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Trabalho Interno: As raposas e o galinheiro

Trabalho Interno, documentário do estadunidense Charles Fergunson, é daqueles filmes que se deve assistir três vezes. A primeira para sofrer o impacto das imagens, a segunda para absorver a gigantesca quantidade de informações, a terceira para ligar os fatos à realidade atual.

Por Cloves Geraldo

O filme, dividido em várias partes, mostra como os conglomerados financeiros dos EUA entraram na ciranda dos empréstimos habitacionais e liberação de cartão de crédito (subprime). Como a taxa de juro era baixa e a mensalidade paga à cotação do dia, eles não se importavam se o mutuário teria condições de pagá-la ou não.

Transformavam a hipoteca em título e a vendiam a investidores, especuladores, seguradoras, com a cobertura das agências de crédito imobiliário do governo Fannie Mae e Freddie Mac. E, além disso, recebiam das agências de classificação de risco a pontuação máxima AAA, garantindo lucros astronômicos para a si e generosos bônus para sua diretoria. Quando o ultraneoliberal Alan Greenspan, presidente do FED (1987/2006), aumentou a taxa de juro os mutuários e os usuários de cartão de crédito não conseguiram mais pagar suas mensalidades. Em 2003 surgiu o primeiro sinal de crise com a quebra do Bear Stearns. Em 2007 e 2008, ela eclodiu. O débito subprime elevou-se a US$ 12,3 trilhões.

Bancos centenários como Lehman Brothers (1850), e a seguradora AIG, faliram, Merril Lynch e Wachovia foram absorvidos por concorrentes. A crise se alastrou planeta afora. Ninguém, porém, assume a culpa por esta derrocada, que, denuncia Ferguson, foi resultado da conivência do FED e do SEC, a agência fiscalizadora dos bancos, com o sistema financeiro. Muitos banqueiros assumem, no filme, que sabiam, sim, dos riscos e que não viam qualquer falcatrua em transformá-los em lucros. O ex-gerente do FED, Frederick Mishkin, que ajudou a desregulamentar o sistema financeiro, afirma que “tudo isto é aceitável”.

George W. Bush (2001/2008), com todo cinismo, elogia suas políticas habitacionais, dizendo que os estadunidenses de baixa renda iriam adquirir um imóvel e usufruir de bom padrão de vida. Para ele, seus conselheiros econômicos, agentes governamentais e banqueiros tudo isso faz parte do sistema financeiro dos EUA. Na visão deles não é antiético, corrupção, estelionato, pelo contrário, são regra deste sistema criar “novos produtos”, os chamados “derivativos”, para gerar amplos lucros.

Reagan iniciou desregulamentação

Esta visão permite que a financeirização extrapole os limites dos negócios bancários para se transformar num cassino planetário. Empresas podem aumentar seus lucros especulando em cotação de moedas, de produtos agrícolas (commodities), taxa de juro. Para isto, diz Ferguson, é preciso conivência dos agentes governamentais. Ele estrutura seu filme para provar isto. Na penúltima parte do filme, durante a eclosão da crise no governo Bush, surge Henry Paulson, ex-CEO do Goldman Sacks. Defensor da desregulamentação, fim do controle do sistema financeiro, ele articula o socorro de US$ 700 bilhões do Tesouro para evitar a derrocada do que ajudou a criar.

Depois, no desfecho do filme, Ferguson mostra que o atual secretário do Tesouro, Timothy Gaithner, e outros ocupantes de cargos importantes no governo Barack Obama, ajudaram a desregulamentar o sistema financeiro. São eles que continuam o trabalho iniciado por Reagan. Depreende-se, assim, porque os EUA são contra o controle do sistema financeiro e a crise se estende a 2011. E por que os governos europeus, e não só eles, não conseguem quitar suas dívidas. A questão, no entanto, é político-ideológica. Remete-se, a Friedrich von Hayek, que em seu livro “O Caminho da Servidão” defende a liberdade total do mercado. É o pai do monetarismo de Milton Friedman e do neoliberalismo.

A ele veio somar-se Richard Nixon, que em 1971, tornou o dólar moeda de troca e de reserva do planeta. Qualquer oscilação do dólar influi nos mercados e nas políticas monetárias dos demais países. Ronald Reagan (1981/1988) e Margareth Thatcher (1979/1990), ao chegar ao governo, levaram às ultimas consequências essas teorias. Reagan defendeu o “menos governo”, Thatcher privatizou empresas e serviços e foi imitada no Brasil por FHC. Os governos socialdemocratas (Grécia, Espanha, Portugal) e direitistas (Itália, Inglaterra, França) endividaram o Estado para salvar seu sistema financeiro, reduzindo conquistas históricas dos trabalhadores. Como se os pobres tivessem que garantir o iate dos ricos.

A crise, no entanto, é do sistema capitalista, em sua etapa de financeirização expandida. A mais séria delas, pois a sustentação dos países do 1º Mundo pelas nações subdesenvolvidas e pelos emergentes não se dá como antes. Vide as revoltas árabes. Mesmo na Europa, trabalhadores e juventude se insurgem contra o corte de suas conquistas (Grécia, Espanha, Itália, França) e na Inglaterra, uma aparente rebelião da juventude contra a morte de um dos seus, revela que se trata de jovens marginalizados. Ferguson ao traçar a radiografia da crise financeira em seu país, nos permite visualizar o que ocorre à nossa volta.

Serviço:
Trabalho Interno (“Inside Job”). Documentário. EUA. 2010. 120 minutos. Roteiro: Chad Beck, Adam Bolt. Fotografia: Svetlana Cuetko, Kalyanne Mam. Direção: Charles Ferguson.

(*) Oscar de Melhor Documentário 2010.

Veja abaixo o trailer: