Argentina faz cinema com fôlego de público

Os cineastas da Argentina costumam evitar a ideia – até já antiga – do nuevo cine argentino, negando que exista no país uma nova proposta estética ou até mesmo uma indústria forte que justifique o título. Têm razão. Mas é inegável que a retomada do cinema de lá, caminhou para uma produção consistente, amplamente premiada em festivais e – recentemente – mais segura de si, a ponto de investir no que parece haver de mais atraente para espectadores mundo afora: os gêneros. Se possível, as comédias.

Cena de Um conto chinês, expressão que, na gíria argentina, siginifica uma mentira ou invenção

Uma evidência está atualmente em cartaz nas salas brasileiras, com dois filmes argentinos de corte comercial: Um conto chinês (2010) e Medianeras (2011). O primeiro conta com a maior estrela do país, o ator Ricardo Darín, que protagonizou grande parte das produções reconhecidas pelos brasileiros como argentinas (e, de fato, trabalha intensamente, com uma média de dois longas-metragens lançados por ano há anos). O segundo aposta na ficha da “solidão acompanhada”, tema atraente, com forte apelo de público.

Os parentescos entre os dois não terminam aí. Ambos diretores – Sebastián Borensztein, de Um conto chinês, e Gustavo Taretto, de Medianeras – começaram suas carreiras na publicidade e trabalham também na televisão. Sebastián estreou no cinema com La suerte está echada, enquanto Gustavo realizou antes cinco curtas-metragens (um deles, também intitulado Medianeras, deu origem a esse que é seu primeiro longa).

Em Um conto chinês, uma vaca cai do céu destruindo a relação de um casal na China (a notícia é verídica e inspirou o argumento). Ela morre, e o chinês vai para a Argentina em busca do tio, seu único parente vivo. Roberto, ex-combatente da Guerra das Malvinas, é o dono de uma serralheria, um tipo tão metódico, reservado e cético como seu trabalho, que termina acolhendo-o em sua casa, ainda que à revelia.

A convivência entre os dois força Roberto a sair de seu isolamento, embarcando em uma viagem de auto-conhecimento. Totalmente amparado no talento de Darín, o filme agrada, mas justamente (e quase que só) por isso. Conquistou a maior bilheteria de 2010 na Argentina, com 900 mil espectadores, sem fazer carreira em festivais.

Medianeras, que ainda não foi lançado comercialmente na Argentina, fez um caminho diferente, estreando na Mostra Panorama do Festival de Berlim em fevereiro e passando por várias outras vitrines. Entre elas, está o Festival de Gramado, onde levou os prêmios de melhor longa-metragem estrangeiro, melhor direção e, como era de se esperar, de público.


 
A história é a de um casal (Javier Drolas e a espanhola Pilar López de Ayala, que atuou em Lope), separado ao longo de quase todo o filme, que passa seus dias lutando contra suas manias e lamentando uma solidão rodeada por edifícios, gente alheia e tecnologia escravizante. Para garantir o happy ending, assim como Um conto chinês, os dois unem-se ao final. “Buenos Aires na era do amor virtual” é o acréscimo de título que o longa recebeu no Brasil para evidenciar seu tema, que era novidade há 10 anos, mas hoje corre o risco de soar a manchete velha.

Avaliações à parte, o trunfo de ambos filmes está nos roteiros eficientemente executados e, antes disso, na aposta pela comédia. Não é segredo para nenhuma indústria cinematográfica, mesmo em desenvolvimento, que o investimento nos gêneros é uma maneira eficiente de conquistar o público. Bastante válida, vale dizer, para o cinema latino-americano em geral. Às vistas da experiência argentina, ele merece romper barreiras comerciais e os clichês do passado para cair, finalmente, no afeto do espectador.

Fonte: Opera Mundi