Menina dos olhos de Niemeyer terá obra documentada em livro

Do lado de dentro da Catedral de Brasília é possível ver o céu: metade arte, metade natureza. Ele é verde, amarelo, azul, branco e transparente. A transparência é, justamente, a dinâmica dos pássaros e das nuvens que, não satisfeitos com o ar livre, insistem em participar do fenômeno artístico do lado oposto do vidro. 

Vitrais da catedral de Brasília

Quem visita o primeiro monumento criado na cidade-satélite, por Oscar Niemeyer nos anos 1950, tem uma sensação de transcendência. É a chamada “arte da luz” que, através de vitrais, humaniza as obras.

Se você, leitor, é recifense, certamente conhece a autora da monumental obra vitral na igreja brasiliense mais famosa.O seu nome é Marianne Peretti. Além de obras como o Palácio Jaburu, Memorial J.K, Panteão, o trabalho da artista está espalhado pelo Brasil. Mas a capital pernambucana é o seu reduto. Recife é um museu de Marianne em forma de cidade. Seus trabalhos estão em residências, hotéis, igrejas e espaços públicos.

Se o público geral não a conhece é porque, até agora, sua obra não foi documentada e, provavelmente, tão valorizada quanto merece. Até agora. Porque está por vir o Documento Marianne Peretti, fruto de uma união franco-brasileira que visa dimensionar o trabalho da menina dos olhos de Niemeyer. O livro, que conta com a colaboração de sete escritores, está em fase de captação de verbas, mas a produção já anda bem avançada.

Prova foi a visita de uma das mais renomadas pesquisadoras de arte vitral, Veronique David, engenheira do Ministério da Cultura da França, que esteve no Brasil, de 29 de maio a 5 de junho, para conhecer ao vivo as obras das quais ouvia falar. O resultado da viagem serve para o capítulo Os vitrais dos trópicos do documento, ainda sem previsão de ficar pronto.

“Eu trabalho com vitrais há mais de 40 anos e nunca vi trabalhos assim. Ela é única. Estou maravilhada tanto com a obra como com a personalidade da artista”, confessou ao relatar as surpresas da sua viagem. O clímax do encontro foi a ida das duas à catedral de Brasília. Os 2.240 m² de vitrais – incorporados ao espaço em 1988 – foram mais que suficientes para a convidada se apaixonar de vez pela assinatura de Marianne.

“Há uma satisfação para o espírito estar dentro do movimento dessas cores esplêndidas. É belíssimo”, conta pesquisadora, especializada em vitrais do século 20. “O vitral poderia ter descaracterizado a arquitetura, mas, ao contrário, ele a magnifica. Isso é exatamente o papel que o vitral deve ter”, explica.

Apesar de suas obras mais conhecidas serem os vitrais, o universo da artista não para por aí. São painéis com mais de um ponto de vista de observação, design de objetos (os “úteis e agradáveis”), esculturas, bronze e desenhos que vêem sendo produzidos em seu ateliê.

São sessenta anos de atividade artística, 84 de vida e a aposentadoria está fora dos planos. De frente para a máquina fotográfica, Marianne retira a escova de cabelo e se arruma para ser “captada”. A artista esbanja vitalidade e simpatia.

“Quando Marianne me contou a história de como concebeu o vitral da catedral (de Brasília), fiquei impressionada. Uma mulher sozinha levou a cabo a realização do edifício. Uma coisa esgotando, um trabalho de titã. É único no mundo. Posso confirmar”, diz Veronique David, relembrando o um ano e meio de trabalho árduo orquestrado por Marianne na sua obra mais conhecida.

Hoje, a artista sofre com a visível escoliose, presente dos anos em que subia e descia do topo do ginásio de Brasília. Foi no local, que tinha o perímetro equivalente ao da catedral, que a artista achou um jeito de projetar, nos mínimos detalhes o que seria o seu maior vitral.

Foi em 1976 que Marianne produziu o primeiro projeto para o arquiteto, um painel escultural em vidro e aço que habita a residência do vice-presidente, no Palácio Jaburu. Anos antes, em 1952, uma jovem Marianne apresentava a sua primeira exposição. Em solo parisiense, a mostra recebeu visitas de peso, como Salvador Dalí e, desde já, atraiu a atenção dos críticos.

Veronique batiza de Estilo Peretti todas as peculiaridades da artista. A lógica do título é a mesma da que se pronuncia a grandes figuras, como o Estilo Matisse ou o Estilo Pierre Soulages.

Fonte: Jornal do Commercio