Sem categoria

Eneida (PA): Se socialista e não feminista, falta amplitude

Se feminista e não socialista, carece de estratégia; mas, se socialista e não feminista, falta amplitude

Por Eneida Canêdo Guimarães dos Santos*

Não se faz feministas por decreto. No caso de comunistas, quer sejam homens, ou, mulheres não será diferente! Contudo, não sem razões a plenária final do 11° Congresso Nacional do PCdoB, onde 25% do total de delegados/as eram mulheres (embora na base as mulheres fossem 41% dos participantes) aprovou-se a promoção da Conferência Nacional sobre a Questão da Mulher, periódica e antecedida de plenárias municipais e estaduais. Com o objetivo de elaborar e implementar políticas sob a ótica de gênero, consoante as demandas da emancipação da mulher e sua participação na luta transformadora, bem como na vida partidária (Artigo 54, Capítulo X, Estatuto do Partido Comunista do Brasil). Pretende-se envolver as mulheres na política, isto é, conquistar cada vez mais mulheres para que suas energias se voltem ao processo revolucionário – qualidade à política.

Não limitamos o debate sobre a igualdade entre os gêneros à representação em espaços de decisão em par de igualdades entre mulheres e homens, embora isso faça parte também. O documento base desta 2ª Conferência Nacional Sobre a Emancipação da Mulher apresenta qual o tipo de emancipação os/as socialistas pelejam na perspectiva de combate às formas de opressão da mulher como gênero humano no sistema vigente, com relações sociais de classe, gênero/sexo, raça/cor, geração. O que exige olhares diferenciados. O objetivo fundamental da luta comunista, a implantação de uma nova sociedade, livre da opressão do homem pelo homem, visa à emancipação humana, na qual inclui a emancipação das mulheres e de todos os segmentos sociais oprimidos e explorados rumo ao socialismo, estratégia comunista. O dito marxista que “a questão feminina é uma questão social e só como tal poderá ser resolvida” passa na atualidade pelas mudanças políticas, econômicas, culturais e sociais, as reformas estruturantes – parte da agenda em debate no Congresso Nacional, mas na essência os/as trabalhadores/as devem exercer a hegemonia nas instâncias de decisão do país. As possibilidades de avanço incluem um ativismo partidarista com liames entre as massas sociais visando o avanço da democracia brasileira, inclusive. Por ser socialista e ter claro a estratégia, por acaso, de forma mecânica, materializar-se-á a amplitude na/da luta feminista?

A perspectiva quanto à atuação militante no movimento feminista tem tido tratamento prioritário no aporte comunista, desde antes e, em passado recente (década de 1980) construímos às entidades locais da corrente emancipacionista coordenadas pela União Brasileira de Mulheres, tendo como objetivo “organizar e unificar a luta das mulheres contra a discriminação e marginalização, na perspectiva de sua emancipação”. Na mesma linha, a revista Presença da Mulher, com publicação periódica e de qualidade quanto à política e à teoria, cumpre papel na difusão da concepção emancipacionista no seio do movimento feminista – urge ser mais bem visitada pelas bases partidárias. O fato, é que nessas construções adquirimos visibilidade e respeitabilidade, assim como surgiram dificuldades fruto de incompreensões sobre o papel da luta das mulheres diante de objetivos maiores. Incompreensões coletivas, as quais enfrentadas nas diversas instâncias, em maior ou menor grau – o que se percebe pelos resultados. De certa forma, é um processo em construção, o partido e sua atuação social e política composta de homens e mulheres interage na sociedade.

Informes especiais sobre a questão da mulher têm sido apresentados nas instâncias de decisão do Partido. O 7º Congresso Nacional realizado em 1988 enfatizou que “as tarefas de mobilização das mulheres não podem se restringir às companheiras que atuam nas entidades” (MORAES, 1989, p. 191). Ficou, então, o indicativo de que “A luta pela emancipação da mulher é tarefa de todo o Partido” (Idem). Esforços têm sido dispensados na convicção da importância do envolvimento da metade do céu no processo de transformação da sociedade brasileira rumo ao socialismo.

Como contribuir para materializar a amplitude proposta na estratégia comunista além das normas estatutárias? No que se refere à vida partidária não devemos nos conformar a debater o envolvimento partidário no/para o movimento feminista somente no calendário da conferência e de sua própria realização. Temos um campo de ação militante definido nos diversos segmentos sociais. Pensar o movimento feminista articulado com o sindical, o da juventude, o de negros/as, e outros movimentos sociais, etc. focando a questão específica de gênero no contexto geral sem perder a perspectiva socialista. O marxismo nos convida ao estudo contribuindo para qualificar o ativismo militante. As secretarias estruturantes (entre essa a formação) devem articular junto às frentes de atuação militante a promoção de cursos radicalizando a concepção socialista, parte da agenda.

Difundir estudos sobre as contribuições do marxismo ao feminismo, radicar o enfoque histórico e material, ideário que permitiu a desnaturalização da subordinação da mulher, os clássicos merecem mais nossa atenção. Engels situa sua gênese em contextos socioeconômicos determinados ao tratar sobre o “desmoronamento do direito materno, a grande derrota histórica do sexo feminino em todo o mundo”. E continua que o “homem apoderou-se também da direção da casa; a mulher viu-se degradada, convertida em servidora, em escrava da luxúria do homem, em simples instrumento de reprodução” (MARX e ENGELS, Volume 3, pg. 48). Em quais contingências materiais surgiu à primeira forma de opressão contra as mulheres, essas que tinham um papel público e assim que se instala a propriedade privada dos meios de produção são enclausuradas ao limite do doméstico, perdem a antiga função social na produção. O deslocamento entre o público e o privado interessa ao capital. Na atualidade as mulheres transitam entre o trabalho profissional e as tarefas do lar além de serem responsáveis pelo cuidado com os filhos. Ainda há a existência de uma terceira agenda, a atuação militante no sindicato e/ou no partido, no caso da ativista política.

Sobressai à questão do trabalho, e sua centralidade, bandeira principal das emancipacionistas. Questão que intervém na vida de todos e de todas, não só quanto ao aspecto econômico, mas, no político, no cultural, na representação social, na busca de paridade (mulheres e homens em par de igualdades), na transversalidade classe/gênero/raça/etnia/geração, e na materialidade da vida. Avançamos ao conferir situações, dados e propostas desde a 1ª Conferência a atualidade. A presença feminina, por exemplo, no Comitê Central passa de 21% para 31%, a média da presença feminina nos Comitês Estaduais no processo do 11º Congresso de 23,2% passou para 32% no 12º Congresso Nacional, mas às vésperas de um processo de disputa eleitoral que segue (2012-2014) é necessário fazer crescer o contingente de mulheres eleitas, e, para o 13º Congresso Nacional do PCdoB há muito ainda o que desenvolver. Por mais que sejam as mulheres que têm que se investir de poderes na luta contra a opressão, entretanto, na atualidade, mais do que antes, homens e mulheres comunistas, ou, mulheres e homens comunistas, a ordem não interessa, são os/as protagonistas para consolidar a amplitude. E na teoria e na práxis se completarem como socialistas feministas rumo ao socialismo!

 
*Secretária Estadual de Formação e Propaganda do PCdoB/Pará, militante comunista feminista emancipacionista, uma das fundadoras da União Brasileira de Mulheres, e mestre em sociologia.

Referências Bibliográficas:

ARAÚJO, Clara, Marxismo, Feminismo e o Enforque de Gênero, Dossiê Marxista, Crítica Marxista, Editora Boi Tempo, São Paulo, 2000.
MORAES, Jô, A Luta pela Emancipação da Mulher, A Política Revolucionária do PCdoB, Editora Anita Garibaldi, 2ª Edição, São Paulo, 1989.
Estatuto do Partido Comunista do Brasil, Artigo 54, Capítulo X Dos Movimentos Sociais, 11º Congresso Nacional do Partido Comunista do Brasil, Brasília, 2005.
MARX, Karl e ENGELS, Friedrich, A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, Obras Escolhidas, Editora Alfa Omega, Volume 3.