Parecer PL 3839/2012
Implicações, perspectivas e desafios decorrentes da
aprovação e sanção do Projeto de Lei 3839/2012
Publicado 31/05/2012 10:38 | Editado 04/03/2020 17:17
I. O PL 3839/2012
O Projeto de Lei nº 3839/2012, de autoria do Deputado Roberto Balestra, do PP/GO pretende inserir no § 8º do art. 11, da Lei nº 9.504/97 (Lei Partidária) um novo inciso, de forma que reste explicitado que “Para fins de expedição da certidão de que trata o § 7o, considerar-se-ão quites aqueles que:” “apresentarem à Justiça Eleitoral a prestação de contas de campanha eleitoral nos termos desta lei, ainda que as contas sejam desaprovadas”.
O PL 3839/2012 prevê ainda, como novidade que:
1. A decisão que desaprovar as contas sujeitará o candidato unicamente ao pagamento de multa no valor equivalente ao das irregularidades detectadas, acrescida de 10% (dez por cento);
2. Os recursos arrecadados com o pagamento da multa prevista na decisão que desaprovar as contas serão utilizados para compor o Fundo Partidário estabelecido no art. 38 daLei nº 9096/95 (Lei Partidária).
Apresentado o Projeto de Lei em 9 de maio do corrente ano, no mesmo dia foi apresentado pelos Líderes do PP, PT, PSDB, PTB, PSC, PDT,DEM, PMDB, PSD e do Bloco PR, PTDOB, PRP, PHS, PTC, PSL E PRTB, requerimento para que o PL 3839/2012 fosse apreciado em regime de urgência. Este Requerimento nº 5.231/2012 foi provado pelo Plenário da Câmara dos Deputados em 22 de maio de 2012, que também aprovou o PL 3839/2012, no mesmo dia 22 de maio de 2012.
A matéria agora será submetida à apreciação do Senado. Não tendo alterações no texto aprovado pela Câmara, o Projeto de Lei será submetido à sanção da Presidenta Dilma Roussef.
Publicada a lei no Diário Oficial da União, pretende-se superar entendimento adotado pelo TSE, expresso na instrução que dispõe sobre arrecadação e gastos de recursos por partidos políticos, candidatos e comitês financeiros e, ainda, sobre a prestação de contas nas eleições de 2012.
II. O entendimento atual do TSE
A questão controversa relativa a essa instrução refere-se às consequências da desaprovação das contas de campanha de candidato, sobretudo após a introdução, pela Lei nº 12.034/2009, do § 7º do art. 11 da Lei nº 9.504/1997, que assim dispõe: “A certidão de quitação eleitoral abrangerá exclusivamente a plenitude do gozo dos direitos políticos, o regular exercício do voto, o atendimento a convocações da Justiça Eleitoral para auxiliar os trabalhos relativos ao pleito, a inexistência de multas aplicadas, em caráter definitivo, pela Justiça Eleitoral e não remitidas, e a apresentação de contas de campanha eleitoral”.
Assim, a controvérsia cingia-se ao alcance da expressão “apresentação de contas de campanha eleitoral” como requisito essencial para a obtenção de quitação eleitoral.
Ao fazer a primeira interpretação do disposto no § 7º do art. 11 da Lei nº 9.504/1997, o Tribunal Superior Eleitoral decidiu, em 03/08/2010, por maioria, no julgamento do Processo Administrativo (PA) nº 594-59, que para a obtenção da certidão de quitação eleitoral não bastava a mera apresentação das contas; era necessário que elas fossem aprovadas.
Posteriormente, em 28/09/2010, no julgamento do Recurso Especial Eleitoral (Respe) nº 4423-63, com nova composição, o TSE, também por maioria, reviu seu posicionamento anterior e passou a entender que a certidão de quitação eleitoral poderia ser obtida com a mera apresentação das contas, desde que regular e oportunamente apresentadas.
III. A controvérsia
Tendo em vista os termos expressos do § 7º do art. 11, da Lei 9504/97, com a redação dada pela Lei nº 12034, de 29/09/2009 o entendimento do TSE expresso no § 2º do art. 52, da Res.TSE nº 23.376/2012 passou a causar muita apreensão em todos os Partidos Políticos, que requereram ao TSE a reconsideração do entendimento expresso em sua Resolução que regulamenta a arrecadação, despesas e prestação de contas para a campanha eleitoral de 2012.
Por não ter tido qualquer demonstração na perspectiva de revisão de seu entendimento regulamentar, a Câmara dos Deputados aprovou o PL nº 3839/2012.
O propósito legislativo consiste em explicitar o entendimento normativo já expresso por ocasião da aprovação e sanção da Lei nº 12034/2009.
Mas considerando a permanência da controvérsia no próprio TSE, considerando que em 2010, dependendo da composição do Tribunal firmaram-se duas decisões com entendimentos opostos (PA 59459 e RESPE 442363), o Poder Legislativo pretende conformar norma que expressamente afaste dúvidas e controvérsias quanto ao limite e o alcance da decisão da Justiça Eleitoral que desaprovar conta de campanha eleitoral.
Importante observar que o TSE, com menos de um ano das eleições de 2012, introduziu o entendimento expresso no § 2º do art. 52, da Resolução nº 23.376.
Com efeito, normas que não alteram o processo eleitoral podem ser alteradas até antes do início do período para as convenções eleitorais pelos Partidos Políticos, entre 10 e 30 de junho, para a escolha formal de seus candidatos. Para tanto, o Senado deverá aprovar o PL 3839/2012, originário da Câmara dos Deputados de forma que possa ser sancionada pela Presidenta da República antes de 10 de junho de 2012.
Por outro lado, a depender da interpretação que se der ao disposto na lei que resultar da aprovação do PL 3839/2012, poderá se adotar o entendimento do STF expresso no julgamento do RE 633703, segundo o qual, ao afastar a incidência da Lei Complementar nº 135/2010, ao processo eleitoral de 2010:
“O art. 16 da Constituição, ao submeter a alteração legal do processo eleitoral à regra da anualidade, constitui uma garantia fundamental para o pleno exercício de direitos políticos. Precedente: ADI 3.685, Rel. Min. Ellen Gracie, julg. em 22.3.2006. A LC 135/2010 interferiu numa fase específica do processo eleitoral, qualificada na jurisprudência como a fase pré-eleitoral, que se inicia com a escolha e a apresentação das candidaturas pelos partidos políticos e vai até o registro das candidaturas na Justiça Eleitoral. Essa fase não pode ser delimitada temporalmente entre os dias 10 e 30 de junho, no qual ocorrem as convenções partidárias, pois o processo político de escolha de candidaturas é muito mais complexo e tem início com a própria filiação partidária do candidato, em outubro do ano anterior. A fase pré-eleitoral de que trata a jurisprudência desta Corte não coincide com as datas de realização das convenções partidárias. Ela começa muito antes, com a própria filiação partidária e a fixação de domicílio eleitoral dos candidatos, assim como o registro dos partidos no Tribunal Superior Eleitoral. A competição eleitoral se inicia exatamente um ano antes da data das eleições e, nesse interregno, o art. 16 da Constituição exige que qualquer modificação nas regras do jogo não terá eficácia imediata para o pleito em curso”.
Destaco este entendimento expresso no julgamento do RE 633703, julgado em 23 de março de 2011, porquanto a maioria que o conformou, composta pelos Ministros Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Luiz Fux ainda compõem o STF.
IV. As providências e perspectivas cabíveis
É, portanto razoável prever que diante da sanção e vigência da Lei resultante aprovação do PL 3839/2012, poderá ocorrer diversas controvérsias judiciais, em especial quanto à aplicação desta nova lei ao processo eleitoral de 2012.
É que se deve considerar que nas eleições municipais o registro das candidaturas a Prefeito(a) e Vereadores(as) será processado e julgado pelos Juízes Eleitorais.
Das decisões dos Juízes Eleitorais, resultantes de impugnações do Ministério Público Eleitoral (MPE) ou outro candidato ou Partido, ou mesmo decorrente de parecer do MPE contrário ao registro, caberá recurso ordinário para o TRE do Estado ao qual o Juízo Eleitoral estiver vinculado.
Da decisão do TRE caberá a interposição de Recurso Especial Eleitoral para o TSE e deste Tribunal para o STF, caso haja controvérsia relacionada a fundamento constitucional.
Dessa forma, também é razoável prever a instabilidade e insegurança que a circunstância atual poderá acarretar no processo eleitoral.
Prevendo o volume de recursos decorrentes de impugnações de candidatos, sob o fundamento de não terem obtido certidão de quitação eleitoral, por terem tido na campanha passada prestação de contas desaprovada, importa ponderar sobre a relevância de que os candidatos e as candidatas, por intermédio de seus respectivos advogados e advogadas fundamentem seus recursos em garantias constitucionais.
Caso uma candidatura tenha seu registro indeferido sob o fundamento de ausência de uma das condições de elegibilidade, qual seja a ausência de quitação eleitoral, forçosamente o Juiz Eleitoral ou o TRE deverá preliminarmente afastar a incidência da nova lei que resultará do PL 3839/2012, sob o fundamento de violação ao disposto no art. 16 da Constituição. Ocorrendo este entendimento, o prequestionamento da matéria constitucional estará assegurado, de forma que de eventual decisão do TSE mantendo o indeferimento do registro da candidatura, poderá ser interposto o correspondente Recurso Extraordinário.
Outra alternativa, que a rigor se revelaria, no meu ponto de vista, providência processual que proporcionaria mais segurança jurídica, seria a propositura de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra a nova lei, imediatamente após sua publicação no DOU, com pedido de liminar, de forma que o STF possa ser instado a apreciá-la, ainda no mês de junho, antes porém do dia 30.
Com esta medida, ou se o STF admitir o conhecimento de uma Ação Declaratória de Constitucionalidade, o resultado deverá ser proclamado até o dia 28/06/2012, uma quinta-feira, de forma que os Partidos Políticos possam realizar suas convenções ou nas que ocorrerem antes, delegando aos seus órgãos partidários, entre os dias 29 e 30 de junho.
V. Conclusão
Do exposto, concluo conformando entendimento no sentido de que:
1. O PL 3839/2012 consiste em medida legislativa destinada a conformar explicitação interpretativa do disposto no § 7º do art. 11 da Lei 9.504/97, com a redação dada pela Lei 12.035/2010, afastando entendimento adotado pelo TSE em março de 2012 e que por esta natureza da norma contida no referido projeto de lei, não se está inovando ou introduzindo qualquer norma legal tendente ou destinada a alterar o processo eleitoral, não se aplicando o disposto no art. 16 da Constituição Federal;
2. A circunstância e a controvérsia que a matéria contida no PL 3839/2012 tem ensejado permite prever a possibilidade de que hajam decisões judiciais eleitorais que não apliquem a nova lei, mantendo o entendimento da Resolução do TSE, ensejando o desencadeamento de centenas de recursos para os TREs e destes para o TSE, bem como, havendo fundamento em alegada violação a norma constitucional, para o STF;
3. A partir da vigência da lei resultante da aprovação e sanção do PL 3839/2012, também será cabível a propositura de Ação Direta de Inconstitucionalidade no STF, com a eventual possibilidade do Supremo Tribunal Federal apreciar a concessão de medida cautelar (liminar) antes do término do período legalmente destinado às convenções partidárias, providência que poderia afastar o volume de recursos na Justiça Eleitoral e a insegurança jurídica no pleito de outubro de 2012.
Brasília, 24 de maio de 2012
Paulo Machado Guimarães
Advogado