Carlos Cachoeira: mesmo condenado, contraventor sai da prisão

Foi solto na madrugada desta quarta-feira (21), da Penitenciária da Papuda, o contraventor condenado Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira. A juíza da 5ª Vara Criminal de Brasília, Ana Cláudia Barreto, puniu o bicheiro com cinco anos de prisão em regime semiaberto por causa de esquema montado para vencer contrato de bilhetagem no transporte do Distrito Federal (DF).

No entanto, determinou a soltura do contraventor por considerar que ele já não pode mais influenciar testemunhas nem atrapalhar a coleta de provas.

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O alvará de soltura foi expedido no dia em que a magistrada condenou o bicheiro a cinco anos de prisão em regime semiaberto, além do pagamento de multa correspondente a R$ 155,5 mil pelos crimes de formação de quadrilha e tráfico de influência. É a primeira sentença contra Cachoeira desde que vieram à tona, em fevereiro, com a Operação Monte Carlo, as denúncias de que o contraventor liderava uma máfia em Goiás e no Entorno, com ramificações no poder público, o que motivou a abertura de CPI no Congresso.

Satisfeito, o advogado de Cachoeira, Nabor Bulhões, disse momentos antes de o cliente deixar a Papuda que “a Justiça começou a ser feita. A defesa está convicta que ele não cometeu os crimes que lhe foram imputados. Vamos recorrer e, como ele já cumpriu mais de seis meses de prisão, não ficaria nem no regime semiaberto, mas no aberto”.

Em entrevista à imprensa goiana, Andressa Mendonça, seguiria para Goiânia, onde se encontraria com os três filhos, de 9, 11 e 12 anos, que não via desde a prisão, em 29 de fevereiro. Em frente ao presídio, antes de encontrar Cachoeira, Andressa comemorou a libertação e disse que só queria dizer pessoalmente “o quanto o amava”.

Justiça acata argumentos da defesa

Na sentença, a juíza acatou os fundamentos e os elementos de prova compartilhados pelo Ministério Público Federal com os promotores de Justiça do Núcleo de Combate às Organizações Criminosas (NCOC) do Ministério Público do DF. Escutas telefônicas feitas pela Polícia Federal (PF) revelaram um intenso movimento de Cachoeira para conseguir o contrato do DFTrans que prevê a terceirização da exploração da operação do transporte público por meio de um sistema sofisticado de informática.

Cachoeira queria entregar o negócio de cerca de R$ 60 milhões por mês para a Delta Construções, empresa que havia conseguido entrar no DF por meio de contrato de limpeza pública, hoje considerado ilegal e extinto. Dois ex-diretores da Delta, Cláudio Abreu, responsável pelo Centro-Oeste, e Heraldo Puccini Neto, gerente em São Paulo, também foram condenados a cinco anos de prisão por quadrilha e tráfico de influência.

A sentença abrange ainda o ex-servidor da Secretaria de Planejamento Valdir Reis, o contato da quadrilha com o Governo do Distrito Federal. A quebra do sigilo bancário mostrou que Reis recebeu pelo menos R$ 80 mil como pagamento pela intermediação de encontros entre o grupo de Cachoeira e integrantes do Executivo local, entre os quais, o secretário de Transportes, José Valter Wasquez, testemunha no processo.

Segundo a Justiça, Reis recebeu pagamentos por meio de empresas laranjas do esquema, como a Adecio & Rafael, abastecida com recursos da Delta nacional. No computador dele, promotores de Justiça do DF encontraram, durante busca e apreensão da Operação Saint-Michel, o projeto do sistema de bilhetagem que teria sido elaborado pelo grupo de Cachoeira. O ex-servidor mantinha um trânsito tão fácil no anexo do Palácio do Buriti que ostentava um crachá de servidor do GDF.

Operação Saint-Michel

A Operação Saint-Michel foi deflagrada pela Polícia Civil do Distrito Federal, em parceria com o Ministério Público local, em 25 de abril deste ano, menos de dois meses depois da Operação Monte Carlo, a cargo da PF. Cachoeira já estava preso por conta das investigações sobre a corrupção de agentes públicos em Goiás, principalmente policiais militares, civis, federais e rodoviário federal, objeto da Monte Carlo.

A operação da PF ainda acabou provocando a cassação do senador Demóstenes Torres (GO) e na instauração da CPI do Cachoeira no Congresso.

Após a revogação da prisão preventiva decretada pela Justiça Federal de Goiás na operação Monte Carlo, o bicheiro permaneceu detido por conta do outro mandado de prisão determinado pela Justiça do DF. A Saint-Michel resultou em prisões e cumprimento de mandados de busca e apreensão em Brasília, Goiás e São Paulo. Entre os presos estavam o ex-diretor da Delta Construções no Centro-Oeste Cláudio Abreu e um vereador em Anápolis (GO), cidade natal de Cachoeira. A Justiça expediu mandado de prisão para o ex-diretor da Delta em São Paulo Heraldo Puccini, que permanece foragido.

Segundo as investigações, o grupo de Carlinhos Cachoeira tentou fraudar licitação para prestação de serviço de bilhetagem eletrônica no transporte coletivo em Brasília. Aliados do bicheiro atuaram junto ao governo local para que a Delta saísse vencedora da licitação que viria a ser aberta.

Agora, a expectativa do Ministério Público Federal (MPF) em Goiás, responsável pela denúncia à Justiça decorrente da Operação Monte Carlo, é por uma nova condenação do bicheiro a pelo menos 50 anos de prisão na instância federal. O processo corre na 11ª Vara Federal em Goiânia.

As alegações finais elaboradas pela defesa do bicheiro foram protocoladas ontem na vara e sustentam que as interceptações telefônicas usadas na investigação são ilegais. Nabor Bulhões, advogado de Cachoeira, alega falta de provas dos crimes cometidos pelo bicheiro. Não é o que sustenta o MPF nas alegações finais: os procuradores da República relacionaram 17 eventos criminosos supostamente praticados pelo réu.

Os crimes apontados são formação de quadrilha armada, corrupção ativa e violação de sigilo. Para o MPF, houve concurso material dos fatos, ou seja, cada prática criminosa deve resultar numa pena. O MPF deve recorrer se a sentença do juiz Alderico Rocha determinar condenação inferior a 50 anos. Com a apresentação das alegações finais pela defesa de Cachoeira, a expectativa do MPF-GO é a de que a sentença seja proferida na primeira semana de dezembro. Até lá, Cachoeira fica em liberdade.

Entenda o caso

2004

Carlinhos Cachoeira ganha destaque na mídia após a divulgação de um vídeo (foto), gravado por ele, no qual Waldomiro Diniz, na época assessor do então ministro da Casa Civil, José Dirceu, negocia propina. O dinheiro seria destinado à campanha eleitoral do PT e do PSB no Rio de Janeiro. Diniz prometia ajudar Cachoeira em uma licitação.

2012

29 de fevereiro
Oito anos após o escândalo, Cachoeira voltou ao noticiário nacional ao ser preso pela Polícia Federal na Operação Monte Carlo, acusado de chefiar uma quadrilha que explorava o jogo ilegal em Goiás e no Entorno.

30 de fevereiro
O bicheiro é levado para o presídio federal de Mossoró (RN).

4 de março
Reportagens divulgam as ligações entre o então senador Demóstenes Torres e Cachoeira. O contraventor presenteou o parlamentar e a mulher com um fogão e uma geladeira. O Correio revela que Demóstenes e Cachoeira conversaram 298 vezes por telefone entre fevereiro e agosto de 2011.

6 de março
Em discurso no Senado, Demóstenes (foto) nega as relações com Cachoeira.

3 de abril
Demóstenes pede afastamento do DEM.

18 de abril
Cachoeira é transferido para a Papuda.

19 de abril
Criada CPI para investigar a relação de Cachoeira com políticos e empresas.

11 de maio
O Ministério Público do Distrito Federal denuncia à Justiça Cachoeira e mais sete acusados de formação de quadrilha e tráfico de influência.

22 de maio
Cachoeira fica em silêncio e se recusa a depor na CPI.

4 de julho
Descobre-se que a casa em que Cachoeira foi preso tinha sido comprada de Marconi Perillo.

10 de julho
O plenário do Senado cassa o mandato de Demóstenes Torres.

20 de novembro
Cachoeira consegue a liberdade.

Com agências