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Leandro Albani: Malcolm X e a revolução por um mundo melhor

Um disparo ecoou no auditório do Audubon Ballroom, na cidade de Manhattan, em Nova York. Imediatamente o caos e o desespero tomaram conta do público. Seguiram-se mais 16 disparos contra Malcolm X, que discursava inflamadamente para seus seguidores.

A calça escura e a camisa branca que vestiam o líder negro tingiram-se de vermelho enquanto o seu corpo tombava sem vida e a história perdia, assim, um dos mais aguerridos combatentes do sistema segregacionista estadunidense.

Em meio ao descontrole provocado pelos tiros, muitos gritos e choro, Thomas Hagan foi detido. Posteriormente, três testemunhas identificaram mais dois suspeitos, Norman 3X Butler e Thomas 15 X Johnson. Os acusados eram membros da Nação do Islã, organização onde Malcolm X iniciou sua militância e que havia deixado meses antes. Os suspeitos foram julgados e todos condenados pelo assassinato de “Red”.

Nascido em 1925, em Nebraska, Malcolm Little ganhou o apelido de Red em função dos seus cabelos vermelhos e alisados. Enfrentou desde cedo o caminho da pobreza e da marginalização, convivendo com prostituição, tráfico de drogas e repetidas prisões.

Sofreu uma mudança profunda em 1946 em uma prisão de Massachusetts, na qual cumpria pena pelo roubo de uma joalheria. Dentro do presídio, onde ficaria até 1952, Malcolm descobriu o prazer da leitura e conheceu a Nação do Islã, organização encabeçada por Elijah Muhammad. O contato com novas realidades mudou as perspectivas de vida do jovem de 21 anos.

Ele deixou os vícios e a criminalidade para se converter ao islamismo e, livre do cárcere, tornar-se o líder mais importante da Nação do Islã nos Estados Unidos, ao ponto de ser convidado diretamente pelo rei da Arábia Saudita para uma visita a esse país, na qual realizou a obrigatória peregrinação a Meca.

Foi nesse época que Malcolm acrescentou a letra “X” ao seu nome, em lembrança ao apelido que, originalmente, os africanos recebiam em solo estadunidense, e que foi esquecido pelos afrodescendentes.

Rebatizado, comprometeu-se integralmente com a defesa do povo negro, o que incluiu indicar o uso da força contra a agressão de grupos racistas, como o Klu Klux Klan.

A essa altura, o FBI já estava seguindo de perto os movimentos do novo líder, que tinha o poder de levantar multidões quando conclamava o povo negro a se armar para resistir aos ataques.
Seu carisma cresceu no mundo na mesma proporção em que suas discordâncias cresceram dentro do grupo islâmico, no qual o líder, Elijah Muhammad, era acusado de abusar de suas mulheres.

Em 1960, Malcolm X recebeu o líder cubano Fidel Castro no histórico hotel Theresa, no bairro do Harlem — Castro viajara aos Estados Unidos para participar de uma assembleia geral da Organização das Nações Unidas. Nos anos seguintes, Malcolm percorreu o continente africano, reunindo-se com os dirigentes que lideravam os movimentos de libertação contra o colonialismo.

Em 1964, sua situação no Nação do Islã se tornou insustentável e, com a concordância do próprio Muhammad, decidiu separar-se, fundando a Organização da Unidade Afro-Americana, reconhecida por Ernesto Che Guevara como “um passo extraordinário para o movimento revolucionário estadunidense”. Guevara traduziu seus sentimentos nas palavras de uma longa e encorajadora mensagem, lida pelo próprio Malcolm em uma de suas reuniões com militantes.

Desde que fundou a Unidade Afro-Americana até o seu assassinato, em 21 de fevereiro de 1965, passaram-se apenas 11 meses, nos quais o revolucionário líder mudou radical e profundamente.

Sua luta ganhou maior fôlego política e extensão social, passando a contemplar a classe trabalhadora estadunidense, independentemente da raça. Depois de conhecer mais a fundo as causas operárias e as revoluções anti-imperialistas no continente africano, seu alvo passou a ser o distorcido e injusto “sistema” imperialista.

Em dezembro de 1964, Malcolm X denunciou, em uma palestra na Universidade de Oxford, que a classe governante dos Estados Unidos “passa por todo o mundo presumindo que tem o direito de dizer a outros povos como devem governar seus países, quando nem sequer conseguem corrigir os absurdos que causam em seu próprio território”.

Nesse mesmo discurso, externou suas ideias e convicções: “Vocês estão vivendo uma época de extremismos, uma época de revolução que exige mudanças. Os que estão no comando abusaram do poder, por isso precisam ser refreados, só assim conseguiremos construir um mundo melhor e a única forma de se alcançar esse sonho é usando igualmente métodos extremistas. Da minha parte, vou me unir a quem quer que seja, não importa a sua cor, desde que essa pessoa queira, como eu, modificar as condições miseráveis com as quais convivemos nesta terra”.

Silenciado ou satanizado pela máquina midiática, Malcolm X construiu sua vida de resistências na ruas do Harlem e o pobre palanque não impediu que suas reuniões arregimentassem centenas de ouvintes, depois seguidores em torno de suas causas, nem que seus discursos iluminados maravilhassem desde estudantes a personalidades famosas, formadores de opinião como Mohamed Ali, um dos boxeadores mais influentes da história do esporte.
A morte violenta não calou a voz revolucionária, que serviu de referência para incontáveis movimentos políticos, como as Panteras Negras, nas décadas de 1960 e 1970 dentro dos Estados Unidos.

Fonte: AVN