Jovens fazem nova onda de esculachos contra torturadores

Eles não vão parar. Cresce a mobilização para que se apurem os crimes ocorridos durante a ditadura militar no Brasil. Nesta segunda-feira (14), integrantes do Levante Popular da Juventude realizaram 12 atos em 11 estados. As manifestações populares, conhecidas como escrachos ou esculachos, geralmente ocorrem em frente da casa ou do local de trabalho de militares que agiram como torturadores durante os anos de chumbo.


Ato em Fortaleza reuniu 80 pessoas / foto: divulgação levante Popular da Juventude

Segundo o grupo, os atos de hoje se basearam na denuncia de ex-agentes que participaram direta ou indiretamente de ações de tortura na época e aconteceram em frente a prédios que serviam para tais fins, como o Departamento de Ordem Política e Social (Dops) e o Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (Doi/Codi).

Os 11 estados que ocorreram as ações foram Pernambuco, Paraná, Bahia, Ceará, Sergipe, Paraíba, Rio Grande do Norte, São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.

Oito agentes foram denunciados publicamente por meio dos esculachos, ao apontarem suas participações nos processos de tortura durante a ditadura. Eles aproveitaram para condenar os setores conservadores, dentro e fora das Forças Armadas, "que não aceitam a democracia e não admitem a memória, a verdade e a justiça, desrespeitando a autoridade da presidenta Dilma Rousseff e ministros de Estado, como no manifesto “Alerta à nação”. Recentemente, alguns dessse grupos conservadores se manifestaram contra a Comissão da Verdade.

Comissão da Verdade

Os manifestantes apoiam a instalação da Comissão da Verdade, cobram a localização e identificação dos restos mortais de desaparecidos políticos e exigem que os torturadores sejam julgados e punidos.

São Paulo

Em São Paulo, cerca de 100 jovens fizeram o esculacho do homem que torturou a presidente Dilma Rousseff, o tenente-coronel reformado Maurício Lopes Lima, reconhecido pela presidente como torturador da Operação Bandeirante, no município do Guarujá, no litoral de São Paulo.

Minas

Foram dois protestos em Minas Gerais. Um em Belo Horizonte, onde o alvo de mais 100 pessoas foi a casa de João Bosco Nacif da Silva, médico-legista da Policia Civil da ditadura militar, denunciado pela participação num crime de assassinato e tortura na capital, em 1969. O médico-legista assinou laudos falsos de corpo delito naquela ocasião, como no caso de João Lucas Alves, que teve em seu atestado de óbito o suicídio como causa da morte. A informação consta no livro Tortura Nunca Mais.

No município de Teófilo Otoni, no interior, cerca de 40 jovens fizeram um ato público nas ruas do centro da cidade. O ponto de partida da marcha foi a antiga cadeia da cidade e o Tiro de Guerra do Exército, e finalizaram na Praça Tiradentes. O objetivo foi resgatar a memória de Nelson José de Almeida, militante da organização política Comando de Libertação Nacional (Colina), morto aos 21 anos no município. Eles também denunciaram o responsável por sua prisão, tortura e morte: o antigo 1º tenente da Polícia Militar Murilo Augusto de Assis Toledo, que foi agente do Dops de Minas.

Bahia

Já na Bahia, por volta de 150 jovens de Feira de Santana, Cruz das Almas e Salvador foram às ruas da capital para fazer um esculacho contra o torturador Dalmar Caribé, cabo do Exército na ditadura, e responsável pelos assassinatos de Carlos Lamarca e Zequinha Barreto.

Os jovens seguiram em direção à Associação Cultural e Esportiva Braskem (Aceb), no bairro do Costa Azul, local onde funciona a Associação de Karatê da Bahia (Askaba), entidade fundada em 23 de novembro de 1967, pela família Caribé (Denilson Caribé de Castro e Dalmar Caribé de Castro).

Rio de Janeiro

Cinquenta pessoas fizeram um protesto em frente a casa do torturador José Antônio Nogueira Belham, no Flamengo, Zona Sul do Rio. Belhan, envolvido nas torturas como colaborador e informante, foi o chefe do DOI-CODI. Dentre as inúmeras torturas e assassinatos cometidos em sua repartição está a do engenheiro civil e militante pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) Rubens Paiva. O caso é citado no livro A Ditadura Escancarada, de Elio Gaspari, entre outras publicações.

Sergipe

Em Sergipe, o esculachado foi o médico apoiador da ditadura José Carlos Pinheiro, diretor do Hospital e Maternidade Santa Isabel, o mesmo alvo da última ação. Ele é acusado de acompanhar presos políticos submetidos à tortura no 28° Batalhão de Caçadores. Aproximadamente 50 jovens denunciaram que a função do médico era “diagnosticar” a saúde dos homens e mulheres torturados para determinar se eles aguentariam ou não mais atos de violência.

Pernambuco

Em Pernambuco, o torturador escolhido foi o desembargador aposentado Aquino de Farias Reis. Aquino foi delegado de plantão no Dops de Pernambuco, quando o preso político Odijas Carvalho, estudante de agronomia da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), foi barbaramente torturado aos 26 anos de idade e morto por causa das torturas, em 30 de fevereiro de 1971. A ação aconteceu em frente ao Condomínio Ilha do Retiro, onde fica sua residência.

Pará

Dezenas de jovens paraenses realizaram um escracho em frente ao prédio do Ministério da Fazenda, em Belém. O objetivo foi denunciar que naquele prédio trabalham dois torturadores da ditadura militar: Magno José Borges e Armando Souza Dias. Os dois ligados ao DOI-CODI estiveram no episódio da Guerrilha do Araguaia. Além dos cargos públicos, uma denúncia publicada pelo jornalista Mario Augusto Jakobskind diz que ambos também trabalham na Agência Brasileira de Inteligência (Abin).

Rio Grande do Norte

Na capital do Rio Grande do Norte os jovens resgataram a memória mostrando os rostos e contando a história de quem morreu por defender a liberdade e justiça, ao homenagearem pessoas torturadas e mortas pelo regime, como Edson Neves, Emanuel Bezerra, Anátalia Alves e José Silton Pinheiro. O ato aconteceu na Praça Cívica de Natal, em frente ao Palácio dos Esportes.

Ceará

Cerca de 80 pessoas foram mobilizadas no Ceará, onde o foco da ação foi a antiga sede da Polícia Federal, que funcionou como um centro de tortura onde vários militantes de movimentos sociais e partidos políticos foram presos e torturados durante a ditadura. Hoje em dia abriga a Secretaria de Cultura de Fortaleza (Secultfor). Entidades e ex-presos políticos também se somaram ao protesto.

Paraíba

Já na Paraíba, o Levante promoveu uma manifestação na Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e na Escola Estadual Presidente Médici, em João Pessoa, com o intuito de dialogar com os estudantes e resgatar à memória o período opressor da Ditadura Militar.

Rio Grande do Sul

O município de Santa Maria (RS) foi tomado por uma série de colagens de cartazes pela cidade para denunciar os tempos da ditadura civil-militar brasileira. A atividade procurou problematizar junto à população a necessidade de instauração da Comissão da Verdade, que vai apurar os crimes cometidos durante o período.

Leia nota do Levante sobre a instalação da Comissão da Verdade:

#Levantecontratortura: Comissão precisa de apoio para alcançar objetivos

A Comissão Nacional da Verdade precisa de apoio e acompanhamento de toda a sociedade, para que venha a cumprir a contento a tarefa que tem pela frente:

– conhecer a verdade sobre os processos de tortura, estupro, morte e desaparecimento forçado dos homens e mulheres que resistiram à Ditadura Militar;

– levar ao conhecimento da sociedade as lutas e a resistência daqueles que enfrentaram a ditadura e os nomes dos agentes do aparelho repressivo e os crimes por eles cometidos;

– fornecer os elementos necessários para que os torturadores, estupradores, homicidas e sequestradores que agiram em nome da ditadura com crime e covardia – e se escondem até hoje – possam ser responsabilizados e punidos, como determinou a Corte Interamericana de Direitos Humanos;

Convidamos a juventude e toda a sociedade para se posicionar em defesa da Comissão Nacional da Verdade, contra as pressões para que seus objetivos não sejam cumpridos ou os resultados desmoralizados, e contra os torturadores, que hoje denunciamos e que vivem escondidos e impunes e seguem ameaçando a liberdade do povo. Até que todos os torturadores sejam julgados, não esqueceremos, nem descansaremos.

Fonte: Levante Popular da Juventude