Presidente do Conselho Tutelar de Goiânia fala sobre atuação

Cada dia mais, a atuação do Conselho Tutelar tem se mostrado indispensável na luta pela garantia e defesa dos direitos da criança e do adolescente, pelo menos, em Goiânia, tem sido assim. Com apenas 27 anos, o estudante de Engenharia Civil da PUC, Vinicius Cirqueira foi eleito Conselheiro Tutelar da região norte. Posteriormente foi eleito presidente do Conselho Tutelar da criança e adolescente de Goiânia. Leia entrevista exclusiva de Vinícius Cirqueira para o Portal Vermelho.

Atleta de Tae Kwon Do, desde a sua adolescência, Vinícius criou um projeto para ensinar a modalidade às crianças e adolescentes do seu bairro, Jardim Guanabara em Goiânia, na verdade, o intuito era dar uma oportunidade aos jovens do bairro carente de Goiânia, foi aí que sentiu, segundo ele, que sua vida daria um novo rumo e que teria que ser para lutar pela melhoria da qualidade de vida das pessoas, começando pela infância. Além do trabalho no Conselho Tutelar, Vinicius é filiado ao Partido Comunista do Brasil – PCdoB de Goiás e vice-presidente do Comitê Municipal do Partido em Goiânia. 

Para entender um pouco mais sobre o trabalho do Conselho Tutelar – CT é que convidamos Vinicíus Cirqueira para uma entrevista ao Portal Vermelho.

Portal Vermelho. A eleição de escolha dos Conselheiros Tutelares de Goiânia é realizada por eleitores cadastrados no Tribunal Regional Eleitoral, mas não é obrigatório. A última eleição ocorreu em outubro de 2009, sendo eleitos 30 pessoas para assumirem um mandato de três anos. Você obteve 1.510 votos válidos, depois foi eleito presidente dos Conselheiros. Nos explique melhor como é a escolha dos dirigentes destes Conselhos e qual é a atuação deles?
Vinicius Cirqueira: São seis regiões em Goiânia, cada regional elege cinco conselheiros tutelar, e nessas regionais se elege um presidente por regional, ou seja, são seis presidentes regionais de conselhos tutelares e um presidente de Goiânia, que é a pessoa que coordena o trabalho em conjunto dos conselhos, para que nenhum conselho tenha uma ação diferenciada um do outro. O norte faz uma ação, o sul faz outra, e as ações acabam se pulverizando e não atingem o ideal. O presidente do conselho tutelar de Goiânia é eleito pelos trinta conselheiros de Goiânia, para que seja a pessoa responsável pela interlocução com as secretarias, para falar em nome do conselho tutelar geral de Goiânia em qualquer ação conjunta. E ele tem que ter interlocução direta com o Prefeito, com Secretarias do Governo, com o Governador. É o conselheiro responsável por representar os trinta conselheiros da cidade de Goiânia.

Vermelho: Qual é o papel do Conselheiro Tutelar?
Vinicius: O Conselho Tutelar foi criado pela Lei Federal nº. 8.069, de 13 de julho de 1990, conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que é a porta mais fácil de acesso a comunidade. É como se fosse descentralizar o atendimento da rede de atenção à criança e ao adolescente. Ele vem com o intuito de que o conselheiro seja o "advogado" direto, ele é o cara que tem que garantir todos os direitos que estão no Estatuto e na Constituição, que sejam efetivados para todas as crianças da cidade. Ou seja, qualquer criança que tenha seus direitos violados, ele tem a obrigação de zelar pelo cumprimento deste direito, como educação, esporte, lazer, cultura, direito familiar, questões de maus tratos, negligência. É o conselheiro que tira aquela criança daquela situação, como um abuso sexual, violência ou qualquer coisa do tipo, e passa a cuidar e encaminhar para que seja o problema sanado. O objetivo geral do Conselho Tutelar também é cobrar do município políticas públicas para que o menor número possível de ocorrências possam acontecer. O Conselho Tutelar nada mais é que um órgão encarregado de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente.

Vermelho: No ECA, há algumas formas de driblar a violência, como a garantia da educação, do esporte e lazer. O conselheiro tutelar também pode ir a busca de garantias para estes direitos?
Vinicius: Exatamente, existem vários direitos. Por exemplo, o ECA é tão completo, que garante até o direito de brincar. A criança que não brinca, tem seu direito violado, inclusive a legislação da ECA foi copiada por vários países, nosso estatuto é uma lei muito avançada, então nesse sentido os direitos são vários, o de brincar, direito a esporte e lazer, a educação, direito de ser respeitado, de ser respeitado por sua religião, até o direito de se organizar em entidades estudantis, tudo isso é programado no ECA. Qualquer direito que não esteja sendo garantido ou reconhecido, é papel do CT brigar para que aquilo aconteça. Por exemplo, na cidade de Goiânia, além do CMEI 'Centros Municipais de Educação Infantil', teve uma queda drástica no número de atendidos gratuitamente com esporte na periferia. E isso acarreta que a criança sem esporte é alvo mais fácil para o traficante, é alvo mais fácil para entrar na criminalidade, é alvo mais fácil para aumentar o numero de ocorrências, por questões de segurança publica, de homicídios, de violência, grande numero de usuários de drogas, dependentes químicos. Então esse tanto de direitos que a criança tem, se eles tem acesso a todos, com certeza ele vai ser um cidadão melhor e conseguir melhorar a sociedade e nosso pais. Então o ECA é muito pouco difundido ainda, nós temos que tentar fazer com que ele seja cumprido em sua plenitude, ai nós teremos um avanço muito grande. Muita gente critica o ECA, dizendo que é uma lei que só protege, que não pune menores infratores. Isso é inadmissível. Na verdade, a criança e adolescente, para que ele possa ter esses direitos, com certeza ele não vai entrar na criminalidade, porque os direitos estarão sendo cumpridos. Por exemplo, crianças e adolescentes que tem acesso a esporte, lazer e cultura, que com quinze anos tem acesso ao “ Menor Aprendiz”, que vai para a escola cedo e que a tarde pratica esporte ou trabalha, qual a margem dessa criança entrar na marginalidade ou usar drogas? É Quase zero. Então temos que defender que o estatuto seja cumprido, e não defender que caminho da juventude seja o presídio. Eu garanto pra você, cumpre o estatuto que vão se resolver essas questões de adolescentes em situação de infrações e de risco. Só para acrescentar, é importante registrar, que as empresas de Goiânia não estão cumprindo com a lei do menor aprendiz, ou seja, a cada vinte empregados que tem na empresa, um tem que ser adolescente. Ou seja, temos diversas empresas em Goiânia, como os bancos, supermercados, setor automobilístico, alimentício.Então esses direitos são violados. O conselho tutelar vai junto com a juventude, no caso a UGES, tentar mobilizar uma reunião com o MP do trabalho, para que faça as empresas cumprirem.

Vermelho: Quais são os principais problemas e quais são as soluções que você vê hoje, estruturalmente, dentro do Conselho Tutelar?
Vinicius: Primeiro, o número de Conselhos Tutelares já é inviável para a cidade de Goiânia, que tem 1 milhão e 300 mil habitantes. A resolução do Conanda que é o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, diz que a cada 100 mil habitantes tem que ter um conselho tutelar, ou seja, com 1,3 milhão de habitantes, só temos seis. Há uma necessidade de criação de mais sete Conselhos Tutelares em Goiânia. Este já é um primeiro objetivo para que mais pessoas possam ter acesso ao Conselho Tutelar. É complicado que cada região de um conselho atenda mais de 90 bairros da cidade. Outra questão que queremos construir e que tenha uma solução rápida é a estrutura para subsidiar a atuação do conselheiro tutelar. Hoje o Conselho Tutelar não tem veículos e nem recursos para conduzir as crianças, para fazer o seu trabalho, há uma necessidade de ter uma rede de atendimento mais próxima da população. Um exemplo de muitos pedidos de mães é a disponibilidade de vaga para os Centros Municipais de Educação Infantil (CMEIs). Então esta é a principal bandeira para o Conselho lutar para obtermos mais vagas nos CMEIs em Goiânia, precisamos garantir este direito, que também relaciona o acesso ao esporte, à cultura e à educação de qualidade. Por isso, é um trabalho que tende a melhorar a vida de nossas crianças. Este é o principal objetivo do Conselho Tutelar, estruturar seu trabalho e fazer com que os direitos das crianças cheguem a todas as crianças da cidade, principalmente as da periferia.

Vermelho: Quem paga estas contas do Conselho Tutelar?
Vinicius: Este é o grande problema. O Conselho Tutelar (CT) foi criado por uma Lei Federal, instituindo o Município para estruturar. Eu acho que a Federação tinha que arcar com as despesas do CT, porque é um órgão que não é vinculado ao poder judiciário, não é vinculado ao poder legislativo, nem é vinculado ao poder executivo. Ele tem autonomia, mas só consegue ter autonomia se ele tiver as estruturas necessárias. Como você vai cobrar da Prefeitura se ela é a responsável de te dar o aparato e suas ferramentas de trabalho? É muito contraditório. Então, como o poder judiciário, que tem seus próprios recursos, eu defendo que o CT também tenha seus próprios recursos, gerir seus próprios recursos e que essa verba venha do governo federal para podermos agir com mais autonomia.

Vermelho: Quais são os principais problemas que chegam no CT? Ele tem poder de investigação?
Vinicius: Não, o CT não tem poder nem atribuição de investigar. É função do CT garantir direitos. Como garantir? Aí tem as decisões deste conselho. É requisitando que a secretaria ou a prefeitura faça com que aquela criança tenha seu direito garantido. Quando a questão é de violência, em que nós não sabemos quem é o agressor, aí nós trabalhamos em conjunto com a polícia civil, que tem o trabalho de investigação deste fato. Por exemplo, é muito comum o abuso sexual e a violência doméstica e o abuso sexual tem que ser comprovado. A criança, a mãe ou o denunciante revelam quem é o principal suspeito, passamos estas informações à polícia civil, abrimos o boletim de ocorrência e aplicamos a medida de proteção. O que é a medida de proteção? Por exemplo, se for um padrasto ou um pai for o agressor, e está dentro da casa dessa criança, o CT tem que tirá-lo de dessa casa, ou, infelizmente, muitas vezes a gente tem que retirar a própria criança para segurança dela. Então tem que garantir, tirar a criança da situação de risco e colocá-la a salvo, este é o papel do CT. Então, quanto aos direitos, o que mais temos que buscar hoje é o acesso à educação infantil, o CMEI, e quanto à violência, cada dia sobe mais o número de denunciantes é porque a pedofilia começou a crescer, não, a denúncia sim e temos que resolver essa questão de exploração sexual e abuso sexual de uma vez por todas.

Vermelho: Recentemente, o Conselho Tutelar da região norte vem enfrentando um problema quanto à sede, parece que vocês serão despejados. Como está isso?
Vinicius: O CT da Região Norte está com um “problemão" para resolver, porque o imóvel é alugado e a Prefeitura não paga o proprietário do imóvel há onze meses. O proprietário entrou, coberto de razão, requerendo o imóvel para reintegração ou a Prefeitura, através da secretaria de assistência social, requerer o imóvel para o CT. Mas não deu uma sede digna, ou seja, estava propondo retirar o CT da Região Norte e colocá-lo na Região Central de Goiânia, ou seja, retirar de perto da comunidade, onde o principal objetivo, que é atender a comunidade, descentralizar o atendimento, ficar próximo das crianças, e colocar mais central, deixando o Conselho do centro com duas sedes. Então foi arbitrado, o CT da Região Norte e os CTs de Goiânia conjuntamente se mobilizaram e acabaram tomando a decisão de não sair da sede. É a primeira vez que em Goiânia tem esta ação conjunta, um presidente que coordena os trabalhos e uma ação em que os conselheiros trabalham em conjunto, com o mesmo objetivo, a mesma pauta, as mesmas prioridades. E nós temos crescido muito com isso. Por exemplo, os conselheiros tutelares não tinham seus direitos trabalhistas garantidos, como licença paternidade, licença maternidade. Esta briga, dos CTs da seis regiões, 30 conselheiros, cobrando do executivo, em parceria com alguns parlamentares, fez com que estes direitos (licenças maternidade e paternidade, mais 13º e férias), direitos trabalhistas que são constitucionais, conquistados pelos trabalhadores brasileiros, fossem garantidos aos conselheiros. Hoje o CT de Goiânia cresceu muito, está muito respeitado, numa visão de macro mesmo, brigando pelos objetivos mais coletivos, não pensando apenas nas questões emergenciais, que são muito importantes, mas queremos construir é uma cidade melhor, uma vida digna para quem vive nela.

Vermelho: E este ano vai ter nova eleição para o Conselho Tutelar de Goiânia? Não vai?
Vinicius: Nesse ano de 2012, tem eleição municipal para vereadores e prefeitos, e teoricamente a eleição do conselho tutelar será no mesmo período. Nós tivemos um grande avanço na ultima eleição do conselho tutelar, que nós usamos urnas eletrônicas geridas pelo TRE, e esse ano, que a eleição vai acontecer no mesmo período, nós vamos ter um retrocesso e vamos ter que voltar a urnas com papel, que é fácil de burlar o sistema. Outra questão é que teríamos o número de eleitores muito pequeno, porque votar para conselho tutelar não é obrigatório, é facultativo, então será muito difícil fazermos a eleição este ano. Se tiver segundo turno, que é muito provável, o eleitor terá que ir três vezes votar, duas vezes para Prefeito e uma para o Conselho Tutelar. Então ia ter uma dificuldade muito grande, e ainda mais a diferenciação de números, o conselheiro pedindo um número, o vereador pedindo outro, então ia virar uma bagunça na cidade na questão de eleição. E sem contar o seguinte, nós temos que também, tentar fazer com que o conselho tutelar tenha o mínimo de influencia política. E se a eleição acontece ao mesmo tempo, iam acontecer dobradinhas, e seria um derramamento muito grande de dinheiro na eleição do conselho tutelar, prejudicando a autonomia e o trabalho depois dos conselheiros. Então nós defendemos que essa eleição seja prorrogada para o ano que vem. O Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de Goiânia – CMDCA, que gere essas eleições, já deu um parecer positivo para a eleição ser prorrogada para o ano que vem. E há um Projeto de Lei nacional, correndo no Senado, para unificação da eleição em todo Brasil. Pra mim seria um grande avanço. Poder acontecer no mesmo dia, em todo Brasil, mais fácil a divulgação nos veículos de comunicação, mais fácil porque o TRE já se programa. Então eles querem unificar para um ano após as eleições de governadores. Ou seja, nunca ia chocar a eleição partidária com a eleição do CT, e aumentaria o mandato do conselheiro tutelar para quatro anos. O projeto esta no senado, na comissão dos direitos humanos, sob a relatoria do senador Gim Argelo do DF, que também foi o relator na CCJ, com parecer favorável a essa aprovação. Então estamos apreensivos para que essa votação aconteça o mais breve possível, haja visto, que esse projeto de lei seja levado a Câmara federal. Este é nosso objetivo. Que a gente consiga mobilizar os conselheiros tutelares de todo país para a aprovação desta PL. Seria uma vitoria muito grande para a rede de proteção à criança e ao adolescente.

Vermelho: Tem mais alguma coisa que você gostaria de completar?
Vinicius: Sim, acho importante fazer esse tipo de matéria para conscientizar a população sobre o que é o trabalho do conselheiro tutelar. Que tem um papel fundamental na sociedade. Porém, ela é muito pouco visível ainda. Tem muita gente procurando, mas ainda há muita violência acontecendo por aí, e o que a comunidade tem mais acesso é o conselho tutelar. E também de tentar conscientizar o poder executivo e legislativo da importância de ter um conselho tutelar forte em cada cidade do país. Então esse é o principal objetivo, um CT forte, com autonomia e que possa realmente trabalhar em prol de nossas crianças.

Da redação local, Eliz Brandão para o Portal Vermelho.