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Desfrutando conquistas ainda buscamos emancipação – Parte 1

Contribuição para os debates da 2ª Conferência Nacional do PCdoB Sobre a Emancipação da Mulher. Parte 1 de 3.

Por Simone Lolatto*

Considero mesmo que tudo o que foi socialmente construído e não nos agrada pode ser destruído e, se for pertinente, reconstruído de um novo modo; demanda tempo, talvez várias gerações, mas, sim, é possível!

Eis pois o desafio fundante da busca pela emancipação humana e, com ela, a emancipação feminina. Em conformidade com os parágrafos 24 a 28 do documento sistematizado no Caderno da 2ª Conferência Nacional do PCdoB Sobre a Emancipação da Mulher, este breve artigo tem o singelo objetivo de contribuir para o debate que, para a surpresa de alguns, já tem muito tempo em nosso Partido.

De fato, se a emancipação feminina é dificultosa, a emancipação humana envolve mesmo características específicas e complexas (vide parágrafo 26 do Caderno acima citado). Para Morin, complexo é aquilo que não conseguimos explicar com facilidade: “Designamos algo que, não podendo realmente explicar, vamos chamar de ‘complexo’. Por isso é que, se existe um pensamento complexo, este não será um pensamento capaz de abrir todas as portas (…), mas um pensamento onde estará sempre presente a dificuldade. No fundo, gostaríamos de evitar a complexidade, gostaríamos de ter ideias simples, leis simples, formulas simples, para compreender e explicar o que ocorre ao nosso redor e em nós. Mas, como essas fórmulas simples e essas leis simples são cada vez mais insuficientes, estamos confrontados com o desafio da complexidade” (Morin, p. 274). Com um misto de alegrias e tensões, eis instalado o debate sobre a nossa 2ª Conferência; alegrias porque o debate é sempre bem vindo e tenho certeza que terá consequências positivas, práticas dentro do Partido, com maior ou menor intensidade em todo o país. Angústias porque ainda percebemos muito no campo da retórica, dos discursos quando se fala em assumir coletivamente esta tarefa e, no cotidiano, o que se vê é qualquer outra atividade ser priorizada e as secretarias das mulheres “batalhando” pra fazer acontecer alguma forma de debate – ressalvadas algumas exceções, com certeza.

Uma questão secundária? Os escritos sobre a condição feminina são recentes na história da humanidade, datam de 100 anos aproximadamente, sendo a mais ampla com pouco mais de 60 anos, refiro-me ao Segundo Sexo de Simone de Beauvoir (publicado em 1949) e que lançou as bases sobre os debates de gênero que mais tarde seriam aprofundados e sistematizados (a partir de 1960). Antes disso, entre a segunda metade do século XVIII e principiar do XIX houvera homens e mulheres que arriscavam ao pioneirismo de escrever/debater a opressão das mulheres associada a de classes, para citar apenas alguns dos mais populares Johann Bachofen, Lewis Morgan, Friderich Engels, Karl Marx, Alexandra Kollontai, Rosa Luxemburgo, Clara Zetkin.

Apesar disso foi, e ainda o é, considerada uma questão de menor importância, segunda categoria, literalmente o “outro”, como vai referir-se então Beauvoir já na entrada de 1950 ao lançar o que veio a se constituir no seu mais importante livro, colocando-a, passada a febre do existencialismo, entre as pessoas e obras de maior originalidade e influência na filosofia daquele século, “o Segundo Sexo influenciou sobremodo o pensamento feminista e tem contribuído para transformar não somente a visão de milhares de mulheres sobre a vida em sociedade, como também suas condutas” (Saffioti, 1999, p. 163). Afirmava ela com segurança, aliás uma marca em todas as suas publicações: “É difícil para o homem medir a extrema importância de discriminações sociais que parecem insignificantes de fora e cujas repercussões morais e intelectuais são tão profundas na mulher que podem parecer ter suas raízes numa natureza original…” (Beauvoir, p. 20). E prossegue a influenciar apesar do esforço em mantê-la a sombra assim como a Condição Feminina, assim como a Emancipação da Mulher!

Para as pessoas feministas emancipacionistas não há receio, não há risco algum em perderem-se na fragmentação, ao contrário: o que existe é a alegria de terem apreendido a diversidade das questões de gênero galgando sua importância como sujeitos políticos numa arena pública como nos inspira Mary Castro (1992, p. 57). Neste sentido categorias como gênero-classe-raça-geração-orientação sexual se entrelaçam num processo alquímico (1) – aquilo que uma vez misturado não pode mais ser separado – sem etapismos, com a mesma urgência no aqui e agora e emendo: sem receio de enfrentar o debate do multiculturalismo, essa questão não passa por ai quando se afirma que as pessoas possuem identidades múltiplas: mulher, negra, trabalhadora doméstica, com 40 anos. Quantas coisas essa simples auto identificação, tão corriqueira, nos diz! E, recorrendo ao nosso documento base, na citação de Marx cit in Castro 2000, paragrafo 30 “a sociedade não consiste de indivíduos, mas expressa a soma de relações, relações nas quais se encontram os indivíduos” e isso fica visivelmente moldurado pela práxis, esta que, segundo Saffioti (1999, p. 162) constroi homens e mulheres e suas relações.

Notas

(1) Sobre a utilização do termo “alquimia” ver este artigo de Mary Garcia Castro: Alquimia de categorias sociais na produção dos sujeitos políticos, nas paginas 59 e 60.

*Secretária Estadual da Mulher do PCdoB em SC. Assistente social, funcionária pública municipal da Prefeitura de Florianópolis. Doutoranda no Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas (UFSC), mestre em Serviço Social e especialista em Políticas Públicas.

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