadores) no Brasil. Mas isso depende também da coalizão de forças, de quem vai ocupar os ministérios, como serão seus primeiros passos etc. Acho que o governo de Humala será bem diferente do de Alan García, menos próximo dos EUA e do poder empresarial do Peru, porém, sem enfrentamentos. Há importantes setores que apoiaram Humala, como os liderados pelo ex-presidente Alejandro Toledo.
Opera Mundi: O Brasil foi o primeiro país a ser visitado pelo presidente eleito e ele já anunciou favoravelmente em direção ao Mercosul e à Unasul. O que isso representa?
Romero: Indiscutivelmente, a eleição de Humala é uma vitória para o Brasil. Profissionais da Ciência Política, especialistas eleitorais e de opinião brasileiros, próximos ao PT, ajudaram Humala a deixar sua imagem mais moderada. No âmbito latino-americano, os primeiros passos de Humala devem ser o de seguir o modelo do Brasil. Ele disse que o Peru vai se direcionar ao Mercosul, contrapondo a visão de Alan García, que tampouco era pró-andina, mas em direção ao Pacífico.
Além disso, a CAN (Comunidade Andina de Nações) está fraca há tempos, não será culpa de Humala caso o Peru saia dela. A Bolívia segue muito comprometida com a Alba (Aliança Bolivariana para as Américas), ainda que siga como membro da Comunidade Andina. O mais provável é que o Peru não saia da CAN, mas tenha interesse maior no Mercosul.
Opera Mundi: Em 2006, a ligação entre Humala e Chávez era evidente. Já nestas eleições, houve um afastamento. Como deve ser a relação entre Peru e Venezuela daqui em diante, com relação à integração regional?
Romero: Em primeiro lugar, quando Chávez pensou a Alba, o fez com o propósito de que toda a América Latina a integrasse. Mas o organismo está estancado. Nenhum outro país ingressou e Honduras saiu. Em segundo lugar, Chávez já foi mais populista. Naquela época, ele radicalizou muito a política exterior, em temas como o Irã, e isso o afastou de alguns países da América Latina, inclusive dentro da Alba.
Dessa forma, acho que Chávez aprendeu que a ideia de que a Alba foi uma resposta latino-americana a Alca (Área de Livre Comércio das Américas) não se concretizou. Ele precisa entender que tanto a Unasul quanto a Celac (Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos) são instâncias muito menos ideológicas e radicais e mais plurais do que a Alba. No entanto, não acho que a aproximação de Humala com os mecanismos como o Mercosul e a Unasul modifique a postura de Chávez dentro de sua participação política na América Latina.
Opera Mundi: Como devem ficar as relações entre Peru e Chile?
Romero: É muito interessante porque as dificuldades o governo de Peru teve com o Chile não são ideológicos, mas sim históricos. Dentre eles, a limitação da fronteira e das áreas marítimas e submarinas. É um tema de caráter geopolítico, muito difícil para Humala. Para o presidente chileno também não é fácil. É bonito estarmos falando de integração econômica, abertura econômica, democracia e, no meio disso, surgirem temas tão espinhosos como a disputa territorial e sentimentos negativos entre as nações.
Opera Mundi: Como o senhor vê o surgimento de blocos regionais na região. Qual a importância desses processos de integração para a união e desenvolvimento da América Latina?
Romero: Há nesse momento uma intoxicação de ofertas de integração. Sempre fui cético quando os processos de integração se voltam para a política. Na essência, esses mecanismos são de integração econômica, basicamente orientados à promoção do intercâmbio entre os países latino-americanos. Mas este continua sendo o grande problema dos países latino-americanos, que não desenvolvem o comércio intra-regional.
Quando o foco é a política, esses esquemas começam a acumular muitas exigências e, na hora da verdade, não funcionam. Há grandes dificuldades aduaneiras, a exemplo de Argentina e Brasil e assimetrias econômicas – no caso venezuelano, é o problema do controle de câmbios. Portanto, existe uma prática de caráter basicamente bilateral e isso está limitando os mecanismos. No fundo, não há uma vontade de integração: muitos países firmaram TLCs (Tratados de Livre Comércio) unilaterais com os EUA e o Mercosul e a CAN não atingiram uma tarifa externa comum.
Opera Mundi: Alguns blocos deveriam ser priorizados?
Romero: Deve haver uma profunda reflexão sobre alguns dos mecanismos de integração. Temos aproximadamente 10 mecanismos regionais e alguns deveriam ser fechados, como a ALADI (Associação Latino-Americana de Integração), a CAN, e até mesmo o Mercosul, para que outros fossem reforçados, como a Unasul e a Celac. A OEA (Organização dos Estados Americanos) é outra instituição que pertence ao passado, até por razões econômicas.
Lula disse uma vez que nunca sabia em qual reunião estava, porque eram muitos encontros e sempre com os mesmos personagens. Ia a uma reunião da OEA e lá estavam todos os presidentes da América Latina, Já no Mercosul, outras figuras conhecidas. Ele nunca sabia em qual reunião estava.
Fonte: Opera Mundi