Aldo Rebelo: Artistas da pena e da bola

O alagoano Graciliano Ramos, autor de obra caudalosa, era um homem áspero como seu sertão. Neste mês em que se estendem as comemorações dos 120 anos de seu nascimento, uma de suas polêmicas merece ser lembrada: “O futebol não pega, tenham a certeza”, escreveu em 1921 num jornal de Palmeiras dos Índios, sob o pseudônimo de J. Calisto, já antecipando o talento do escritor que iria desabrochar em 1933 com o romance Caetés.

A opinião do Velho Graça entronizou-se como uma amostra da relação de amor e ódio que intelectuais brasileiros mantiveram com o futebol.

No campo do ódio, nenhum foi tão longe quanto Lima Barreto (1881-1922), que combateu a “coisa inglesa”, mas com um pano de fundo: os negros como ele eram discriminados nos clubes pela “aristocracia que se baseia na habilidade dos pés”.

A opinião de Graciliano também não deve ser lida ao pé da letra: era um veículo para a ironia de defender a rasteira como esporte nacional…

Em contrapartida, o maranhense Coelho Neto (1864-1934), pai do craque Preguinho, foi um dos maiores incentivadores do esporte na década de 1920.

Artistas da pena celebraram artistas da bola. João Cabral de Melo Neto (1920-1999), pernambucano que jogou no América do Recife, louvou o “ritmo líquido” do palmeirense Ademir da Guia, enquanto o fluminense Vinicius de Moraes (1913-1980) exaltou o “pé-de-vento” Garrincha, “mais rápido que o pensamento”.

Nesse jogo literário, o artilheiro foi o paraibano José Lins do Rego (1901-1957), torcedor de arquibancada e cartola, um dos raros grandes escritores a buscar no futebol material literário, com crônicas reunidas no livro Flamengo é Puro Amor.

Afinal, como observou o historiador inglês Eric Hobsbawm, falecido no mês passado, o futebol brasileiro reúne, tanto quanto a literatura, “a condição de arte.”

Coluna de Aldo Rebelo no Diário de S. Paulo