Che Guevara: o diário da guerrilha

O Diário de um combatente é publicado, pela primeira vez em português. O livro mostra a visão clara e honesta de um dos maiores heróis mundiais do século 20: Che Guevara.

Por Marcos Aurélio Ruy*

Che Guevara, na mata, lendo

Já em seu nascimento houve uma controvérsia. Segundo o seu importante biógrafo, jornalista norte-americano Jon Lee Anderson (cujo livro também foi relançado recentemente) Ernesto Rafael Guevara de La Sierna nasceu no dia 14 de maio e não 14 de junho como consta em sua certidão de nascimento. De qualquer forma o lendário revolucionário teria hoje 84 anos, não tivesse sido assassinado em 9 de outubro de 1967, aos 39 anos, pelo exército boliviano e por agentes da CIA que agiam na Bolívia.

Uma de suas frases mais conhecidas – “há que endurecer sem perder a ternura jamais” – não é citada, mas o seu significado já pode ser apreendido nas entrelinhas do diário, publicado pelo Centro de Estudos Che Guevara, de Havana, que a Editora Planeta acaba de laçar no Brasil.

O livro mostra o espírito lúcido, coerente e apresenta clara e honestamente a visão dos revolucionários cubanos sobre o período que antecedeu sua tomada do poder em Havana, sob liderança de Fidel Castro, em 1 de janeiro de 1959, tornando Cuba o primeiro país socialista das Américas.

Argentino de nascimento Che tornou-se um herói de Cuba, um herói da América Latina, um herói do mundo por sua índole, caráter devotado à causa do socialismo, da liberdade, da justiça e da vida dos proletários do mundo. O diário do Che aborda em minúcias o desenvolvimento da guerrilha na Sierra Maestra entre 1956 a 1958, até poucos dias da tomada do poder e da fuga do ditador pró-Estados Unidos Fulgêncio Batista da ilha caribenha. “O presente livro, inédito como totalidade até a gora, faz parte de escritos emblemáticos da obra de Che, porque, desde sua primeira juventude, ele sempre teve necessidade de plasmar suas vivências pessoais de forma direta e imediata por meio de diários”, informam os editores do Centro de Estudos Che Guevara, em havana, responsáveis pela edição do livro.

Este diário relata as dificuldades enfrentadas pelo exército revolucionário. Desde a falta de alimentos, armamentos apropriados e calçados, até as dificuldades de comunicação. Joga por terra também a versão conservadora que mostra os guerrilheiros como frios e calculistas, pois em suas páginas percebe-se que os revolucionários só não perdoavam os traidores, os delatores; fora isso, dificilmente justiçavam alguém.

Em todos os aspectos o papel de Che foi fundamental em sua perseverança de mostrar às pessoas o caráter plural da revolução. Ele colocou todo seu carisma e inteligência a serviço dos propósitos revolucionários. Respeitado até pelos inimigos, Che tornou-se um dos maiores mitos revolucionários do século 20.

A revolução foi sua vida

Por isso, a direita a todo o momento procura, infrutiferamente, desqualificá-lo perante a opinião pública. Sempre com medo do que sua biografia e suas ideias possam acarretar a vontade de mudança de uma juventude ávida de liberdade, de justiça, e, principalmente, de luta pelo mundo afora.

Como reconhece Armando Hart Dávalos (companheiro de Che e Fidel na revolução cubana) sobre a trajetória do grande líder. Diz Hart que o prestígio de Che, “foi crescendo com os anos, até que se converteu em um dos símbolos mais altos da luta revolucionária no mundo”. Pela leitura do diário de Che percebe-se uma pessoa íntegra e firme na causa da luta do povo cubano que, vence até seus frequentes ataques de asma, sempre mantendo o bom humor, mas com firmeza contra o inimigo.

Um texto de Che mostra bem esse caráter revolucionário e disposto ao diálogo e à luta. Ele escreveu sobre a morte do companheiro de luta René Ramos Latour, com quem tinha “profundas divergências ideológicas”, até reconhecia serem “inimigos políticos”, mas “soube morrer cumprindo seu dever na linha de fogo, e quem morre assim é porque sente um impulso interior que eu lhe neguei e que agora retifico”, escreveu sobre ele.

Este senso de justiça norteou a vida de Che, que está relatada em dezenas de biografias e filmes sobre sua vida. “Ernesto Che Guevara recebeu e enriqueceu essa herança espiritual, e decidiu formar seu caráter para assumir, com os fatos e com a consagração de sua vida, o compromisso que reputou irrenunciável: o de defender com seu enorme talento, valor e virtudes o direito dos pobres de América e a aspiração bolivariana e martiniana de integração moral das pátrias latino-americanas”, diz Armando Hart.

O espírito inquieto de Che o levou depois a liderar lutas na África e depois de volta a América Latina, onde morreu prematuramente na Bolívia. Sua morte causou comoção em todo o mundo, justamente por ser reconhecido nele um homem dedicado à causa dos trabalhadores e da humanidade. Como diz Fidel Castro: “no ideal da revolução continuam vivendo os que tombaram e continuarão vivendo todos os que venham a tombar”.

Diário de um combatente contradiz também a tese idealista de que o povo necessita de heróis. Os escritos de Che mostram que os verdadeiros heróis se forjam na luta cotidiana e surgem no momento propício em que a vontade de construir uma sociedade nova e justa prevaleça sobre os interesses individuais. Este diário de Che “transcrito meticulosamente por sua viúva, Aleida March, e repleto de notas explicativas cuidadosamente preparadas para o leitor, constitui um documento de importância histórica inequívoca, e é fundamental para se conhecer a revolução cubana, contada através da narrativa precisa e sincera de um de seus maiores protagonistas”, escreve Luiz Bernardo Pericás.

*Colaborador do Vermelho

Livro
Ernesto Che Guevara. Diário de um combatente. São Paulo, Planeta, 2012