Estados querem recuperar a OMS

As privatizações arrasaram há tempos com a Organização Mundial da Saúde (OMS), por isso chegou a hora de recuperar seu caráter público, afirmam especialistas por ocasião do encontro global que esta agência da Organização das Nações Unidas (ONU) realiza desta segunda, 21 de maio, até sábado, 26, em Genebra.

Por Gustavo Capdevila, na agência IPS

Assim, a reforma da OMS é um dos temas centrais da ordem do dia da Assembleia Mundial da Saúde.

Em conjunto, os 194 membros da OMS contribuem com apenas cerca de 20% dos recursos totais, aproximadamente US$ 4 bilhões, gastos anualmente com pessoal e projetos de saúde. O restante, a parte grossa do orçamento, provém de doações de particulares e de projetos financiados pro algumas nações industrializadas que se reservam o direito de escolher o destino de seus investimentos.

Dessa forma, as contribuições regulares dos Estados membros bastam apenas para cobrir salários e encargos sociais de aproximadamente oito mil funcionários que trabalham na sede da OMS. Assim, os governos, particularmente os do Sul em desenvolvimento, se converteram em simples assistentes no cenário onde são tomadas as decisões a respeito da saúde mundial.

Grandes sociedades caritativas, como a Fundação Bill e Melinda Gates, entregam voluntariamente quantias multimilionárias, mas que só custeiam projetos afins com seus interesses, denunciam os analistas. Todos os doadores nos últimos sete anos deram dinheiro para assuntos que não são prioridades, que lhes interessam por motivos bons ou ruins, mas que por sua natureza não são do mandato da OMS, afirmou à IPS o especialista Germán Velásquez, assessor do Centro Sul.

A OMS está praticamente privatizada, criticou Velásquez, que até dois anos atrás tinha funções executivas nessa organização. Ele sugere aplicar um plano progressivo para, no prazo de cinco, oito ou 10 anos, se recuperar o caráter público desta agência, para que os ministros da Saúde do mundo inteiro retomem o poder e possam fixar prioridades.

Velásquez acrescentou que "uma coisa da qual a Secretária da OMS não quer ouvir falar, mas os países têm que dizer, é que aqui a primeira e mais urgente reforma é recuperar o caráter público e multilateral". O plano sugerido permitiria aumentar de forma paulatina a quantia do orçamento regular, "que é os Estados podem controlar", afirmou.

O diretor de Estratégia da OMS, Andrew Cassels, expôs o problema em outros termos. "Não podemos continuar com esta situação em que os Estados membros fixam os objetivos e depois só respondem por 20% do orçamento, proveniente de suas cotas. Temos que conseguir o restante", afirmou. "Por isso, decidimos que se queremos contar com uma agência da ONU sobre saúde que seja verdadeiramente responsável precisamos vincular a responsabilidade de estabelecer objetivos com a responsabilidade de financiar os trabalhos que nos farão alcançá-los", acrescentou Cassels.

Velásquez estima que o mundo industrializado que contribui voluntariamente deve aceitar que, por uma decisão da Assembleia Mundial da Saúde, esses fundos se convertam em contribuições regulares. Os países em desenvolvimento, sobretudo os emergentes, também teriam que aumentar suas contribuições regulares, ressaltou este especialista do Centro Sul, um instituto intergovernamental de pesquisa com sede em Genebra.

Outro tema importante a ser examinado durante o encontro desta semana é a proposta de adoção de um tratado que regule a pesquisa e o desenvolvimento de medicamentos para serem atendidas as necessidades das populações do sul. Para Velásquez, o atual sistema de pesquisa e desenvolvimento de produtos farmacêuticos fracassa na entrega de remédios para os maiores setores da população mundial, em particular para os que vivem nas nações em desenvolvimento.

A situação nesses países reclama ações urgente, defendeu Velásquez. As doenças transmissíveis ainda causam anualmente dez milhões de mortes, sendo que 90% dessas vítimas residem no mundo em desenvolvimento, acrescentou. Um terço da população mundial carece de acesso aos medicamentos que necessita, e a situação piora nos países menos desenvolvidos, onde 50% de seus habitantes não têm acesso a esses remédios imprescindíveis.

Um grupo de trabalho integrado por especialistas de todas as regiões do mundo elaborou um informe sobre o problema. Nele recomenda à OMS iniciar negociações para a adoção de um tratado internacional vinculante sobre pesquisa e desenvolvimento de produtos farmacêuticos. Um dos pontos principais do informe sugere desvincular o preço dos medicamentos destinados a essas populações do Sul do custo das atividades de pesquisa e desenvolvimento dos produtos farmacêuticos.

Em termos de medicamentos, esse informe é o documento mais importante já produzido pela OMS nos últimos 30 anos, constatou Velásquez.

A proposta do grupo de especialistas será debatida esta semana pela Assembleia que, entre outros temas, deverá aprovar ou rejeitar a reeleição da diretora-geral da OMS, Margaret Chan, por mais cinco anos, como proposto pelo Conselho Executivo da agência.

Fonte: Envolverde