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Estatuto da Juventude traz à tona debate sobre meia-entrada

Aprovado na Câmara dos Deputados na última semana, o Estatuto da Juventude assegura, em seu artigo 25, o desconto aos estudantes com idade entre 15 e 29 anos de pelo menos 50% do valor de entrada em “eventos de natureza artístico-cultural, de entretenimento e lazer, em todo o território nacional”.

O texto ainda precisa ser apreciado no Senado, mas reabriu a discussão em nível nacional e pode servir de base para que sejam corrigidas distorções das leis de meia-entrada, que desagradam tanto a estudantes quanto a produtores e artistas.

De um lado, muitas leis de meia-entrada já existentes ao redor do país asseguram de forma incompleta os direitos dos jovens. É o caso das leis de meia-entrada do Rio Grande do Sul e de Porto Alegre. Ambas fixam tantas exceções para a aplicação da meia-entrada que ela praticamente não existe – restrições que entrariam em choque com a legislação nacional e ficariam sem validade.

Por outro lado, o Estatuto também já está reabrindo em nível nacional o debate sobre as compensações a artistas e produtores culturais. Para regulamentar a lei de meia-entrada, o governo federal deverá discutir com o setor da cultura a possibilidade de subsídios ou incentivos que compensem as perdas no valor dos ingressos.

“É preciso ver qual é a contrapartida. O vale-cultura pode ser um exemplo disto. Uma renda para que trabalhador gaste em cultura, pode contrabalançar. O que não pode é simplesmente tirar 50% do valor do ingresso”, defende o presidente do Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculo de Diversões do RS (Sated-RS), Vinicius Cáurio.

Ele ressalta que o Estado brasileiro não impõe descontos nos preços para nenhuma outra atividade econômica como faz na cultura, nem mesmo para atividades que são necessidades básicas, como a comercialização de alimentos.

A deputada federal Manuela D’Ávila (PCdoB-RS), relatora do Estatuto na Câmara, explica que o debate sobre subsídios ou incentivos deve ser feito quando da regulamentação da meia-entrada. “O Estatuto define direitos da juventude, não é uma lei sobre meia-entrada. Não cabe ao estatuto definir todas as especificidades de cada ponto. Isto será feito na regulamentação e o debate sobre compensações para a classe artística vai acontecer”, afirma.

O presidente da União Estadual dos Estudantes (UEE-RS), Arthur Luis Machado da Veiga, acredita que a tramitação do Estatuto da Juventude ainda pode demorar no Senado e quer a aprovação de uma lei de meia-entrada nacional em separado. “O Estatuto da Juventude levou sete anos tramitando na Câmara, não podemos esperar até tramitar no Senado. É preciso uma lei imediata de meia-entrada em nível nacional”, diz.

Mudanças na lei estadual podem ocorrer em breve

Enquanto o Estatuto segue sua tramitação no Congresso, a lei de meia-entrada estadual do Rio Grande do Sul pode sofrer alterações em breve. No início do mês de setembro, uma audiência pública na Assembleia Legislativa debateu o tema. Uma das motivações foi o Projeto de Lei 263/2011, de autoria do deputado Cassiá Carpes (PTB), que revoga a lei anterior e traz um novo texto.

O projeto do deputado retira as exceções atuais, como, por exemplo, a dos cinemas, que só precisam dar 10% de desconto nas sextas, sábados e domingos, e a dos espetáculos musicais e teatrais, que só precisam dar a meia-entrada quando realizam mais de duas apresentações. Por outro lado, a proposta fixa a meia-entrada efetiva para todas as pessoas com até 15 anos e para os estudantes com mais de 15 ficaria assegurado o desconto para no máximo 30% das entradas de um evento.

A proposta desagradou ao Sated-RS, revela Cáurio. Em primeiro lugar, porque foram chamados para a audiência apenas donos de casas de espetáculos, e não artistas e produtores. Em segundo lugar, o sindicato entende que nenhum projeto pode ser feito antes de haver negociação. “Colocamos nossa posição de que a gente busca uma negociação antes que seja feito qualquer anteprojeto. Senão será uma intervenção do Estado na economia”, afirma o dirigente sindical. Cáurio afirma que Cassiá Carpes se comprometeu a retirar o projeto e iniciar a elaboração a partir de negociações.

Vinicius Cáurio ressalta que não é possível querer a mesma legislação de meia-entrada para o RS que para a Região Sudeste, onde as leis têm dado a meia-entrada sem exceções aos estudantes. “São características diferentes, 80% dos recursos da Lei Rouanet ficam na Região Sudeste. As maiores produções ficam em São Paulo. Quase 90% da produção do RS é cooperativada e são essas produções que nós defendemos. Para esse produtor não pode haver as mesmas regras que para o de SP. A região Sudeste detém 70% do PIB e o Rio de Janeiro é a 1ª cidade em turismo no país”, afirma.

“Dá para avançar”, afirma autor de leis de meia-entrada

O deputado estadual Paulo Odone (PPS) foi autor, como vereador, da lei de meia-entrada de Porto Alegre, sancionada em 2006, junto com Manuela D’Ávila e Raul Carrion, ambos do PCdoB. Em 2008, foi sancionada a lei estadual também de autoria de Carrion e Odone, junto com Édson Brum (PMDB). Os três têm conversado com Cassiá e participado do processo de aperfeiçoamento da lei estadual. “Acho que dá para avançar”, afirma Odone.

Mudanças que ampliarem direitos no RS valerão para Porto Alegre, pois a lei estadual sobrepuja, quando há contradição, a lei municipal. Odone conta que em 2006, a principal preocupação do então prefeito José Fogaça era que Porto Alegre não ficasse de fora do circuito de grandes espetáculos. “Se tivesse meia-entrada para todos os espetáculos, os produtores teriam que cobrar tão caro que inviabilizaria o espetáculo. Eles argumentavam que para trazer um grande artista como Fernanda Montenegro seriam necessários três espetáculos para se tornar viável a meia-entrada”, exemplifica.

O deputado afirma que deve haver uma nova audiência pública, desta vez com os produtores. “Vamos ver o que os produtores vão topar”. Quanto aos cinemas, Odone afirma que houve fortes prejuízos aos circuitos de cinema de outras capitais e que em Porto Alegre conseguiu-se “contemporizar” deixando apenas 10% de desconto para sábados e domingos. “Circuitos de cinema tiveram crise em outras cidades. Aqui se conseguiu contemporizar, mas dá para avançar”, diz.

Presidente do Grêmio, Odone também repete a expressão “dá para avançar” quanto aos estádios de futebol, nos quais atualmente a meia-entrada vale apenas para o andar inferior. “A preocupação maior do Grêmio e do Internacional era ter que comercializar com 50% de desconto áreas como os camarotes, áreas VIP. Além disto, há áreas no andar de cima, como as cadeiras centrais do Olímpico que são as que mais rendem no borderô, mas dá para avançar e tenho convicção de que o Internacional também pensará assim. A experiência com os estudantes nos estádios foi boa”, afirma.

União dos Estudantes gaúchos tem visão ponderada sobre a meia-entrada

O presidente da UEE-RS adota uma visão ponderada sobre a meia-entrada, ressaltando que não se pode prejudicar a produção artística e que se os governos não ajudarem, a lei, na prática, não se aplica. “Temos que ver o outro lado. O governo tem que dividir esse peso, tem que dar incentivos, senão a meia-entrada, na prática, não sai”, afirma.

Arthur afirma também que é preciso negociar separadamente com os diversos setores da área de cultura e entretenimento. Ele exemplifica defendendo que seria hipocrisia pedir 50% de desconto para pequenas produções teatrais e musicais, que sobrevivem a duras penas e geralmente cobram ingressos baratos. “Se a gente for pedir meia-entrada seremos hipócritas, os preços são muito acessíveis levando em conta todos os custos de produção. Aí vem a Ivete Sangalo, cobra caríssimo e não tem meia-entrada”, diz.

Desta forma, Arthur conta que a UEE tem procurado negociar com os governantes e produtores de cada setor para ampliar os descontos no Rio Grande do Sul. Começou pelo cinema em Porto Alegre, onde considera essencial que os 50% de desconto passem a ser aplicados nos finais de semana. No final do mês de agosto, a UEE propôs ao prefeito José Fortunati que estude a possibilidade de oferecer desconto de ISSQN para as salas de cinema. “A Prefeitura de Porto Alegre tem que dar o primeiro passo, quando ela faz isto sempre ecoa nos demais municípios do estado”, diz

Fonte: Rede Brasil Atual