Sem categoria

António Caño: O bloqueio da negociação conduz os EUA à ruptura

O risco de que os EUA não possam fazer face aos seus pagamentos a partir de dois de agosto é neste momento absolutamente seguro.

Por António Caño

Questões cruciais para os EUA e para todo o mundo, desde o valor dos títulos do Tesouro até à solidez do dólar — para não mencionar a mais essencial: a credibilidade da maior potência econômica —, estão neste momento pendentes de uma negociação política que se encontra neste momento nas mãos de um grupo de republicanos radicais disposto a fazer desta batalha a sua própria razão de existir.

Nestas condições, os múltiplos apelos à moderação vindos dos círculos financeiros, empresariais e políticos – incluindo a ameaça das agências de notação de baixar o nível de confiança do país – têm-se confrontado com a intransigência ideológica daqueles que, indiferentes às consequências da sua atitude, entendem que reduzir o déficit sem subir impostos é um dogma inamovível. Nestes termos, o risco de que o Governo norte-americano se veja impossibilitado de cumprir pagamentos a partir de dois de Agosto é nesta altura absolutamente certo.

Obama procura uma saída

O presidente Barack Obama, que desde a semana passada se reúne diariamente na Casa Branca com os líderes do Congresso em busca de um acordo, tem a intenção de reunir todos num retiro de fim de semana na sua residência de Camp David para forçar um entendimento. Mas o líder republicano na Câmara de Representantes, John Boehner, considera que um tal esforço nem é necessário nem oportuno.

Por detrás desta recusa está a intenção da oposição de evitar que Obama assuma demasiado protagonismo nas negociações e possa, por essa via, rentabilizar politicamente uma hipotética solução. É nesses cálculos de curto prazo e nessas movimentações táticas visando que os outros apareçam como responsáveis pelos danos que estão a ser provocados ao país que o tempo se consume, enquanto os EUA se encaminham para o precipício.

O que está em causa nestas negociações é um acordo para reduzir o déficit federal em cerca de quatro mil milhões no decurso de uma década, em que o Congresso dê luz verde ao Executivo para contrair uma nova dívida através da qual possa pagar as suas facturas, os seus créditos e os juros dos títulos do Estado. Sem essa autorização o governo não pode contrair novas dívidas. Sem essa nova dívida, a Administração fica sem dinheiro a partir de dois de agosto.

Os republicanos, contra a subida de impostos

A negociação está bloqueada porque Obama propõe que esses quatro mil milhões resultem tanto do corte em serviços públicos, incluindo os apoios à saúde, como do aumento de impostos nas empresas petrolíferas e nos rendimentos superiores a 250.000 dólares anuais.

Os republicanos pretendem que toda a redução do déficit resulte do corte na despesa e já advertiram que na Câmara de Representantes, onde têm maioria, não passará qualquer iniciativa que proponha nem que seja um cêntimo de aumento de impostos.

Para Obama, por seu lado, aceitar um acordo em que todos os sacrifícios caiam sobre os beneficiários de programas sociais significaria um suicídio político. E, mais ainda, não passaria igualmente no Congresso porque os democratas iriam rejeitá-lo.

O perigo iminente de ruptura

Desta forma, ou os dois grupos fazem cedências significativas ou estaremos condenados a um verão dramático em que os pensionistas poderão ficar sem os seus cheques, a China sem a cobrança dos seus títulos e o mundo inteiro em estado de alarme em consequência do impacto de uma medida desta natureza. Pode tratar-se, simplesmente, do golpe final numa economia já sob a ameaça de múltiplos riscos noutras regiões.

Obviamente que a política nacional é soberana e qualquer congressista eleito pela sua pequena circunscrição tem o direito de defender aquilo que acredita serem os interesses dos seus eleitores sem se preocupar com as relações com a China ou com as pressões sobre o dólar. Mas neste caso, e neste contexto, esse direito soberano está a ser gerido com uma irresponsabilidade alarmante.

Isto não deveria constituir motivo de surpresa. Quando, em Novembro passado, os republicanos alcançaram a maioria, impulsionados pela vitalidade do Tea Party, tinha sido alertado para que este não fosse uma força favorável aos arranjinhos. E esse grupo está agora a confirmar o que antes afirmara. Quando o líder republicano no Senado, Mitch McConnell, propôs esta semana conceder a Obama a autoria que pede para se endividar — não para o ajudar, mas para depois o responsabilizar em exclusivo pela dívida —, foi imediatamente comparado a Pôncio Pilatos nas páginas web do Tea Party.

Um republicano de linha mais dura do que McConnell, o número dois da Câmara, Eric Cantor, este sim um falcão anti-impostos, assumiu a voz solista na negociação segundo a linha intransigente que as suas bases exigem. O clima político está de tal forma agreste que Obama abandonou abruptamente as negociações na passada quarta-feira após um choque verbal com o porta-voz da oposição. “Se Cantor continuar a conduzir haverá ruptura”, prognosticou ontem o senador democrata Charles Schumer.

O conservadorismo tradicional procura afastar o Tea Party

Outros republicanos estão discretamente a procurar afastar Cantor e o Tea Party desta negociação. O conservadorismo tradicional acha que se está a ir demasiado longe e que os cidadãos vão castigar o Partido Republicano se chega a uma suspensão dos pagamentos. Perante esta eventualidade as fileiras da oposição, desde o próprio McConnell até Karl Rove, começaram já a apontar Obama como o único responsável por uma quebra pública.
Ninguém irá sair incólume se chegar a essa situação, mas Obama está a realizar todos os esforços para se apresentar como centrista, moderado e conciliador. “Está a manifestar mais paciência do que o santo Job”, declarou a líder dos democratas na Câmara, Nancy Pelosi.

As próximas horas serão críticas. A agência Moody’s advertiu que pode baixar a notação máxima da dívida norte-americana em breve. A Standard & Poor’s considera que existem 50% de probabilidades de baixar. Ambas acreditam que, mesmo sem esperar pelo dois de Agosto, a imagem dos EUA como solvente, imprescindível para manter a sua posição de farol da economia mundial, está já em perigo.

Publicado originalmente em “El País”, Washington, 14/07/2011