ABTO: somente 45% dos brasileiros optam pela doação de órgãos

Há três meses, a rotina de Dinaira Miranda da Cruz, 21 anos, e Claudivan Francisco dos Santos, 28, se resume à espera, na unidade de terapia intensiva (UTI) do Instituto de Cardiologia do Distrito Federal (ICDF), onde o filho único do casal está internado. A criança, de apenas 1 ano e cinco meses, está na fila de espera por um coração.

Dinaira conta que, quando o bebê completou 1 ano, ela e o companheiro repararam que ele ficava mais cansado durante as brincadeiras. No início, a criança fez um tratamento para bronquite, mas, como não melhorou, foi pedido um raio X. "O exame mostrou que o coração dele estava duas vezes maior do que o normal", explica a mãe. A criança foi diagnosticada com miocardite viral e entrou na fila de transplantes. Ela chegou a receber a notificação de um possível doador, porém, a família decidiu não autorizar a retirada do órgão. "Isso abalou ainda mais a gente. No momento de desespero, a mãe não aceitou", lamenta Dinaira.

Dono de um dos maiores sistemas públicos de transplante de órgãos do mundo, o Brasil ainda tem o desafio de aumentar o envolvimento das famílias dos potenciais doadores. Segundo dados da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO), de 2.617 entrevistas feitas com parentes entre janeiro e setembro deste ano,1.178 não autorizaram a doação. Isso significa que 45% das famílias entrevistadas para transplantes de órgãos sólidos (não inclui tecidos) recusaram a doação. Essa é a maior causa para a não concretização do procedimento.

Hoje, a legislação determina que a família é responsável pela destinação dos órgãos do possível doador. Apesar do alto índice de rejeição, o coordenador-geral do Sistema Nacional de Transplantes, Heder Murari, ressalta que as campanhas de conscientização das famílias têm dado resultado. "Hoje, 56% das famílias se mostram favoráveis no momento em que é solicitada a doação. Em 1997, esse número não chegava a 10%." De acordo com o Ministério da Saúde, o número de transplantes de órgãos e tecidos chegou a 12.287 no primeiro semestre, o que corresponde a um crescimento de 12,7% em relação ao mesmo período do ano passado.

Solidariedade

Longe das famílias, que moram em Tabocas do Brejo Velho, interior da Bahia, Dinaira e Claudivan não perdem a esperança. "Entendo que é difícil, na hora da perda de um filho, tomar uma decisão dessas, mas é um ato de solidariedade. Uma vida será salva e meu filho terá a oportunidade de crescer e brincar como toda a criança", diz Dinaira.

Heder Murari destaca que a qualidade do atendimento do paciente e o treinamento da equipe responsável pela entrevista com os parentes dos doadores são fatores determinantes na decisão da família. "No mundo todo, o índice de recusas é alto. É o pior momento na vida da pessoa que perde um ente querido. Mas, se o paciente foi bem tratado, as chances de a família ser favorável à doação são maiores. Se faltou vaga, atendimento, pedir a doação é uma crueldade."

Editada em 1997, a Lei dos Transplantes introduziu a doação presumida, quando o potencial doador registrava em documentos como a Carteira de Identidade e Carteira Nacional de Habilitação a sua decisão de doar órgãos e tecidos. No entanto, em 2001, a Lei 10.211 extinguiu o consentimento presumido no Brasil e determinou que a doação só poderia ser feita com a autorização dos parentes.

Para o professor de bioética da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) José Roberto Goldim, o ideal seria elaborar um modelo de decisão compartilhada. "Se existe a vontade manifesta da pessoa, esse deveria ser elemento forte no sentido de convencimento da família", acredita.

Remédios grátis

A partir de 2014, os medicamentos de uso contínuo micofenolato de sódio e everolimo, usados para evitar a rejeição de órgãos em pacientes transplantados, serão distribuídos de graça pelo SUS. Os remédios vão ser produzidos pela Fundação para o Remédio Popular (Furp), laboratório oficial do governo de São Paulo.

A tecnologia de fabricação será transferida pelo laboratório Novartis. Em anúncio feito ontem, o governador Geraldo Alckmin informou que cerca de 28 mil pessoas serão beneficiadas pela parceria. O estado de São Paulo é responsável por metade dos transplantes feitos no país. De janeiro a setembro, foram feitos 1.026 transplantes de rim e 60 de coração.

Fonte: Correio Braziliense