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Espanha: viúvas de Franco querem condenar o juiz Baltasar Garzon

Ele caçou Augusto Pinochet e perseguiu membros da ditadura argentina. Poderia se aposentar em paz, mas, ao atacar o passado franquista de seu país, a Espanha, o juiz Baltasar Garzon enfrentou obstáculos que, com certeza, não previa.

Suspenso de suas funções na Audiência Nacional (correspondente ao Supremo Tribunal) em maio de 2010, Baltasar Garzon se defende desde o dia 17 de janeiro em dois julgamentos. Um deles, pode sentenciá-lo a 20 anos de afastamento do cargo. Uma condenação de morte para a carreira deste que seus detratores tentam desqualificar classificando-o como "um astro" mais preocupado em aparecer nas manchetes dos jornais do que empreender suas lutas sociais.

Para seus partidários, no entanto, não resta dúvida alguma: o magistrado paga por sua coragem de querer investigar os crimes cometidos pela ditadura franquista da Espanha.


Atuação na Espanha

Filho de um funcionário de posto de combustível, cresceu na pobreza dos anos 1950 na Espanha rural. Logo começou a perseguir seu ideal de uma "justiça universal" a milhares de quilômetros de Torres, pequena cidade na zona rural da Andaluzia, onde nasceu em 26 de outubro de 1955, construindo sua carreira como magistrado graças aos estudos: primeiro com uma bolsa no ensino médio, depois em um Seminário até escolher o seu caminho, o direito.

Chegou à Audiência Nacional em 1988 e logo se engajou em casos sensíveis, nunca se furtou a embates polêmicos e árduos.

Ainda nos anos 1980, atuou em processos contra diversos narcotraficantes, inclusive altos dirigentes das máfias galega, turca e italiana. Comandou investigações sobre lavagem de dinheiro no litoral espanhol (região de Málaga) e falsificação de moeda (derrame de notas de 100 dólares).
Foi jurado de morte por diversos traficantes e mafiosos e por isso passou a ser conduzido em carros blindados e a viver com escolta policial.

Em 1993, participou da política espanhola, entrando na lista de candidatos à Câmara dos Deputados pelo PSOE. Chegou a comandar o Plano Nacional Antidrogas, porém renunciou após um ano de trabalho, queixando-se do excesso de corrupção no governo. Ao retornar à magistratura, deu seguimento às investigações do caso GAL (Grupos Antiterroristas de Liberação), grupo de extermínio que, conforme ficou comprovado, foi criado por agentes ligados ao governo nos anos 1980 para assassinar membros e simpatizantes do ETA.

Várias autoridades foram condenadas em virtude do caso, inclusive o ex-Ministro do Interior José Barrionuevo. Posteriormente, todos foram indultados no governo de José María Aznar.

Atuou também contra os terroristas bascos do ETA. Em 2002, conseguiu suspender o funcionamento, por três anos, do partido Batasuna, ao demonstrar suas relações com o grupo terrorista. Dessa ação resultou também o fechamento dos jornais Egin e Egunkaria, além da rádio Egin Irratia. Angariou com isso o ódio dos nacionalistas bascos, que consideram que atacou a cultura basca e não o terrorismo.

Dada a extensão de sua atuação, partidos como o PSOE e o PP chegaram a planejar uma reforma do judiciário que limitasse as suas atribuições legais.

Atuação e fama internacional

O juiz Garzon fracassou em seu país. Mas suas investigações sobre a América Latina – atuação relevante em sua vida  — plantaram as sementes do reconhecimento, em 2005, pela justiça espanhola, de sua competência para processar e julgar crimes contra a Humanidade e genocídio no mundo inteiro.

Garzón ficou conhecido mundialmente ao emitir uma ordem de prisão em desfavor do ex-presidente do Chile Augusto Pinochet pela morte e tortura de cidadãos espanhóis. Utilizou como base o relatório da Comissão Chilena da Verdade (1990-1991).

Além do Chile, reiteradas vezes manifestou seu desejo de investigar o ex-secretário de Estado norte-americano Henry Kissinger por sua relação com a denominada Operação Condor.

Trabalha também em um processo em que se acusa de genocídio diversos militares argentinos pelo desaparecimento de cidadão espanhóis durante a ditadura argentina (1976-1983).

Em 2001, solicitou permissão ao Conselho da Europa para processar o Primeiro Ministro italiano Silvio Berlusconi, então membro da Assembleia parlamentar do Conselho. Em dezembro desse mesmo ano, investigou, por suspeitas de lavagem de dinheiro, contas no exterior (off-shore) do conglomerado financeiro BBVA (segundo maior banco da Espanha).

Em janeiro de 2003, criticou enfaticamente o governo dos EUA pela detenção ilegal, na base de Guantánamo (Cuba), de suspeitos de pertencerem ao grupo terrorista Al Qaeda. Nesse mesmo ano, participou de campanhas contra a guerra no Iraque.

Destino imerecido

Desde o início de sua carreira, seus inimigos foram muitos. Contudo, o juiz nunca precisou enfrentar um tiroteio como o atual, desencadeado por sua decisão em 2008 de abrir a primeira instrução sobre os "crimes contra a Humanidade" cometidos pelo franquismo. Sua abordagem era consistente com sua trajetória. Depois de uma longa caçada aos ex-torturadores das ditaduras sul-americanas dos anos 1960-70, como ignorar os crimes impunes da ditadura espanhola?

Os processos em andamento podem encerrar defintivamente a carreira do magistrado.

Sem esperar o veredicto, Baltasar Garzon já se exilou, segundo pessoas próximas: primeiro em Haia, depois na Colômbia, onde trabalha atualmente como consultor enviado pelo Tribunal Penal Internacional (TPI).

Portal Vermelho com informações de agências