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Movimentos rurais lançam manifesto em defesa da reforma agrária

Movimentos sociais do campo divulgaram hoje um manifesto em defesa da Reforma Agrária, dos direitos territoriais e da produção de alimentos saudáveis. Para tanto, as organizações prometem um processo de luta unificada. O documento foi produzido durante o Seminário Nacional de Organizações Sociais do Campo, realizado em Brasília, na segunda (27) e terça-feira (28) para aprofundar o debate e estabelecer estratégias de mobilização em torno da luta pela terra.

O documento também reivindica o desenvolvimento rural, com investimento em agroecologia e garantia de direitos sociais aos trabalhadores rurais, visando o fim das desigualdades. As entidades de trabalhadores rurais consideram o encontro "um momento histórico, um espaço qualificado, com dirigentes das principais organizações do campo que esperam a adesão e o compromisso com este processo".

O modelo de produção de commodities agrícolas baseado em latifúndios, na expulsão das famílias do campo e nos agrotóxicos também é condenado no manifesto.

"O agronegócio representa um pacto de poder das classes sociais hegemônicas, com forte apoio do Estado Brasileiro, pautado na financeirização e na acumulação de capital, na mercantilização dos bens da natureza, gerando concentração e estrangeirização da terra, contaminação dos alimentos por agrotóxicos, destruição ambiental, exclusão e violência no campo, e a criminalização dos movimentos, lideranças e lutas sociais", diz um trecho do texto.

Durante a mesa de abertura no primeiro dia do evento, no auditório do Centro de Estudo Sindical Rural (Cesir/Contag), o secretário de Política Agrária da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Willian Clementino, lembrou que o seminário acontece no momento em que os movimentos acumularam reflexões durante os últimos anos que levam a uma pauta unificada.

“Precisamos buscar e zelar pela construção de ações conjuntas dos movimentos sociais e, para isso, temos que ter maturidade, sabedoria e fraternidade para realizar essas ações do ponto de vista coletivo, independente das ações individuais de cada organização. Acreditamos que em 2012 a pauta de reforma agrária do Grito da Terra Brasil possa ter consenso com a pauta do Abril Vermelho, da Jornada da Agricultura Familiar, ações das mulheres e de outras ações promovidas pelas organizações sociais do campo brasileiro”, afirmou Clementino.

Rosângela Piovisani Cordeiro, do Movimento de Mulheres Camponesas e da Via Campesina Brasil, fez uma reflexão crítica sobre a articulação dos movimentos e da falta de avanços nas pautas do campo.

“Temos que ter, de fato, essa capacidade da articulação e dizer ao governo que dessa forma não dá. A ideia é chegar a um consenso de alguns pontos nesse seminário e amanhã dialogar com o parlamento e o governo e apresentar quais questões que não abrimos mão”, desabafou.

O representante do MST, José Batista, apontou desafios enfrentados pelos movimentos sociais que lutam pela terra, como a dificuldade de pautar a reforma agrária no governo e na sociedade. “No ano passado, o governo cedeu algumas coisas no processo de negociação das dívidas apenas com a pressão conjunta dos movimentos”, disse.

O professor Guilherme Delgado, que é membro da Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra) e aposentado do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), fez uma análise de conjuntura do cenário agrário brasileiro, definindo o agronegócio como um modelo que incentiva o acúmulo de capital e concentração de terra.

“Essa acumulação é inimiga da função social e ambiental. Por isso, não permitem a revisão dos índices de produtividade da terra e colocam em votação um novo Código Florestal. Esse movimento de valorização e concentração fundiária persegue o conceito da renda fundiária nas terras, nas minas, nos campos petrolíferos e nas quedas d’água, que trazem um lucro extraordinário que só é possível a partir da mediação do governo”, atesta Delgado.

Leia a íntegra do documento abaixo:

Manifesto das organizações sociais do campo

As entidades Apib, Cáritas, Cimi, CPT, Contag, Fetraf, MAB, MCP, MMC, MPA e MST, presentes no Seminário Nacional de Organizações Sociais do Campo, realizado em Brasília, nos dias 27 e 28 de fevereiro de 2012, deliberaram pela construção e realização de um processo de luta unificada em defesa da Reforma Agrária, dos direitos territoriais e da produção de alimentos saudáveis.

Considerando:

1) O aprofundamento do capitalismo dependente no meio rural, baseado na expansão do agronegócio, produz impactos negativos na vida dos povos do campo, das florestas e das águas, impedindo o cumprimento da função socioambiental da terra e a realização da reforma agrária, promovendo a exclusão e a violência, impactando negativamente também nas cidades, agravando a dependência externa e a degradação dos recursos naturais (primarização).

2) O Brasil vive um processo de reprimarização da economia, baseada na produção e exportação de commodities agrícolas e não agrícolas (mineração), que é incapaz de financiar e promover um desenvolvimento sustentável e solidário e satisfazer as necessidades do povo brasileiro.

3) O agronegócio representa um pacto de poder das classes sociais hegemônicas, com forte apoio do Estado Brasileiro, pautado na financeirização e na acumulação de capital, na mercantilização dos bens da natureza, gerando concentração e estrangeirização da terra, contaminação dos alimentos por agrotóxicos, destruição ambiental, exclusão e violência no campo, e a criminalização dos movimentos, lideranças e lutas sociais.

4) A crise atual é sistêmica e planetária e, em situações de crise, o capital busca saídas clássicas que afetam ainda mais os trabalhadores e trabalhadoras com o aumento da exploração da força de trabalho (inclusive com trabalho escravo), super exploração e concentração dos bens e recursos naturais (reprimarização), flexibilização de direitos e investimento em tecnologia excludente e predatória.

5) Na atual situação de crise, o Brasil, como um país rico em terra, água, bens naturais e biodiversidade, atrai o capital especulativo e agroexportador, acirrando os impactos negativos sobre os territórios e populações indígenas, quilombolas, comunidades tradicionais e camponesas. Externamente, o Brasil pode se tornar alavanca do projeto neocolonizador, expandindo este modelo para outros países, especialmente na América Latina e África.

6) O pensamento neodesenvolvimentista centrado na produção e no lucro, defendido pela direita e por setores de esquerda, exclui e trata como empecilho povos indígenas, quilombolas e camponeses. A opção do governo brasileiro por um projeto neodesenvolvimentista, centrado em grandes projetos e na exportação de commodities, agrava a situação de exclusão e de violência. Consequentemente não atende as pautas estruturais e não coloca a reforma agrária no centro da agenda política, gerando forte insatisfação das organizações sociais do campo, apesar de pequenos avanços em questões periféricas.

Estas são as razões centrais que levaram as organizações sociais do campo a se unirem em um processo nacional de luta articulada. Mesmo reconhecendo a diversidade política, estas compreendem a importância da construção da unidade, feita sobre as bases da sabedoria, da maturidade e do respeito às diferenças, buscando conquistas concretas para os povos do campo, das florestas e das águas.

Neste sentido nós, organizações do campo, lutaremos por um desenvolvimento com sustentabilidade e focado na soberania alimentar e territorial, a partir de quatro eixos centrais:

a) Reforma Agrária ampla e de qualidade, garantia dos direitos territoriais dos povos indígenas e quilombolas e comunidades tradicionais: terra como meio de vida e afirmação da identidade sociocultural dos povos, combate à estrangeirização das terras e estabelecimento do limite de propriedade da terra no Brasil.

b) Desenvolvimento rural com distribuição de renda e riqueza e o fim das desigualdades;

c) Produção e acesso a alimentos saudáveis e conservação ambiental, estabelecendo processos que assegurem a transição para agroecológica.

d) Garantia e ampliação de direitos sociais e culturais que permitam a qualidade de vida, inclusive a sucessão rural e permanência da juventude no campo.
Este é um momento histórico, um espaço qualificado, com dirigentes das principais organizações do campo que esperam a adesão e o compromisso com este processo por outras entidades e movimentos sociais, setores do governo, parlamentares, personalidades e sociedade em geral, uma vez que a agenda que nos une é uma agenda de interesse de todos e todas.

Brasília, 28 de fevereiro de 2012

Apib – Associação dos Povos Indígenas do Brasil CÁRITAS Brasileira
Cimi – Conselho Indigenista Missionário CPT – Comissão Pastoral da Terra
Contag – Confederação Nacional de Trabalhadores na Agricultura FETRAF – Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura Familiar
MAB – Movimento dos Atingidos por Barragens MCP – Movimento Camponês Popular
MMC – Movimento de Mulheres Camponesas MPA – Movimento dos Pequenos Agricultores
MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra Via Campesina Brasil

Fonte: Contag e MST