Histeria coletiva e boatos causam sensação de medo nos cearenses

Olhares desconfiados, mulheres segurando suas bolsas, pessoas de um lado para outro em passos rápidos: tudo reflexo da histeria e medo coletivos. Segundo especialistas, a população está despreparada para o caos porque não viveu grandes catástrofes. No momento em que os policiais militares e bombeiros paralisaram suas atividades, uma histeria coletiva se instaurou em Fortaleza. Nas ruas, as pessoas foram dominadas pelo medo.

Agarrando as bolsas nos pontos de ônibus e com olhos apreensivos e atentos a qualquer movimento, a população viveu uma verdadeira sensação de desamparo. E essa noção de insegurança se sustenta, segundo o psicólogo e professor da Universidade de Fortaleza (Unifor), Álvaro Rebouças. Para ele, é medo porque é uma situação de perigo real e não um processo de angústia.

"Não é um sentimento novo já que a população convive constantemente com a falta de segurança, mas que não chega a ser um cerceamento da liberdade. Daí é comum que as pessoas recorram ao alarde", destacou o professor fazendo referência a caos que se instalou com a paralisação. O psicólogo lembra que o fato é que os fortalezenses nunca viveram uma grande catástrofe. "O Brasil é um país relativamente seguro. O medo é um reflexo do despreparo da população para enfrentar situações como esta", argumenta.

Para a socióloga e professora da Universidade Federal do Ceará (UFC), Irlys Barreira, o que aconteceu ontem foi uma reação em cadeia, um fenômeno de multidões. Efeito que acontece porque o medo já pré-existe por conta da insegurança cotidiana que os fortalezenses já vivem de evitar locais públicos. "Fortaleza é uma cidade ilhada e complexa nos espaços públicos. Aqui existe muita segregação. Esse fatos foram potencializados no momento em que a cidade ficou sem segurança", reforça.

A professora acrescenta que as pessoas, que estão acostumadas a presenciar a insegurança polarizada, ontem, tiveram de enfrentar a violência em toda a parte. "Trata-se de uma crise urbana, caos e guerra psicológica", define a socióloga.

O professor da Unifor explica que, com a situação instalada, as pessoas desenvolveram níveis de ansiedade elevados. "É um quadro patológico de ansiedade generalizada que a falta de segurança produz junto como o medo real", ressalta.

Porém, Irlys lembra que o problema instaurado em Fortaleza envolve um conjunto de situações. "Existe o lado dos policiais que realizaram um movimento de luta por melhores condições sociais e a falta de confiança da população nos poderes públicos", lista.

Com a cidade sem policiamento e a população sem informações confiáveis do que de fato estava acontecendo, os boatos surgiram, sobretudo nas redes sociais. Para Rebouças, as informações repassadas servem, de certa forma, para dar conta do medo, apesar de que os boatos são danosos porque geram o desespero. "No entanto, serviram, como mecanismo de informação no momento em que as pessoas precisavam se ´situar´. Mas, nesses casos, o efeito pode ser contrário: o de provocar o caos". Segundo Irlys, o medo veio da falta de entendimento.

Desinformação gera mais pânico

E nesse ´tiroteio´ de informações, de um disse-me-disse nada como uma palavra firme para acalmar, tirar todos da escuridão. Essa é a opinião do professor da Universidade Federal do Ceará (UFC) e pesquisador integrante do Laboratório de Estudos da Violência (LEV), Leonardo Sá. Para ele, até existe uma grande irresponsabilidade de comunicação nas redes sociais, mas ela deriva do silêncio e omissão do governo, pois desde sexta-feira não há informações dos gestores sobre os acontecimentos.

"E o silêncio do governador Cid Gomes é a grande incógnita do momento. Nesse instante, querer falar do ´perigo´ das redes sociais é uma forma de despiste, é um mascaramento dos problemas reais gerados pela irresponsabilidade das autoridades diante dos atuais fatos", ressalta.

Questionado se a população está desinformado e a quem interessava essa "cegueira social", Sá informou que a culpa maior é do governo que estaria omitindo os dados. "Não estão dando voz às insatisfações da população, principalmente, a do movimento dos militares estaduais", diz.

Para a coordenadora do Laboratório de Direitos Humanos e Cidadania (LABVIDA) da Universidade Estadual do Ceará (UECE), Glaucíria Mota, a insegurança vivenciada não é apenas fruto das notícias veiculadas pelas redes sociais, não se pode simplesmente dizer que existe um ´universo paralelo´ . As redes sociais potencializam um estado de coisas chamado de insegurança e que não nasceu hoje.

Tensão

"O caos é real porque existe uma situação real de insegurança e tensão social que veio a público com todas as suas mazelas, com a deflagração da greve dos militares, a quem cabe a segurança da Cidade. O problema é que na situação de impasse entre o Governo e suas forças de segurança, não podemos chamar o ladrão para nos proteger! Será que podemos chamar o comandante da Polícia Militar, o secretario de segurança pública ou o Governador para nos proteger? Eis a questão que se coloca como insegurança", avalia Glaucíria.

"Próprios grevistas podem estar plantando o terror"

Já imaginou estar em pânico, buscando informações oficiais sobre os ocorrido na cidade e não encontrar ´alento´ em nenhum fonte oficial, apenas na internet e redes sociais? Essa foi a situação que a maioria de cearenses vivenciaram durante todo o dia de ontem. No Twitter e no Facebook, a população esperava encontrar respostas e encontrou a dúvida o e o terror.

Eram comuns mensagens de "não saiam de casa", "tranquem as portas", "Fortaleza foi invadida e sitiada". Entre situações desencontradas, exageros e boatos, a preocupação de Rodrigo Pimentel, comentarista de segurança da Rede Globo e ex-capitão da Polícia Militar do Rio de Janeiro, é a propagação desmedida do medo que – de modo desequilibrado – fez tudo parar.

"As pessoas vão buscar primeiro a mídia formal e se não tiver nada, vão buscar nas redes sociais e blogs. Entretanto, é preciso saber filtrar as informações, reconhecer o que é verdadeiro e falso. Não tenho dúvida, inclusive, de que os próprios policiais grevistas poderiam estar plantando o terror para forçar uma negociação do governo e desgastar ainda mais a gestão", critica.

Para Rodrigo Pimentel, o silêncio das autoridades diante dos fatos só torna as coisas mais complicadas. Daí, o povo, segundo ele, ficar enlouquecido, querer fechar comércio, faltar trabalho, mesmo sem uma comprovação real e prática dos danos. Na opinião dele, há muitos oportunidades se aproveitando das fragilidades existentes em um momento como esse, de pânico.

Ele comenta ainda que, apesar da importância do boletim de ocorrência, é inegável que as redes sociais se tornaram um aliado do povo. Há duas possibilidades: a primeira é que o cidadão use de forma responsável a rede social e coloque o que de fato aconteceu e o que ele presenciou. Se ele começa a reproduzir, a rede social pode começar a gerar terror, inseguranças.

"Ou seja, só pode ir à rede social para informar quem de fato foi assaltado ou quem viu o assalto. Nada de fazer boatos", diz o especialista. Abordando a realidade de Fortaleza, ele compara com situação vivida no Rio de Janeiro no ano de 2010.

Em novembro do ano retrasado, segundo ele, na capital carioca, as redes sociais foram muito mal utilizadas durante os ações de bandidos nas ruas da cidade. "As redes sociais geraram pânico e medo na sociedade, pois muito do que foi informado era mentira ou boato", ressalta.

A professora de Filosofia e Ética da Universidade de Fortaleza (Unifor), Sandra Helena Souza, vê o momento como incomum no Ceará. Para ela, o núcleo propulsor dessa corrente é sim o medo. "É de fato uma nova experiência. Difícil, mas incontornável, separar joio do trigo, mentira de verdade, e nesse caso faz-se imperativo o conhecimento, a discussão sobre o que significa o movimento, suas lideranças, as reivindicações, os impasses, as intransigências e também o fato de que se trata da questão da segurança. A Polícia Militar não será a mesma depois disso, certamente", considera Sandra Helena.

"Acredito que, cada vez mais, devemos saber o que ouvir e como ler"

Em entrevista, W. Gabriel de Oliveira, Professor especializado em Tecnologias Digitais, avalia as reações da população durante a greve da seguranã pública no Ceará. Leia a seguir:

Esse clima de pânico se deve, principalmente, às informações divulgadas nas redes sociais?

É fato que o Ceará passa por uma situação delicada no que se refere à segurança pública. Com a paralisação das forças de segurança estadual e o ciclo de negociações junto ao governo, a população se torna bem mais vulnerável à violência. Portanto, diante desse quadro, não se pode negar a emergência de medidas contingenciais em prol da segurança de toda a população, como a presença de tropas federais nas ruas e encerramento comercial antecipado.

Para uma situação não tão comum em uma cidade como Fortaleza, temas assim inflamam as mídias sociais, sedentas para compartilhar novos assuntos. Sabe-se que essa necessidade de comunicação é intrínseca ao próprio homem, mas há de se observar nas mídias sociais que alguns indivíduos se valem da oportunidade gerada por uma situação delicada para tornarem microcentrais de informação, para onde os holofotes de seus amigos e seguidores se viram

É um "universo paralelo" que foi criado e causou todo esse temor?

O que muito ocorre nas redes sociais da Internet é uma inflamação de informações, a ponto de tornar fatos verídicos em verdadeiros exageros de amplitude nacional, em questão de minutos.

É fato que o Ceará está mais vulnerável à violência diante da atual crise na segurança pública, mas também não é razoável tratamos nosso Estado como o novo Iraque.

Contudo, não é fácil cobrar de qualquer grupo social, seja ele online ou offline, que haja esse clareza sobre razoabilidade. Cada indivíduo tem diversas necessidades psicológicas e sociais, mas algumas das que mais se destacam nas redes sociais da Internet são justamente o reforço de identidades e o apreço por valores como visibilidade e popularidade. Muito por essa razão, usuários de redes sociais inflamam informações e espalham exageros, perpetuando clima de tensão em grande amplitude por toda a cidade

Está tendo uma desinformação, um mal uso dessas redes sociais e a quem interessa tudo isso?

Não é de hoje que se discute a qualidade do conteúdo na internet. É fato que as mídias sociais potencializam a comunicação a níveis nunca antes vistos e que isso pode auxiliar movimentos em prol de ações construtivas. Mas o poder da comunicação social enseja também uma responsabilidade sobre o que é divulgado.

Não defendo que limitemos a comunicação que cada indivíduo adquiriu com as redes sociais, mas acredito que, cada vez mais, devemos saber o que ouvir e como ler, para que não nos desloquemos para o lado errado meramente como um movimento de manada.
 
Fonte: Diário do Nordeste