Zé Domingos, um trovador à margem do mercado

A mídia comercial ignora talentos que não se enquadram no viés comercial ou na preferência da intelligentsia burguesa. Santa ignorância de uma elite que vive de costas para o país!

Por Marcos Aurélio Ruy (*)

Zé Domingos

Santa ignorância (2011) é o nome do disco do cantor e compositor José Domingos. Nascido em Guaxupé (MG), aos cincos anos veio, com a família, para o interior de São Paulo e, em 1956, para a capital paulista, de onde nunca mais saiu. Virou cantor da noite com grande destaque, embora permaneça obscurecido pela chamada “indústria cultural”, que não valoriza talentos populares sem viés comercial. Mesmo com anos de estrada, Zé Domingos permanece encarcerado numa espécie de nicho neste mundo que cada vez mais transforma a arte em mercadoria fugaz, momentânea, circunstancial.

Zé Domingos e Noite Ilustrada

É um privilégio ouvir discos de artistas como esses. A Música Popular Brasileira, rica e diversificada, conta com artistas desprezados pelos que dominam o mercado, palavra chave do capitalismo. São Paulo, que já foi apelidada de “túmulo do samba”, tem artistas como Paulo Vanzolini, Adoniran Barbosa, Geraldo Filme, entre muitos outros voltados para o samba. Há pouca informação sobre Zé Domingos, que deve estar apor volta dos 80 anos de idade, com ao menos 60 de carreira; ele canta à moda antiga dos vozeirões,, como se pode conferir no CD que acaba de lançar. Zé Domingos mostra sambas e toadas e se aproxima de seu ídolo, o compositor carioca Cartola. Também homenageia o amigo Noite Ilustrada. Destaque para a faixa título do CD desse compositor mineiro-paulista.

Música

Santa ignorância (com Adalto Santos)

Vim de longe, estou cansado
Com o peso dos desenganos
Cada dia mais pesado
Somado ao peso dos anos

Vivo num mundo agitado
Cheio de gente vazia
Vendo um sonho sepultado
Na manhã de cada dia

Ah! Meu tempo de menino
Se eu pudesse, voltaria
Ao riacho cristalino
E às coisas que eu mais queria

Meu rancho de pau a pique
A minha cama de varas
Meu travesseiro de penas
Minha esteira de taquara

O terreiro onde eu jogava
A minha bola de meia
Toadas que o pai cantava
Nas noites de lua cheia

Minha peteca de palha
Minha sopa na gamela
Minha santa ignorância
Saudade que eu tenho dela
 

(*) Colaborador do Vermelho