Proer: a cesta básica dos banqueiros

O governo FHC justificou a criação do Proer com a alegação de que o sistema bancário precisava se modernizar para receber investimentos externos. Mas o que ocorreu foi que o grosso dos recursos do Proer foram distribuidos para salvar bancos falidos recebendo em troca títulos "podres" como forma de pagamentos.

Por Laurez Cerqueira*

O Proer desapareceu do noticiário que todos os dias se mistura no túnel do tempo, descansa no cemitério de escândalos do governo Fernando Henrique Cardoso, enquanto ministros do Supremo Tribunal Federal dormem nas sessões tediosas da corte enrolados nas suas capas pretas, como “Vacas sagradas”, assim chamados pelo jurista e ex-senador José Paulo Bisol ou fazem pantomimas para se verem depois nos espelhos, agora telinhas de tv e de celulares. Os bancos sugam a seiva do trabalho dos brasileiros e muitos ainda dizem por aí que o Proer foi importante para a segurança bancária do Brasil.

Criado em novembro de 1995, no início do primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso, o Proer – Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional, gastou R$ 37,76 bilhões com os bancos em funcionamento no país. Este valor foi apurado pela CPI dos Bancos, do Senado Federal, e consta do relatório final da comissão.

Desde 1994, mais de 70 bancos (múltiplos, comerciais, de desenvolvimento e de investimento) passaram por processos de ajuste, resultando em transferência de controle acionário, com assistência do Banco Central e com incorporação de outras instituições financeiras nacionais e estrangeiras.

A concentração bancária no Brasil se intensificou no governo Fernando Henrique. Essa concentração é fortemente marcada pela internacionalização do sistema financeiro brasileiro. Várias instituições internacionais passaram a operar no Brasil, adquirindo bancos brasileiros.

Dentre outras aquisições destacam-se a compra do Bamerindus pelo banco inglês Hong Kong & Shangai Banking Corporation (HSBC), do Banco Real pelo ABN-Amro, do Noroeste e do Banco Geral do Comércio pelo espanhol Santander, do Excel pelo Bilbao y Viscaya, do Garantia pelo CS First Boston e do Bandeirantes pelo português Caixa Geral de Depósitos. Ao todo foram 8 instituições estrangeiras que compraram 11 bancos nacionais, e passaram a disputar um mercado estimado, na época, em 50 milhões de correntistas. O potencial do setor financeiro nacional era o principal atrativo para as instituições estrangeiras. Apenas 17% dos brasileiros tinham conta em banco, enquanto na Espanha, por exemplo, esse índice chegava a 70% e no Chile, 50%.

O Professor Luiz Fernando de Paula, economista e pesquisador do Núcleo de Finanças e Macroeconomia da Universidade Cândido Mendes, estudou durante seis anos as mudanças no sistema financeiro internacional e seus impactos no Brasil. Segundo ele, a participação do capital estrangeiro no setor financeiro brasileiro, a partir de 1996, dobrou, passando de 9,79% para 18,38% até 1999, aumentando de 4,36% para 11,81%, o volume de dinheiro brasileiro depositado em instituições estrangeiras.

O governo Fernando Henrique Cardoso justificou a abertura do sistema financeiro brasileiro para a participação de instituições financeiras estrangeiras utilizando a surrada lei do livre mercado. Segundo o governo, a concorrência dos bancos estrangeiros traria benefícios para os correntistas nacionais. Mas o estudo do professor Luiz Fernando constatou o contrário. Os bancos institucionalizaram a cobrança de tarifas, argumentando que seria necessário para recompor os ganhos perdidos com o fim da inflação. Essas cobranças acabaram se transformando em mais um instrumento de captação de recursos: em 1994 as tarifas representavam apenas 2,41% de suas receitas. Quatro anos depois, o índice subiu para 6,26%. Os bancos estrangeiros não oferecem tarifas mais baixas do que os bancos nacionais e não demonstram disposição de ofertar crédito mais barato.

Os títulos públicos se transformaram na principal ração que alimenta os lucros dos bancos, são como um prato feito de taxas de juros suculentas. Com as altas taxas de juros oferecidas pelo governo para remunerar a compra de títulos públicos, os bancos não se animaram a aumentar as linhas de crédito, preferiam investir os títulos públicos porque o risco até hoje é zero. Ou seja, a internacionalização do sistema financeiro promovida pelo governo não atendeu a demanda por investimentos na economia e serviu para aumentar a especulação financeira, sugando os recursos da riqueza produzida por quem trabalha. Dados do Banco Central comprovam isso: depois da intensificação das fusões o volume de títulos públicos vendidos a bancos estrangeiros aumentou de 15,2% em 1994 para 32% em 1999, enquanto a disponibilidade de crédito foi reduzida de 41,5% para 33,3%, no mesmo período.

A receita do conjunto das instituições financeiras com a compra de títulos da dívida pública interna triplicou entre 1994 e 2001, passou de R$ 13,6 bilhões para R$ 41,7 bilhões. O estoque dos títulos públicos em poder dos bancos, que em 1994 era de R$ 53 bilhões saltou para R$ 282 bilhões, um aumento real de 171,5% (descontada a inflação da carteira de títulos públicos em poder dos bancos).

O lucro dos 20 maiores bancos que atuavam com títulos públicos, que em 1994 foi de R$ 13,6 bilhões, em 2001 chegou a R$ 37,6 bilhões, um aumento de 56,5%. A parcela dos lucros com investimentos em títulos sobre a receita total dos bancos, que em 1994 era de 22,5%, atingiu a marca de 41,1%, em 2001.

Arminio Fraga, ex-consultor de um dos maiores especuladores financeiros do mundo, George Soros, assumiu a presidência do Banco Central, em 1999 e uma das medidas dele foi liberar o depósito compulsório dos bancos em vários momentos sob a alegação de possibilitar a oferta de crédito, mas o que se verificou foi que a oferta não ocorreu. Os bancos optaram pela compra de títulos públicos, porque o lucro desde então é fácil, as taxas de juros são muito altas. Os bancos nunca ganharam tanto dinheiro no Brasil quanto durante o governo Fernando Henrique Cardoso. Os lucros aumentaram cerca de 364%, segundo dados da Federação Brasileira dos Bancos, publicados no segundo semestre de 2001.

O governo justificou a criação do Proer com a alegação de que o sistema bancário precisava se modernizar para receber investimentos externos.

Mas o que ocorreu foi que o grosso dos recursos do Proer foram distribuídos para salvar bancos falidos recebendo em troca títulos "podres" como forma de pagamentos e para dar garantia a grupos estrangeiros para comprar bancos brasileiros. O Banco Econômico, o Nacional e o Bamerindus deram um calote de mais de R$ 10 bilhões de reais ao Banco Central.

O Banco Nacional, da família Magalhães Pinto, que tinha uma das filhas, Ana Lúcia Catão de Magalhães Pinto, casada com Pedro Henrique Cardoso, filho do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, recebeu uma linha de crédito de R$ 6 bilhões de reais para pagar suas dívidas, antes que o fosse vendido para o Unibanco. O Nacional, só em fraudes contábeis, que vinham sendo praticadas desde 1986, sem a fiscalização do Banco Central, levou R$ 5,3 bilhões de reais.

O Banco Bamerindus, do ex-senador Andrade Vieira, PTB/PR, um dos maiores colaboradores da campanha de Fernando Henrique, que deu dinheiro e emprestou jatinhos para viagens do candidato à presidência, foi vendido para o grupo inglês HSBC por um preço subestimado de R$ 381,6 milhões de reais. O HSBC comprou só a parte boa e a parte podre ficou com o Banco Central. Além de outros bens o patrimônio do Bamerindus tinha 1.241 agências, ativos no valor de R$ 10 bilhões e uma seguradora das mais rentáveis do país. Como se não bastassem essas vantagens, o Banco Central deu R$ 431 milhões ao HSBC para informatização e outras despesas e garantia de R$ 1,27 bilhão em títulos da dívida externa.
Andrade Vieira, que foi ministro de Fernando Henrique Cardoso, saiu do governo acusando Pedro Malan de ludibriá-lo na venda do Bamerindus. Vieira queria mais dinheiro para salvar o banco, mas o ministro da fazenda preferiu os ingleses.

Quatro anos depois que o Bamerindus quebrou os técnicos do Banco Central concluíram o inquérito administrativo. No relatório do BC, segundo a revista Istoé Dinheiro, de 30 de novembro de 2001, consta o pedido de indiciamento, por formação de quadrilha, de dezenas de pessoas. Essas pessoas estão sendo acusadas de manipulação de uma carteira no valor de R$ 2 bilhões em créditos podres. Os indícios de crimes são: um total de 56 imóveis com valores superfaturados para quitar dívidas de devedores do banco, pagamentos indevidos de comissões a intermediários e contratação de empresas de administração de contratos imobiliários com preços muito acima dos praticados no mercado.

O texto da Lei de Diretrizes Orçamentárias, de 1999, estabelecia que o Executivo teria que divulgar os resultados do Banco Central discriminando os reflexos das operações de saneamento do sistema financeiro, cujos valores somaram R$ 20 bilhões de reais relativos ao ano de 1997, e os projetados para os anos de 1998 e 1999. Porém, o governo federal simplesmente decidiu não prestar contas ao Congresso Nacional sobre o impacto das operações de injeção de recursos do Proer nos bancos. O presidente Fernando Henrique Cardoso vetou 14 dispositivos da LDO de 1999, sobre o assunto. O Senado Federal, sob a presidência de Antônio Carlos Magalhães, recebeu o texto da lei de volta, mandou publicar no Diário Oficial e ponto final.

O problema é que arroubos tecnocráticos como esse consumiu uma fábula de recursos e nenhuma instituição acadêmica se dispôs até o momento a fazer as contas para saber quanto custou para o país a moeda Real e quanto perdemos com a vulnerabilidade externa do período Fernando Henrique, que permitiu tantos ataques especulativos, sendo que R$ 37,76 bilhões foram “investidos” na chamada “segurança bancária.

* Jornalista e escritor, autor, entre outros trabalhos de Florestan Fernandes – vida e obra, Florestan Fernandes – um mestre radical e O Outro Lado do Real, em parceria com o deputado Henrique Fontana.

Fonte: Carta Maior