Odete Filipe: Participação das trabalhadoras na luta por direitos

Quando falamos da luta das mulheres trabalhadoras ocorre-nos, naturalmente, a luta heróica das trabalhadoras têxteis de Nova Iorque, em 1857, pela redução do horário de trabalho, que está na origem das comemorações do 8 de Março como Dia Internacional da Mulher, cujo centenário foi assinalado em 2010.

Por Odete Filipe*

Mas, também em Portugal, as mulheres desempenharam um papel ativo ao longo da história, tendo chegado aos nossos dias testemunhos dessa participação, ligado à luta pela independência nacional, contra a opressão, pelo progresso, pela justiça, pela igualdade e pela liberdade.

Durante a longa noite do fascismo, as mulheres, assumindo uma intervenção crescente na defesa dos seus direitos, mas também na luta de todos os trabalhadores contra a exploração, pela emancipação social e pelas liberdades, deram um contributo indispensável para o derrube da ditadura e a instauração do regime democrático, alcançado com a Revolução de 25 de Abril de 1974.

Foi como corolário dessa luta que a Constituição da República, promulgada em 1976, inscreveu no seu capítulo dos Direitos, Liberdades e Garantias fundamentais a proibição da discriminação com base no sexo, a protecção e a igualdade na família, o direito ao trabalho, ao salário, ao horário e à conciliação do trabalho com a vida familiar e pessoal, a proteção na maternidade e paternidade, o direito à segurança social, à saúde e à segurança no trabalho, ao ensino, à cultura e ao lazer.

Podemos assim dizer que, fruto da luta desenvolvida, existem instrumentos jurídicos que, se fossem integralmente aplicados, tanto nas empresas e serviços como na sociedade, teríamos uma situação bem diferente e para melhor daquela que se vive em matéria de discriminação em função do sexo, e não só.

A verdade é que os sucessivos governos têm sido cúmplices do grande capital no incumprimento das leis que salvaguardam os direitos das mulheres. É disso exemplo o incumprimento do preceito constitucional que determina "para trabalho igual, salário igual", em que o patronato continua a usar em seu proveito a diferenciação salarial entre mulheres e homens em categorias profissionais diferentes mas cujas funções têm idêntico, ou igual valor. Trata-se de mais um expediente, porque o grande capital sempre viu na mão-de-obra feminina um filão para aumentar os lucros à custa de baixos salários, das discriminações salariais e de uma exploração desenfreada.

O combate às discriminações e a garantia dos direitos e igualdade entre mulheres e homens tem de continuar a ser travado nos locais de trabalho, com a acção dos sindicatos da CGTP-IN, para que os direitos sejam cumpridos e os trabalhadores e trabalhadoras respeitados.

Os números da discriminação

As mulheres, principalmente no setor privado, continuam a ser discriminadas no emprego, nos salários (e, por consequência, nas reformas), na carreira profissional e nos direitos, nomeadamente de maternidade e paternidade, constituem a maioria dos desempregados (incluindo no desemprego de longa duração) e são as maiores vítimas do emprego precário.

Os dados recentes mostram que 24,5% das trabalhadoras têm vínculo precário (face a uma taxa média de 22,8%), mas a situação agrava-se para as mais jovens, quando 60,9% das jovens dos 15 anos aos 24 anos e 34% dos 25 anos aos 34 anos não têm emprego estável.

A discriminação no emprego e na carreira começa logo pelo fato de grande parte do emprego feminino estar concentrado em setores de atividade baseados em mão-de-obra intensiva, caracterizados pela prática de baixos salários e ocupar predominantemente os níveis de enquadramento mais baixos (entre os não qualificados e os semiqualificados).

São poucas as mulheres que ocupam lugares de topo ou de chefia, mesmo quando possuem habilitações académicas e qualificações profissionais para o efeito.

Esta realidade repercute-se desde logo numa diferenciação remuneratória acentuada. Os dados disponíveis, referentes a Outubro de 2010, mostram que sendo a remuneração de base média mensal de 942,40€, os homens auferiam 1024,40€ e as mulheres 831,90€, ou seja, as mulheres ganham em média menos 192,50€ do que os homens. Mas se analisarmos os ganhos médios mensais a diferença sobe para 269,30€.

Além disso, 14,4% das mulheres trabalhadoras recebem o salário mínimo nacional, enquanto a percentagem de homens a receber os 485€ é de 7,5%. Mas a situação agrava-se quando constatamos que 40% das mulheres que trabalham auferem um salário mensal de 500€.

Quando vamos verificar o que se passa em cada um dos sectores de atividade, a situação não melhora.

As diferenças salariais entre mulheres e homens chegam a superar os 30%, como se pode verificar na indústria transformadora – 32%; no alojamento e restauração – 29%; no comércio por grosso e retalho – 19%; na saúde humana e apoios sociais – 34%; na actividade financeira – 21%; na educação – 24%.

Um das causas da desvalorização das profissões exercidas pelas mulheres reside no fato de durante muito tempo se valorizarem mais as profissões que exigiam força física em detrimento das que exigiam mais perícia e minúcia, ou seja, precisão e repetição. Diziam então que a destreza de mãos era "característica das mulheres".

Hoje, com as novas tecnologias, a força física não é relevante, mas os trabalhos de precisão e repetitivos causam graves consequências para a saúde das mulheres trabalhadoras, que nunca foram tidas em conta em matéria de prevenção da saúde e segurança no trabalho.

É por essa destreza de mãos não paga que muitas mulheres estão com tendinites e outras doenças músculo-esqueléticas, que só à custa de muita luta e muita intervenção dos sindicatos são hoje consideradas doenças profissionais. Não será demais referir que 73% destas doenças se registam na indústria, das quais 61% afetam mulheres trabalhadoras.

A ocultação das discriminações salariais entre mulheres e homens

Apesar de inscrito há mais de 60 anos na Convenção 100 da OIT, transposta para a legislação portuguesa, integrando, designadamente, o DL 392/79 sobre igualdade de oportunidades entre mulheres e homens e apesar de constar no Código do Trabalho, os números da discriminação salarial mostram que o princípio do salário igual para trabalho de igual valor, está longe de ser aplicado.

As razões do lado patronal são evidentes: não querem perder a possibilidade de dispor de mais este mecanismo de exploração, e os sucessivos governos, do PS ao PSD e CDS, não estiveram, nem estão, interessados em pôr fim a esta forma de exploração dos trabalhadores. O patronato recusa-se a alterar esta diferenciação salarial entre mulheres e homens, que apenas beneficia a sua acumulação de lucro.

Já do lado dos trabalhadores se a exigência de salário igual para trabalho igual sempre foi um importante instrumento de intervenção sindical, o "salário igual para trabalho de igual valor" tem sido de mais difícil apreensão e aplicação prática. Contudo, esta é uma importante luta a travar contra a exploração e a desvalorização do trabalho dos trabalhadores e trabalhadoras.

Os exemplos que a seguir se apresentam pretendem apenas clarificar o que se entende por trabalho de valor igual e assim ajudar à inclusão desta matéria na ação reivindicativa nos locais de trabalho e nos processos de contratação coletiva em desenvolvimento.

Vejamos: Um homem, afinador de máquinas de costura ganha mais 95€ do que uma costureira especializada, que está 8 horas por dia a produzir na mesma fábrica. Coloca-se a questão: quem dá mais lucro à empresa é o afinador ou a costureira?

Uma operadora especializada, na peixaria de uma grande superfície, ganha menos 84€ do que oficial de carnes especializado. Será que as tarefas desempenhadas não têm a mesma dimensão e responsabilidade?

No setor da cortiça, a escolhedora de rolha ganha menos 46,83€ do que o escolhedor de prancha. Quem ganha com esta situação são os Amorins, que são apenas os mais ricos do país.

Na restauração e bebidas, a copeira aufere menos 35€ do que o cafeteiro, apesar daquela, para além da cafetaria, tratar também da loiça. Porquê esta diferenciação?

Finalmente, nas conservas, uma preparadora de conservas ganha menos 68€ do que um trabalhador de fabrico, isto num sector que tem 90% de mão-de-obra feminina. Enquanto elas escolhem, amanham, embalam e conservam o peixe, os homens trabalham com os empilhadores. Estes exemplos são significativos da exploração da mão-de-obra feminina, uma vez que a maioria destas profissões é exercida por mulheres.

É lógico que existem diferenças na natureza das funções exercidas em profissões como a costureira, o afinador, o cortar peixe ou cortar a carne; o fabrico das rolhas de cortiça não é o mesmo das de cortiça em pranchas; lavar e preparar a loiça é diferente de tirar um café. De facto as profissões não são iguais, mas podem ter o mesmo valor.

Nestes casos, pode parecer que não se adequa a aplicação do principio de "para trabalho igual, salário igual", porque se comparam profissões que aparentemente não possuem denominadores comuns. Mas a verdade é que elas fazem parte do mesmo processo produtivo, sendo de elementar justiça a aplicação do conceito de "salário igual para trabalho de igual valor".

Para a resolução deste problema, os postos de trabalho têm de ser avaliados com base em critérios comuns, considerando as competências, os esforços físicos e psíquicos, as responsabilidades e condições de trabalho, conforme está expresso na legislação em vigor. Ou seja, o que conta são as funções e tarefas e não quem ocupa o posto de trabalho, seja homem ou mulher.

A luta pela igualdade passa pela derrota do pacto de agressão

Nunca é demais relembrar que sem a emancipação da mulher não será possível a emancipação dos trabalhadores, rumo à sociedade sem classes que pretendemos construir.

Daí resulta que a luta pela igualdade e pela resolução dos problemas específicos da mulher no trabalho não pode ser encarada com uma tarefa exclusiva das mulheres, mas uma luta comum de homens e mulheres, inserida no combate permanente pelo emprego, pelo salário e pelos direitos, contra a exploração capitalista.

No momento difícil que vivemos, em que o Governo PSD/CDS, assumindo e agravando o pacto de agressão das troikas, está a atacar violentamente as conquistas econômicas, sociais e laborais e os valores da Revolução de Abril, essa compreensão da ação solidária e da luta comum torna-se ainda mais importante.

As mulheres trabalhadoras, uma vez mais estão na primeira linha da luta, tanto nas empresas e setores, como na luta geral, como se confirmou com a sua elevada participação na Greve Geral de 24 de Novembro e nas grandes ações de massas realizadas, particularmente nos últimos meses, que permitiram derrotar o projeto de aumentar o horário de trabalho em meia hora por dia, 2h30 semanais.

Luta, essa, que se vai intensificar nos próximos tempos, agora para derrotar o famigerado "acordo" de agressão aos trabalhadores, assinado pelo Governo, o patronato e a UGT, com a intenção de facilitar os despedimentos, cortar dias de férias e feriados, reduzir salários, cortar ainda mais no subsidio de desemprego, impor o banco de horas (incluindo a possibilidade de trabalho ao sábado) e, como cereja no topo do bolo, liquidar a contratação coletiva, para abrir caminho ao poder absoluto do patrão para decidir sobre o emprego e a vida dos trabalhadores e trabalhadoras.

Perante a gravidade das medidas que este "acordo" comporta, as mulheres trabalhadoras são as primeiras interessadas na derrota deste autêntico pacote de retrocesso social. Não porque as medidas não visem atingir da mesma maneira todos os trabalhadores, mas porque constituindo já, a par dos jovens, uma das camadas mais atingidas pelo desemprego, pela precariedade, pelos baixos salários, pelas discriminações, pelo aumento brutal do custo de vida e pela falta de infraestruturas sociais de apoio à família, a sua situação tornar-se-ia ainda mais grave se fossem transformadas em lei.

Por tudo isto, as comemorações do 8 de Março, Dia Internacional da Mulher, revestem-se este ano de particular importância, como dia de luta, pela defesa de conquistas históricas tão importantes como o horário de trabalho e outros direitos sociais, contra as políticas de austeridade e o pacto de agressão que está na sua génese.

Mas deve ser também um dia de acção nos locais de trabalho, promovendo o esclarecimento e a mobilização para uma cada vez maior participação das mulheres na organização e na acção sindical (para a qual já hoje contribuem com 52,8% das novas sindicalizações e 59,9% dos novos mandatos de delegados sindicais) e para a luta pela construção de um Portugal com Futuro.

*Odete Filipe é dirigente do Partido Comunista Português.

Fonte: O Militante